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  O Bar Mitsvá de Vovô  
  Por Avraham Berkowitz
  Em agosto passado, eu estava visitando meus avós em Los Angeles. Moro em Moscou e viajo freqüentemente aos Estados Unidos, e tento voar até L.A. pelo menos uma vez ao ano para uma visita.

Sentado na sala de estar com meus avós naquela noite de verão, perguntei sobre um membro da família que estava completando treze anos se teria um bar mitsvá, e como eu poderia ajudá-lo a celebrar.

Vovó disse: “Você está preocupado com seu primo, se o seu avô jamais teve um bar mitsvá?”

“Papa, o senhor nunca teve um bar mitsvá?” perguntei, não muito surpreso.

Vovó e vovô levam vidas boas, éticas, mas não são ortodoxos. Minha mãe abraçou o Judaísmo observante na casa dos vinte anos e fui criado num lar repleto do espírito e estilo de vida chassídico de Chabad.

Para meus oito irmãos e eu, nossos avós sempre foram uma parte importante da vida familiar. Apesar das diferenças culturais e religiosas que nos dividem, sempre encontramos muitas formas de nos conectar, como deveriam fazer as famílias, com amor e alegria.

O assunto que mais apresentava um desafio, porém, era a religião. Quando adolescente, eu era testado até o âmago; meus avós jamais quiseram que eu praticasse minha fé ou religião de cor ou que a aceitasse sem questionar.

Por respeito, nunca pedi a eles que aumentasse sua observância do Judaísmo. Eram meus avós e professores, e não o contrário.

“Papa, é por minha culpa?” eu perguntei, pensando que a resposta certamente seria interessante.

Papa lembrou-me de uma carona que ele me dera em 1997, de sua casa em Hills até Valley em Encino, para visitar o Sr. Lionel, que eu tinha conhecido no verão anterior numa viagem ao Alasca.

Em julho de 1996, eu estava passando meu segundo verão no Alasca trabalhando para os shluchim de Chabad, Rabino Yosef e Esther Greenberg. Eu estava de pé na Quarta Avenida do lado de fora do Centro de Visitantes do Alasca em Anchorage; eu tinha um par de tefilin e pacotes de informação sobre o Centro Judaico Chabad. Minha tarefa naquela manhã era cumprimentar turistas e passageiros que desembarcavam dos navios de cruzeiro que pudessem estar interessados numa refeição casher ou serviços judaicos durante sua estadia no maravilhoso Alasca.

Era sempre um prazer conhecer turistas do mundo inteiro que geralmente ficavam muito surpresos, mas às vezes nada surpresos, por ver um jovem estudante de Chabad fazendo contato com outros judeus na calçada, nada menos que em Anchorage.

Então eu vi um senhor alto, idoso, saindo do centro de visitantes com a esposa e dirigindo-se à Quarta Avenida. Aproximei-me deles com um sorriso e os cumprimentei. O homem olhou-me ferozmente, e numa voz séria disse-me para continuar andando. Abalado, eu disse: “Peço desculpas; eu estava cumprimentando outros judeus que vieram ao Alasca.”

“Então vá procurar outro para incomodar,” disse ele. “Não quero nada com você!”

Minha cabeça estava girando. Fiquei ofendido, porém sabia que não tinha feito nada desrespeitoso. Obviamente era o que eu representava – um judeu religioso, com barba e kipá na cabeça – que o aborrecera.

“Senhor, com todo o respeito,” apressei o passo, fiquei ao lado dele, olhando diretamente em seus olhos. “Presumo que algum judeu ortodoxo fez alguma coisa muito errada e portanto o senhor não quer falar comigo. Diga-me, por favor, o que houve de errado, para que eu, outro judeu ortodoxo, não repita o mesmo erro no futuro.”

O homem acalmou-se e pediu-me para sentar com ele e com a esposa num banco ali próximo. Durante a hora seguinte, sentei-me e ouvi a história de Lionel.”

“Nasci em Londres em 1929. Meu pai era um soldado das forças britânicas contra os nazistas. Antes de meu pai ir para o fronte, ele implorou à minha mãe que cuidasse bem de mim e que assegurasse que eu teria um bar mitsvá. Quando os alemães bombardearam Londres durante a blitzkrieg, minha mãe e eu fugimos para o País de Gales para escapar dos bombardeios.

“A vida era muito difícil, éramos pobres e mal tínhamos o que comer. Minha mãe, no entanto, queria preparar-me para o meu bar mitsvá como tinha prometido ao meu pai, portanto levou-me à sinagoga em Cardiff para lições de bar mitsvá. Havia alguns outros meninos ali e sentei-me para a primeira aula, ouvindo atentamente, tentando afastar a mente da guerra e de nossos problemas. Quando minha mãe foi buscar-me, o instrutor de bar mitsvá disse a ela que as aulas custariam uma libra. Minha mãe, que não tinha um centavo, implorou ao rabino que perdoasse os custos. Ele respondeu: “Sinto muito, sem libra, nada de bar mitsvá!”

“Minha mãe ficou humilhada. Pegou-me pela camisa e saímos da sinagoga. Aquela foi a última vez que coloquei os pés numa sinagoga! Jamais tive um bar mitsvá e meu pai, que nunca retornou do fronte, não teve seu último desejo satisfeito.”

Lionel e eu estávamos chorando no banco, e eu não conseguia encontrar palavras de defesa para aquilo que tinha sido feito a ele e sua mãe. Eu poderia ter argumentado que o professor/rabino estava alimentando muitas crianças e também precisava sobreviver. Talvez ele estivesse usando os fundos para salvar outras famílias desalojadas… Olhei para Lionel e disse: “Sou agora um estudante rabínico, e prometo a você que se os pais não tiverem os meios para fazer um bar mitsvá para o filho, sempre me lembrarei da sua história e não cobrarei dos pais pelo bar mitsvá do filho.”

Lionel ficou satisfeito com a minha resposta, mas eu podia sentir sua profunda mágoa, por jamais ter celebrado seu bar mitsvá.

“Lionel, vamos lá colocar tefilin e fazer seu bar mitsvá, para cumprir o último desejo de seu pai.”

E assim, o estudante rabínico baixinho e o homem alto e idoso, o ex- antagonista, caminharam pela rua de Anchorage até o hotel de Lionel, onde tive o privilégio de colocar tefilin nele pela primeira vez em sua vida e celebrar seu bar mitsvá.

Lionel estava empolgado e chamou alegremente seus filhos no andar abaixo para contar-lhes a história de seu bar mitsvá no Alasca.

Um ano depois, eu estava visitando meus avós em L.A. e pedi ao meu avô que me levasse até a casa de Lionel para que eu pudesse visitá-lo.

Então Papa contou-me que após ouvir a história de Lionel e seu bar mitsvá tardio, ele também estava preparado para ter o seu.

Meu avô relembrou a própria infância. Nasceu órfao, pois seu pai morrera na epidemia de tifo em 1918, quando sua mãe ainda estava grávida. Foi criado pela mãe, que trabalhava muito, mas jamais teve um pai para levá-lo à sinagoga para ter um bar mitsvá.

Porém eu nunca tinha oferecido aquilo a ele… Era falha minha ele, até aquela data, não ter celebrado seu bar mitsvá!

:Amanhã pela manhã, Papa,” eu prometi.

“Ótimo! Terei meu bar mitsvá amanhã cedo.”

Às 6h30 daquela sexta-feira, 10 de agosto de 2007, meu avô de 88 anos e eu fomos ao quintal da casa dele, onde o ajudei a colocar meu talit, coloquei delicadametne o tefilin de mão ao redor do seu braço, e o outro sobre a cabeça.

Papa recitou as bênçãos e o Shemá, e então recebi o abraço longo e carinhoso dele, enquanto cantávamos juntos Siman Tov U’Mazal Tov. Vovó e Vovô derramaram lágrimas de alegria.

Este foi o momento mais comovente da minha vida pessoal e rabínica – conseguir completar o círculo com meu avô.

Meu avô ligou imediatamente para minha mãe em Detroit, e enviou e-mails para meus oito irmãos que moram em todas as partes do mundo. Fui à Rádio Shack e comprei para meu avô uma tela grande para seu computador como presente de bar mitsvá, para que ele pudesse continuar se comunicando com todos os netos e seus mais de vinte bisnetos, durante os muitos e muitos anos felizes que viriam a seguir.
 

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