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  .A luz da Lua
 
 
por Rabi Lee Jay Lowenstein
 

A tradição judaica nos diz que na conclusão de cada leitura da Torá no Shabat, uma segunda leitura escritural chamada Haftará é adicionada. Esta seleção dos Profetas não é escolhida arbitrariamente; pelo contrário, a escolha de seu tema é para complementar o tópico básico da leitura da Torá ou ser apropriado a algum evento especial associado com o Shabat específico.

Quando Rosh Chôdesh, o início de um novo mês hebraico, cai num domingo, não fazemos a seleção normal associada com a porção semanal da Torá e em seu lugar lemos do Livro de Samuel I (20:18-42) sobre o relacionamento de David, o futuro rei de Israel, e Jonathan, filho do Rei Saul. Presume-se que esta escolha foi feita devido à referência do novo mês que está para chegar, encontrada em seu versículo de abertura: "E Jonathan disse: "Amanhã é o novo mês." Entretanto, é estranho que uma única pequena referência fosse suficiente para justificar sua seleção para esta ocasião. Existe, talvez, alguma mensagem dentro da história da amizade entre David e Jonathan que exemplifique o tema da chegada do novo mês?

O Talmud (Tratado Chulin 60b) fala de uma dificuldade a respeito da criação de dois corpos celestiais primários, o sol e a lua. Uma parte do versículo na história da Criação declara que o Todo Poderoso criou duas grandes luminárias, porém a segunda metade identifica uma delas como a "grande luminária" e a outra como a "pequena luminária" (Bereshit 1:16). Nossos Sábios explicam que inicialmente o sol e a lua foram criados iguais. A lua procurou D;us e reclamou: "Mestre do Universo! É possível que dois reis dividam a mesma coroa?" ao que o Criador respondeu: "Lua, vá e diminua-se, e então você apenas refletirá a luz do sol." Para aplacar a lua, D’us ofereceu vários consolos: O povo judeu usará um calendário lunar para medir o tempo, e os judeus justos carregarão o apelido de "O pequeno" (um símbolo de humildade), comparando-os à luz.


Certamente, não pode haver um exemplo mais definitivo de amor altruísta, de alguém desistindo de seus próprios direitos pelo bem do outro.

Esta é a forma de nossos sábios falarem metaforicamente de grandes idéias.

Qual é a mensagem subjacente que eles procuram comunicar com esta história?

Vamos a uma última questão que exige nossa análise do relacionamento entre David e Jonathan, como visto através dos olhos de nossos sábios. Em Pirkê Avot (5:19) nossos rabinos declaram: "Todo amor baseado em fatores externos não durarão. Apenas o amor verdadeiramente altruísta tem o poder de resistir." Para solidificar esta mensagem, eles citam o relacionamento entre David e Jonathan como o paradigma do amor sem egoísmo.

Não é estranho que em toda a literatura judaica o único exemplo que eles consideraram eficaz para transmitir este ponto fosse a amizade entre estes dois? Por que não escolher um exemplo de uma relação entre um homem e uma mulher para servir de modelo? Afinal, este tipo de relacionamento está muito mais propenso a cair presa de considerações externas!

Um homem e uma mulher entram em um relacionamento porque têm uma profunda necessidade de se sentirem inteiros e completos, uma necessidade que faz acontecer esta união. Numa amizade entre dois homens, entretanto, cada parte sente-se potencialmente ameaçada pela outra. Um homem sente que todos os homens são seus competidores e a vida é uma eterna luta para ser o número um. Para um homem, admitir que precisa da ajuda de outro é desferir um golpe na armadura de suas defesas. Um homem literalmente passa sua vida perguntando-se: "Como podem dois reis usar a mesma coroa?"

Talvez ninguém tenha sentido isso mais que Jonathan. Ele foi o príncipe coroado de Israel. Saul já havia perdido os favores de D’us e estava para ser substituído por David. Saul percebeu isso: Jonathan também o sabe. Na Haftará, Saul vocifera para seu filho: "Você não sabe? Enquanto [David] viver sobre a face da terra, você e seu reinado não estarão seguros!"(I Samuel 20:31).
Mesmo assim, em nome da amizade, Jonathan desiste de tudo. Faz-se pequeno na presença de David. O resultado disso é não apenas um forte vínculo de amizade, como também o próprio futuro do povo judeu é pavimentado quando David, o progenitor da dinastia messiânica, recebe seu lugar de direito. Certamente, não pode haver um exemplo mais definitivo de amor altruísta, de alguém desistindo de seus próprios direitos pelo bem do outro, que ficou evidenciado nesta passagem.

O destino do povo judeu está entrelaçado à lua. Assim como a lua cresce e míngua, nós também temos épocas de grande sucessos e fracassos. Assim como a lua se "renova" constantemente, nós seguimos seu exemplo e renovamos nosso relacionamento com o Todo Poderoso. Nos últimos momentos da lua "velha", enquanto ela parece desaparecer de nossa existência, lemos sobre o altruísmo de Jonathan e como ele garantiu um futuro mais brilhante para o povo judeu. A lua nos ensina que, se devemos estabelecer um relacionamento com D’us, também precisamos estar dispostos a diminuir-nos de vez em quando. Às vezes desistir de nós mesmos não é uma perda; é um trampolim para maiores oportunidades. E veja bem, alguns momentos após desaparecer, a lua "renasce" para brilhar com toda sua radiosidade!

Yesha'yáhu profetizou que a lua seria um dia restaurada à sua grandeza original.

Que seja a vontade do Todo Poderoso restaurar-nos rapidamente ao nosso esplendor original e que proclamemos: "Rei David (o Mashiach) de Israel ainda vive" ao sermos levados à nossa terra outra vez.


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