Torá Oral  
   
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  Os cercos dos Sábios
   
  Se todos os mandamentos Divinos já estão enumerados no Pentateuco (Chumash), qual é a necessidade de introduzirmos a complexidade das interpretações dos Sábios do Talmud, sem falar dos numerosos cercos (seyag) acrescidos pelos mestres e que beiram até o masoquismo? Por que não deixamos as leis do Shulchan Aruch (Código de Leis Judaicas) aos graduados em Torá e seguimos nosso modesto caminho baseado no Pentateuco puro (i.e., sem cercos), cada um segundo sua inclinação?  
     
 

RESPOSTA:

Maimônides no prefácio de sua obra Mishnê Torá escreve: "Todas as mitsvot (mandamentos) que foram dadas a Moshê (Moisés) no Monte Sinai lhe foram entregues juntamente com suas explicações, como consta na Torá: 'Eu dar-te-ei as Luchot (Tábuas), a Torá (Lei) e a mitsvá (mandamento)' - Shemot 24:12. Torá significa a Torá Escrita; mitsvá, sua explicação, chamada Torá Oral.

"A Torá foi escrita por Moshê, ditada a ele por D'us, antes de seu falecimento; mas a mitsvá, i.e., a explicação da Torá, Moshê não deixou por escrito, mas ensinou aos Sábios, a Yehoshua, seu sucessor e ao Povo de Israel; por isto é denominada Torá Oral."

Em seguida, Maimônides enumera as nomes dos Sábios que transmitiram a Torá Oral de geração em geração, até Rabi Yehudá Hanassi que coletou toda a Torá Oral e compilou a Mishná.

Cinco gerações depois, discípulos de seus discípulos escreveram a Guemará, i.e., as explicações da Mishná, criando assim o Talmud. Lá é explicado "o proibido e o permitido, o impuro e o puro, o culpado e o isento, o impróprio e o próprio, exatamente como foi transmitido de boca em boca, desde Moshê no Sinai."

No Talmud também foram explicados os decretos dos Sábios e profetas de todas as gerações, para se fazer um cerco (seyag) ao redor das leis da Torá, conforme ordenou Moshê claramente na própria Torá, (Vayicrá 28:30): "Guardareis meu mandamento (mishmarti, literalmente, 'meu cuidado'), i.e., o cerco do mandamento."

No Talmud encontramos também costumes e estatutos decretados em cada geração, conforme o Tribunal da época achou necessário. Pois somos obrigados a aceitar as leis do Sanhedrin (Tribunal Supremo) e não nos é permitido desviar delas, como consta na Torá: "Não te desviarás do que [os juízes do Sanhedrin] te dirão, nem para a direita nem para a esquerda (Devarim 27:11)."

Deste texto de Maimônides entendemos que o conjunto de leis transmitido por nossos Sábios, com seus decretos e cercos não são "invenções", mas foram entregues por D'us a Moshê no Monte Sinai. Ou seja, de forma alguma podemos dizer que as leis da Torá são somente o que lemos no Chumash, o Pentateuco (popularmente denominado "A Lei de Moisés", mas na verdade, a Lei de D'us). Pois no Chumash encontramos citações claras (acima mencionadas), nas quais D'us ordena que é nossa obrigação ouvir os Sábios de cada geração e não nos desviar de seus ensinamentos. Isto inclui suas explicações, decretos, costumes, etc.

Além disso, sem as explicações da Torá Oral, jamais saberíamos como cumprir a maioria das mitsvot da Torá Escrita. Um exemplo disso são os tefilin. Na Torá Escrita consta apenas: "Ata-los-ás como sinal na tua mão e serão por lembrança (ou filactérios) entre teus olhos" (Shemot 13:9 e 16; Devarim 6:8 e 11:18). Somente a partir da leitura destes versículos, sem as explicações de nossos Sábios, recebidas pela Tradição Oral, de geração em geração, jamais entenderíamos o que é este sinal. Jamais saberíamos que os tefilin devem ser pequenas caixas pretas, perfeitamente quadradas, contendo pergaminhos, nos quais estão inscritos os quatro trechos da Torá acima citados.

O mesmo ocorre com as leis do abate (shechitá). Na Torá consta apenas: "Abaterás (degolarás) teu gado e rebanho... como Eu te ordenei" (Devarim 12:21). Como poderíamos saber sobre as leis do abate que D'us ordenou a Moshê se nossos Sábios não as explicassem na Torá Oral?

O mesmo ocorre com as outras mitsvot. E mesmo aquelas que julgamos entender a partir do texto da Torá, na verdade podemos saber como cumpri-las com exatidão somente por meio das interpretações e explicações dadas por D'us a Moshê no Sinai.

Atualmente, todas estas leis estão compiladas no Shulchan Aruch (escrito há 500 anos pelo eminente Sábio, Rabi Yossef Caro, com adendas do Rama, Rabi Moshê Isserles) e nas explicações e comentários do Shulchan Aruch em livros posteriores até a atualidade.

As leis judaicas envolvem toda a vida do judeu em todas as ocasiões e em todos os tempos. Logicamente que são inúmeras e não é apenas com um pequeno resumo que ficaremos a par de todas elas, sendo por isto sumamente importante estudá-las constantemente, adquirindo cada vez mais conhecimento.

Não são todos que têm o conhecimento abrangente destas leis e é por isto que existem eruditos e mestres que dedicam a vida se aprofundando mais e mais nestes estudos, a fim de poder auxiliar, ensinar, aconselhar, educar e responder às dúvidas que possam surgir. Por esta razão, disseram nossos Sábios em Pirkê Avot (Ética dos Pais): "Faz para ti um mestre."

Cada criança deve aprender, desde tenra idade, os princípios básicos das Leis Judaicas. Porém os detalhes e pormenores devem ser adquiridos durante a vida inteira, através do constante estudo de Torá.

Por este motivo o estudo de Torá é um dos principais preceitos da própria Torá, e assim disseram nossos Sábios: "Grande é o estudo, pois leva à prática!"


Como descrito acima, na linguagem de Maimônides, há uma mitsvá da Torá que ordena aos Sábios fazer um cerco (seyag) em volta das mitsvot para evitar sua transgressão. Portanto, ao fazer os inúmeros decretos, nossos Sábios não os criaram apenas por masoquismo, como está mencionado em sua pergunta, mas para o bem da própria pessoa.

Antes de decretar qualquer cerco, os Sábios do Sanhedrin repensavam e se aprofundavam no assunto até ter certeza absoluta que era necessário. Mais ainda, embora tenham tomado todas estas providências, caso sentissem que o decreto era difícil demais para o público, não sendo possível sua aceitação, os Sábios aboliam-no, como consta no Talmud.

Citarei aqui apenas um exemplo, o qual consta no Tratado Shabat, que mostra a necessidade do cerco. Nossos Sábios proibiram qualquer leitura à luz das velas de Shabat, acesas com pavios no azeite (usado antigamente para iluminação), sob suspeita de que, talvez o fogo começasse a se extinguir e a pessoa chegasse a mexer no pavio para reacendê-lo. Uma vez que é proibido criar ou aumentar um fogo no Shabat, os Sábios acrescentaram o cerco de não ler à esta luz, para a pessoa não transgredir esta lei, mesmo involuntariamente.

O Talmud conta, em seguida, que Rabi Yishmael, renomado Sábio talmúdico, pensava ser este decreto muito exagerado e, certa vez, leu à luz da vela; tão absorto estava que, no correr da leitura, esquecendo que era Shabat, ativou o fogo que enfraquecia. Ao conscientizar-se de sua transgressão, divulgou ao povo como os Sábios enxergaram longe com os cercos, sendo justos todos seus decretos.


Leia mais nas seguintes páginas:

A transmissão da Torá através das gerações

Por que decretos emitidos por mentes humanas tem tanto poder quanto um mandamento Divino?

 
   
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