SHABAT

Paz
Por J. Immanuel Schochet

"D’us completou Sua obra no sétimo dia" – (Bereshit 2:1).

Embora seja geralmente presumido que o mundo foi criado em seis dias, ao final do sexto dia o mundo mal estava completo. Isso pode ser comparado a um rei que fez uma alcova nupcial.
Construiu, pintou e adornou-a. Mas faltava algo na alcova: uma noiva para entrar. Assim, também, o mundo carecia de "descanso." Então veio a Rainha Shabat, o sétimo dia, e trouxe o descanso, e o mundo foi terminado e completado.

O "descanso" do Shabat não é uma simples e passiva pausa do trabalho, para refrescar nossa capacidade de continuar trabalhando. Pelo contrário, é em si mesmo uma forma de trabalho: "os
Filhos de Israel guardarão o Shabat, para fazer o Shabat" – (Shemot 31:16).

É algo positivo, a ser feito e criado toda semana, num sentido ativo. Os Dez Mandamentos, assim, ordenam: "Lembra-te do Shabat para santificá-lo."

A vida judaica está enraizada no tempo. Há horários estabelecidos para as preces diárias matutinas, vespertinas e noturnas. O sétimo dia de cada semana é santo. Os Dias Festivos devem ser observados todos os anos em datas distintas no calendário. A cada sete anos ocorre o Ano Sabático, e a cada cinqüenta, o Ano Jubileu. O ciclo da vida evolui ao redor de determinadas épocas para educação, maturidade legal, e estágios ascendentes de auto-perfeição (Avot, final do cap. 5).

No âmago disso tudo está o Shabat, o dia mais sagrado do calendário judaico, transcendendo até Yom Kipur. É uma "recordação da obra da Criação… um memorial ao êxodo do Egito". Assim, ele nos lembra (a) de nossas raízes, do fato de que o universo e tudo nele contido foi criado por D’us ; e (b) que D’us está diretamente envolvido com o mundo e o controla, que a Divina Providência dirige todos os eventos na história.

A conscientização do Shabat ("Lembra-te do dia de Shabat") é para ser contínua, todos os dias. Na tradição judaica, portanto, não há nome para os seis dias da semana. Refere-se a cada dia em relação ao Shabat: "o primeiro dia para o Shabat; o segundo dia para o Shabat; e assim por diante. Assim, não apenas cada sétimo dia é sagrado, mas santifica e consagra também os dias restantes.

O próprio tempo, até mesmo nossos dias de trabalho mundano e obstáculos, é santificado e sublimado pelo Shabat. Cada um dos dias da vida é precioso, insubstituível, e deve ser assinalado e preservado com santidade. O Báal Shem Tov, assim, advertiu: não permita que passe um único dia sem cumprir uma mitsvá, uma boa ação. O potencial para santificar o tempo é derivado do Shabat. Nas palavras do Zohar: "Todos os dias são abençoados a partir de, e pelo Shabat." O segredo do Shabat é o princípio da Unicidade, Unidade, tornar-se um com o Único. O Báal Shem Tov ensina: No Shabat, a sagrada Glória de D’us é revelada e reluz, iluminando toda a Criação. A Luz Divina que dá existência a toda a criação emana da essência Divina, e toda a criação fica repleta de aspiração rumo a D’us . É como uma criança que sem perceber, distrai-se de maneira infantil, esquecendo-se completamente dos pais. Mais tarde, quando avista os pais, abandona tudo, correndo para eles e abraçando-os.

Isso é mencionado na palavra Shabat: um leve transposição das três letras que compõem esta palavra hebraica escreve também tashev: retorno. Há um retorno a nossa Divina fonte. A raiz de tudo irradia a seus ramos, e os ramos se comprazem n'Ele, anseiam por Ele. Esta é a suprema unificação. O Shabat, portanto, é o próprio princípio de teshuvá, o retorno a D’us . Como tal, provoca também o efeito de teshuvá: "Quem guarda o Shabat segundo suas leis é perdoado de todos os pecados, mesmo que tenha cometido o pecado cardeal da idolatria." O Shabat é o "sinal eterno" – a "eterna aliança" entre D’us e Israel (Shemot 31:16-17).

Um paradoxo:

"Seis dias trabalharás e farás toda tua obra; mas o sétimo dia é o Shabat do Senhor teu D’us , não farás nenhuma obra." O repouso ordenado do Shabat não é apenas para desistir do trabalho em si. Implica também um descanso mental: remover da mente todos os pensamentos e preocupações sobre o trabalho, sobre os envolvimentos mundanos da vida cotidiana. Isso exige uma atitude de "toda tua obra e necessidades estão terminadas, resolvidas." É um dia totalmente devotado "ao Senhor teu D’us " – unidade com o Divino, preocupação com a espiritualidade; "Honrarás o Shabat" – que tias roupas do Shabat não sejam como as roupas de todos os dias; "ao não seguir teus próprios caminhos" – que tua caminhada no Shabat não seja como aquela dos dias de trabalho; "não cuidando de seus próprios assuntos" – seus próprios assuntos estão proibidos, somente assuntos relativos ao Céu são permitidos; "não falar tuas próprias palavras" – tua fala no Shabat não é a mesma dos dias da semana. Por outro lado, a última passagem (Yesha'Yáhu 58:13-14) ordena simultaneamente fazer do Shabat um "dia de deleites" – consumindo pratos especiais e bebidas, separando a melhor comida para o Shabat!

O aparente paradoxo é facilmente resolvido. O ser humano é composto de corpo e alma. O corpo físico e a alma espiritual interagem. A saúde física e os deleites têm impacto sobre a alma e a mente. Com uma disposição feliz e satisfeita, tudo parece ser positivo, e novos canais de percepção se abrem. A alma, portanto, estando tão fortemente conectada ao corpo, também se delicia do comer e beber físico, sendo capaz de perseguir melhor seus objetivos. O físico, então, torna-se um meio rumo ao fim, o espiritual.

O Shabat, portanto, não é um dia de abstinência. Pelo contrário, santifica e sublima o físico. Seu princípio de unidade manifesta a unicidade inerente na totalidade daquilo que foi criado pelo Único. Tudo torna-se um no Único. Não admira dizer-se que o Shabat tem guardado Israel, mais do que Israel tem guardado o Shabat. Todos os dias, toda a nossa existência, tudo que temos, são abençoados por, e a partir do Shabat.


J. Immanuel Schochet é rabino da Congregação Beth Joseph, e Professor de Filosofia na Faculdade Humber em Toronto. Uma autoridade em misticismo e filosofia judaicos, Dr. Schochet é autor de 30 livros e tem feito palestras em todos os continentes, exceto a Antártica. Seu mais recente artigo para Farbrenguen doi "Aproximando a Cabalea da Terra" na edição de Chanucá 1998.