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  A Filosofia do Sono
  Por Nechoma Greisman
 

Muitos têm o costume de ficar acordado até tarde na noite de Shavuot e ler Tikun, seleções de toda a Torá, incluindo os Cinco Livros de Moshê, os Profetas, Mishná, Talmud, Zohar e assim por diante. Algumas pessoas não recitam Tikun mas simplesmente estudam a noite inteira, até o raiar do dia.

Qual o motivo para esse costume de ficarmos acordados até tarde em Shavuot, ou não dormir de todo?

O Midrash declara que na noite anterior à Outorga da Torá, o povo judeu foi dormir. Por que eles foram dormir na noite antes de receber a Torá? “Porque dormir na noite de Shavuot é doce, e a noite é curta!” O Midrash prossegue dizendo que durante aquela noite um milagre ocorreu e os mosquitos não os picaram. Eu não sei onde você mora, mas onde eu moro, em Kfar Chabad, temos infestação de mosquitos, e muitas vezes acordamos no meio da noite… Você tenta encontrar aquele mosquito que não está o deixando dormir. Isso pode durar horas. Mas naquela noite, os mosquitos não incomodaram ninguém. Foi um sono pacífico e agradável.

Quando D’us veio pela manhã para entregar-lhes a Torá, continua o Midrash, eles ainda estavam dormindo. D’us diz: “Eu vim e não havia ninguém; chamei e não houve resposta.” D’us está pronto a dar-lhes este grande presente e todo mundo está dormindo. D’us tem de acordá-los e Ele diz “Nu?! Está na hora de receberem a Torá.”

Isso é o que o Midrash diz. Porém o que significa? Obviamente deve haver algo mais. O Rebe enfatiza que a Torá é sempre muito, muito cuidadosa sobre não dizer uma palavra negativa. Em outras palavras, a Torá em geral é muito clara em fazer as coisas de maneira positiva. Quando a Torá diz algo negativo, tal como chamar um animal de espiritualmente impuro (tamê), isso é apenas pelo propósito de instrução prática. Onde não há instrução prática, a Torá contorna para usar apenas palavras positivas.

A Torá descreve animais impuros como “que não são puros”, em vez de impuros. Mas quando se trata de questões relativas à Cashrut, quando a pessoa tem de conhecer claramente a lei, a Torá usa expressões negativas.

Normalmente, palavras negativas não devem sair de nossos lábios; use um eufemismo, a menos que tenha um motivo específico para ser incisivo e explícito. Por exemplo, há uma doença muito grave que não se deve chamar pelo nome, pois isso aumenta seu poder. Ou quando você está falando de determinadas partes da vida que são muito íntimas, pode falar sobre elas numa maneira que as pessoas saibam o que você quer dizer, sem ser explícito.

Da mesma forma, por que o Midrash fala dessa maneira dos judeus antes do recebimento da Torá? Digamos que eles não fizeram algo bom – há motivo para publicar isso de maneira a que todas as futuras gerações saibam como eles foram maus, que em vez de esperarem ansiosamente pela Torá eles foram dormir? Afinal, desde então estamos fazendo Ticun por isso, estamos tentando reparar, o que significa que não foi algo positivo. Portanto vamos dizer simplesmente que eles dormiram um pouco a mais, e dizemos Ticun. Porém o Midrash e Nossos Sábios entram em todos os detalhes, pois há diversas lições que podem ser aprendidas.

Simplesmente não faz sentido eles terem dormido demais naquela noite, porque sabemos que desde o dia em que saíram do Egito, eles começaram a contar os dias até o Sinai por causa do entusiasmo de esperar pela Torá. É natural quando alguém deseja algo contar os dias até sua chegada. Nossos Sábios dizem que durante cada dia das sete semanas da contagem, os judeus no deserto se elevaram a um nível espiritual mais alto. Portanto você pode imaginar que quando eles atingiram o 49º dia da contagem e o 49º nível de santidadde, eles estavam num nível muito mais elevado que no dia em que começaram a contar. Na noite anterior ao recebimento da Torá, tendo atingido um nível mais alto de entendimento e sensibilidade – exatamente agora eles foram dormir, e dormiram demais? Não faz sentido.

Os mestres chassídicos explicam que D’us nos deu uma alma e a revestiu num corpo. Estamos plenamente conscientes do fato de que nosso corpo é o que vemos e sentimos. Quando a alma deixa o corpo, o corpo se transforma em cadáver, como uma boneca; não há nada ali. O corpo é essencialmente subserviente à alma. Ora, embora haja um grande propósito em viver neste mundo num corpo, pois se este não existisse, D’us não teria criado o mundo e não teria nos colocado nele, mesmo assim, fica claro que a alma num certo sentido está confinada dentro do corpo. Há uma certa restrição que a alma deve passar por estar dentro de um corpo. Se a alma não estivesse num corpo, não teria de parar de servir a D’us a fim de comer, dormir e lavar os pratos. Há algumas necessidades que o corpo tem de deixar em compasso de espera sobre aquilo que a alma deseja fazer vinte quatro horas por dia. Portanto o corpo, num certo sentido, impede a alma de se expressar plenamente, e de servir a D’us o tempo todo.

Uma pessoa fica cansada. A alma não. Após algum tempo você fica entediado. Perde a linha de raciocínio. Não consegue mais concentrar-se. Precisa dormir, precisa descansar, precisa tomar seu café. Somos apenas seres humanos. Portanto , o corpo faz a alma ir mais devagar. No entanto, quando alguém dorme, algo totalmente diferente acontece. Durante o sono, embora a pessoa esteja obviamente viva, o coração bata e a pessoa respire, um segmento da alma deixa o corpo durante este tempo.

Há uma perda de consciência. A pessoa não ouve totalmente, nem fala, nem vê. Há uma idéia de morte, um sussurro da morte – o Talmud chama o sono de a sexta parte da morte. Muitas pessoas morrem durante o sono. Porque durante o sono tudo diminui. O coração, a respiração, tudo funciona num ritmo muito mais lento que quando a pessoa está acordada. Durante o sono a alma que estava dentro do corpo sobe até sua fonte acima.

Durante o sono, quando a alma está livre do corpo, pode num certo sentido ir mais alto e atingir revelações que não podem acontecer durante o dia, quando está desperta. No Sinai, esta era a intenção dos judeus ao irem dormir. Eles sabiam que tinham trabalhado durante sete semanas para se elevarem e ficarem preparados para receber a Torá. Porém todos os preparativos tinham sido feitos, de certa forma, durante o dia quando estavam despertos e conscientes. E eles sentiram que tinham chegado a um nível tão elevado que pensaram: Talvez agora, se formos dormir, nossas almas atinjam um nível tão alto que poderemos receber a Torá enquanto adormecidos. Pois estaremos num nível mais elevado do que aquele atingido pelos próprios esforços. Esta era a verdadeira intenção. Eles estavam esperando que através do sono conseguiriam atingir um nível de santidade muito mais alto que durante o dia.

É isso que o Midrash explica: O sono deles na noite de Shavuot foi muito suave. O sono somente pode ser notável e sagrado e especial se você está ao nível de Shavuot, se fez todos os preparativos necessários. Então pode ir dormir com a esperança de que coisas gradiosas aconteçam, e que verá grandes revelações durante o seu sono.

“A noite foi curta”. Aqui “noite” alude à ocultação. Sabemos que a escuridão, a noite, esconde coisas. Você já tentou procurar seus óculos no meio da noite e então pela manhã, eles estão bem ali na mesinha de cabeceira, ao alcance da sua mão? À noite você se atrapalha e não consegue encontrar os chinelos nem qualquer outra coisa. Então o que a noite faz? A noite não muda nada. Apenas esconde as coisas. Você não pode ver. Durante o dia você vê tudo, é tão simples.

Os judeus atingiram um nível onde a ocultação foi mínima. Eles tinham quase superado a maior parte da noite. Ainda havia um pouquinho da noite restando, mas era muito menor que quando eles começaram. Então eles sentiram: agora fizemos o possível com a luz do dia, vejamos o que o sono pode fazer por nós.

D’us, reconhecendo suas boas intenções, disse: “Querem saber? Eles são realmente tão sinceros que os ajudarei impedindo os mosquitos de picarem,: Se D’us tivesse Se oposto ao sono deles, não teria feito aquele enorme milagre, que os mosquitos que picaram na noite anterior, de repente não entrassem em ação naquela noite.

Por que, então, recitamos o Ticun ano após ano? Porque D’us disse: “Eu sei qual era a sua intenção, mas vocês cometeram um pequeno engano. Isso é tudo. Foi um erro inocente. Não estou castigando.” Não vemos que ali havia algum castigo. Não vemos no Midrash ou na Torá que houve qualquer reprimenda ou castigo imposto a eles. A única coisa que D’us disse foi: “Quero que vocês façam ticun. Não façam aquilo de novo, e lembrem-se de que não devem fazer isso novamente, todo ano Eu quero que fiquem acordados.”

Qual foi o erro deles? Foi um erro muito inocente que muitas pessoas ainda cometem hoje – que o supremo propósito é seu mundo espiritual, e não o físico. D’us, no entanto, queria uma morada no mundo inferior, como declara o Midrash. Na verdade, fazer uma morada para D’us neste mundo não foi possível até recebermos a Torá, e D’us anulou o decreto separando espiritualidade e fisicalidade, para que agora até o físico possa tornar-se espiritual através do cumprimento das mitsvot,. Assim, seu erro foi perfeitametne compreensível, pois ocorreu antes de a Torá ser outorgada.

 
   
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