Quem precisa da Torá hoje em dia?
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A Festa de Shavuot comemora a outorga da Torá no Sinai no ano de 2448 após a criação do mundo. Passados mais de três milênios, a Torá está obsoleta?

Quem precisa da Torá? Por que devemos apelar para um código de leis e ética tão antigo quando nossos instintos elementares de justiça já são guias adequados?

Muitos judeus sentem-se perturbados com seu compromisso judaico por causa dessas perguntas. Elas constituem um desafio à validade da Torá em nossos dias.

É interessante notar que existe um grande interesse por assuntos judaicos entre jovens que não receberam uma educação judaica formal. Quem são eles?

São pessoas de cultura, altamente letrados, bem sucedidos em suas profissões e ocupações, judeus nominalmente e até um certo ponto, emocionalmente. Mas, ao mesmo tempo seu judaísmo os perturba. Ser judeu significa para eles nada mais que um acidente de nascimento, e não uma questão de convicção.

Eles, frequentemente, são liberais em seus enfoques sobre questões políticas e sociais, têm consciência sociail ativa, e perguntam o que o judaísmo pode acrescentar em suas vidas. Seus ideais sociais e pessoais são basicamente os mesmos que os da Torá. Em que então eles diferem, não em termos étnicos mas de ideais: Existe alguma real diferença entre um "bom judeu" e um "bom homem"? Estará a Torá obsoleta? Quem precisa dela?


Passados mais de três milênios, a Torá está obsoleta?

À procura da definição adequada do que é a Torá, convém analisarmos o que ela não é.

A Torá contém história, poesia, a biografia do homem e da humanidade. Por milênios proveu drama, literatura, um senso de história e continuidade numa época em que estes não eram facilmente encontrados em outra parte. Mas o homem contemporâneo, curioso sobre seus ancestrais e origens, passou a ter acesso a muitas e crescentes fontes. A arqueologia, por exemplo, é uma das novas disciplinas que literal e figurativamente "descobrem" os segredos do passado. Definir a Torá como única fonte histórica é, hoje, um anacronismo.

O ambiente do homem, os processos da natureza, eram misteriosos para o homem pré-científico. Os elementos da natureza eram vistos como sobrenaturais, incompreensíveis e incontroláveis para meros mortais. Fenômenos tais como tempo, doenças e terremotos estavam fora do alcance de sua compreensão. Apenas a religião, o apelo a forças transcendentes às do homem, podia explicar as calamidades ou a boa sorte. A religião provia uma estrutura que trazia um certo sentido a um mundo impenetrável. É óbvio que o homem contemporâneo não irá procurar tais luzes na religião. Pois a ciência, para usar um termo abrangente, assumiu com sucesso a função de explicar os mistérios da natureza.

Inúmeras são as áreas onde somente a religião (ou a Torá) orientava o homem antigo. A legislação civil, por exemplo, e a quarentena das vítimas de moléstia contagiosa, se não orginárias da Torá, através dela se tornaram correntes.


Ser judeu significa para alguns nada mais que um acidente de nascimento, e não uma questão de convicção.

Mas hoje em dia, os recursos do homem são suficientes para todas essas necessidades. Ele não precisa recorrer ao espiritual, de fato ele desdenha esta sugestão, uma vez que sua competência é tão vasta. Ele inventou as ciências e, plausivelmente, pode especular sobre a origem do cosmos. Pode encontrar sozinho a cura de doenças mortais e pode ordenar sua sociedade, com seus sistemas econômicos e legais, sem necessidade de apoiar-se no sobrenatural.

Apresentar a Bíblia como um texto de orientação nestas áreas é torná-la supérflua.

Curiosamente, há uma área de ensinamento da Torá que sempre foi vista como estando ao alcance do homem – a moralidade. Mas se as leis sociais eram verdades morais auto-evidentes (afinal, roubar e matar são indiscutivelmente atos gravíssimos), por que a Torá haveria de se preocupar com assuntos tão óbvios? O bem e o mal, o certo e o errado, esses conceitos são parte de um léxico universal.

Quanto mais nos aprofundamos no assunto, mais e mais válida se torna a questão: quem precisa da Torá?


Ocorre que na medida em que a competência científica do homem se expande, ela também se define. Em sua própria estrutura, ela é potencialmente infinita. A matéria prima do cientista – ou do homem – é o fenômeno observável e a quantidade mensurável. Logo se tornou evidente que algumas coisas não são facilmente observáveis ou sujeitáveis a medições quantitativas. O cientista pode lidar com "o que" acontece e "como". O "por que" está além do seu campo de ação. Certo e errado não podem ser testados, observados ou medidos por nenhum de seus instrumentos, nem mesmo pelo intelecto do filósofo. O cientista alega não ser da sua alçada julgar valores pois, sendo um cientista, o bem e o mal não existem para ele.
Valores persistem, decisões morais continuam a ser feitas (mesmo que negativamente, por omissão), mas o laboratório não nos dá sua orientação.


O cientista pode lidar com "o que" acontece e "como". O "por que" está além do seu campo de ação.

 

O ser humano, em outras palavras, não possui recursos para definir, ou mesmo justificar, moralidade como moralidade. Infelizmente o problema da moralidade permanece, pois o cientista pode também ser um pai além de ser cientista. Dificilmente ele estará preparado para criar seus filhos sem aqueles conceitos de decência e humanidade, mesmo apesar de o mais sofisticado computador não poder lidar com eles. Todos queremos que nossos filhos sejam honestos e íntegros.

Uma vez que costumes e moral são tão comumente imputados à sociedade, é ela quem determina a moral. O que deveremos então fazer quanto a um Eichmann, aquele modelo de perfeição das virtudes de sua sociedade? Deveria o consenso determinar a moralidade? Significaria então que "se todo mundo faz isto", então "isto" é correto?

É aqui que entra a Torá.

Os recursos do homem são insuficientes, mas ele não deve se limitar a eles. Devemos apelar para o fator espiritual, para o sobrenatural, não para competir com a ciência, mas para nos mostrar como viver. O homem, ao se basear apenas em sua lógica, razão e ciência pode produzir uma Alemanha nazista, como realmente o fez.

Qualquer que seja a história ou narrativa, biografia ou poesia da Torá, seu propósito é ensinar seus preceitos. Se, indiretamente, aprendermos sobre alguma dinastia egípcia, ou sobre a pré-história do oriente próximo, tanto melhor. Mas, ensinar como viver, esta é a intenção e a meta da Torá.

A Torá é um trabalho de instrução, ensinamento, orientação. Seu propósito é mostrar ao homem como viver, qual é seu potencial humano, e que elemento "superhumano" existe dentro dele.

 

 
   
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