Meguilat para jovens
   

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Capítulo X Capítulo XII
Capítulo XI Capítulo XIII

 

 

 

Capítulo X

Aquela noite era a primeira noite de Pêssach, uma época de grandes maravilhas e milagres. Os judeus sentavam-se às mesas do sêder, celebrando a festa e louvando a D’us pelo milagre do Êxodo do Egito. Imploraram a D’us que os salvasse do terrível decreto de Haman. Sentiam que havia chegado a hora de D’us intervir a seu favor.

Ao mesmo tempo em que muitos judeus faziam vigília, rezando por uma nova redenção, o malvado Haman contava as horas até o amanhecer, ansioso para falar ao rei sobre Mordechai. Apenas o rei Achashverosh estava calmamente descansando, exausto e embriagado como resultado do festim.

Porém D’us perturbou o sono de Achashverosh. Num sonho que parecia real, viu Haman andando em sua direção, removendo a coroa e vestes reais e empunhando uma espada como se para matá-lo. Acordando, banhado em suor, gritou: "Uma conspiração! Traidor! Assassino!"

Achashverosh esfregou os olhos e olhou ao redor. Tudo estava silente; o palácio calmo e sossegado. "Por todos os deuses! Que susto. Foi um sonho e tanto!" Mudando de lado, o rei se aninhou sob as colchas de cetim e voltou a dormir.

Porém, tão logo fechou os olhos, achou-se bem acordado, como se alguém o estivesse sacudindo para a frente e para trás, suspendendo-o e deixando-o cair novamente. Ouviu uma voz que lhe dizia: "Ingrato! Ingrato! Vá e pague suas dívidas!" O rei ficou muito confuso.

A princípio, achou que houvesse sido drogado. Levantou-se e chamou os cozinheiros, padeiros e garçons de vinhos para interrogá-los. Tivera alguém a chance de drogá-lo ou envenenar a comida?

"Majestade" – replicaram – "Haman comeu a mesma comida que Sua Realeza" O rei estremeceu à mera menção do nome Haman, lembrando-se de seu primeiro sonho. "Confira tudo" – trovejou. Uma rápida investigação mostrou que ele não tivera nenhum desconforto.

"Ahá!" – pensou o rei. "Haman não foi afetado pela comida. Espere um pouco. E Ester? Também faz parte da conspiração? Parece tão perfeito. De repente, Ester planeja uma festa à qual nada come. Haman é o único convidado. Isso tudo parece tão suspeito."
Para dizer o mínimo, o rei estava muito perturbado.

Subitamente, teve outro pensamento preocupante. "Ester arriscou a vida a fim de convidar-me para a festa, e então adiou a revelação de seu verdadeiro pedido até o próximo dia. O que está tramando? O que está por trás disso tudo?

"Minha cabeça está rodando. Voltarei a dormir e amanhã providenciarei uma investigação completa. Quero ir ao fundo disso tudo. Preciso apenas de algumas poucas horas de descanso; assim poderei pensar com clareza pela manhã."

Cansado e aborrecido, o rei cambaleou até a cama. Entretanto, não conseguia adormecer. Finalmente decidiu usar um plano simples, praticado em muitas noites insones nos palácios reais. Quando um rei não conseguia dormir, fazia com que os escribas lessem os registros do palácio para ele. Estas anotações são bastante entediantes e, geralmente, o rei pegava no sono sem demora.

Efetivamente a voz relaxante do escriba logo o pôs num estado de sonolência. Estava quase adormecendo quando o escriba chegou ao registro de Bigtan e Têresh. Subitamente, o rei despertou totalmente. Lembrava-se bem do episódio. A Rainha Ester o havia informado do complô e, literalmente, salvara-lhe a vida. Sim, havia mencionado o nome de Mordechai, mas a parte que ele tomara no evento não estava clara. Quando o registro foi feito, Ester especificamente ordenara ao escriba para inserir o nome de Mordechai e para dar-lhe crédito por ter salvado o rei.

Tanto o rei como Mordechai nada sabiam sobre isso. O rei ficou surpreso ao ouvir o nome de Mordechai tão diretamente ligado ao caso. Achashverosh sentiu-se alivia-do! "Pelo menos agora sei que Ester é leal" – pensou. "Do contrário, jamais teria se incomodado de informar-me sobre a conspiração."

Dirigindo-se aos criados, o rei perguntou: "Como homenageamos Mordechai por ter salvado minha vida? Não consigo lembrar de tê-lo recompensado."

"Bem" – sugeriu um dos criados. "Ele foi nomeado juiz no Portão do Rei."

"Sim" – replicou o rei – "mas isso não foi recompensa. Foi feito simplesmente por recomendação de Ester. E não me arrependo nem um pouco. Seus bons conselhos têm se provado muito úteis. Além disso, isso não aconteceu antes que descobrisse o complô?"

Os criados viram uma oportunidade para se manifestarem, não porque gostassem de Mordechai, mas porque detestavam Haman por este dar-lhes ordens.

"Muito justo, Majestade!" – disseram entusiasticamente. "Na verdade, nada foi feito por Mordechai. Que ironia! Mordechai salvou a vida do rei e nada recebeu. Haman, que causou a morte de Vashti, foi promovido à posição mais alta da corte, e exige honra e reconhecimento por parte de todos."

De repente, o rei lembrou-se do estranho sonho no qual era sacudido e chamado de "ingrato!" Contou-o para os criados.

"Isso faz sentido, Majestade" – disseram judiciosamente. "Sua Realeza não recompensou Mordechai, e é bem possível que Haman esteja tramando assassinar o rei. Lembra-se do quanto tentou conseguir um perdão para Bigtan e Têresh? É óbvio que não lhe tem amizade. Mordechai, por outro lado, nem queria que Sua Majestade soubesse que foi ele quem lhe salvou a vida. É claro que não o fez para receber recompensa, mas tão somente por lealdade ao rei."

Achashverosh ficou pensativo. Sua mente estava clareando e, finalmente, conseguia tomar decisões acertadas. "Assim que o dia amanheça, recompensarei Mordechai."

Sentindo-se mais calmo, o rei despediu os criados e finalmente caiu no sono. Ao adormecer, o sonho se repetiu. Nele estava Haman, uma espada desembainhada, pronto a matar o rei e a rainha.

Naquele exato momento, Haman bateu à porta do pátio externo. Era antes da alvorada. Não podia esperar mais. Desprezando com impaciência os conselhos da esposa para que fosse pela manhã, chegou ao raiar do dia.
O rei acordou com um susto. "Quem está no meu pátio? Quem bateu tão ousadamente no portão, acordando-me assim que caí no sono?" – trovejou ele.

Os criados responderam prontamente: "É Haman, Majestade. Bateu à porta e está de pé ali fora. Não sabemos porque está aqui!"

"Vejamos" – pensou – "se Haman se considera merecedor de tais honrarias e até onde vão suas exigências."

Haman foi apanhado de surpresa. Seus pensamentos voaram. "Quem será a pessoa que o rei deseja homenagear?" – pensou. "Claro, sou eu! Não pode estar falando de qualquer outra pessoa. Senão, por que está falando sobre homenagem e não recompensa? Se o rei quisesse recompensar outro cortesão no reino, simplesmente daria uma boa soma de dinheiro ou uma posição de prestígio. Obviamente, o rei quer recompensar alguém que é extremamente rico, e não precisa de mais dinheiro ou poder. Quem mais seria, senão eu?"

Mesmo assim, Haman ainda estava preocupado de que o rei na verdade tivesse outra pessoa em mente. Foi, portanto, muito cauteloso com a resposta. A homenagem envolveria realeza, algo que Haman certamente apreciaria, se fosse ele o homenageado. Mas se acaso o rei estivesse falando de outra pessoa, a recompensa seria apenas temporária, sem nada de permanente.

Haman respondeu: "Que os criados e oficiais peguem os reais mantos púrpura, envergados pelo rei no primeiro dia de reinado. A pessoa a quem deseja prestar honras deve receber as magníficas vestes de estado. Deve aparatar-se como o rei, quando senta-se em seu trono. "

Com essas palavras, Haman dardejou um olhar faminto à coroa do rei. Era o que realmente desejava, o próprio símbolo da realeza. Mas ousaria mencioná-la? Talvez, o rei perceberia a insinuação?

"Que os criados tragam também o cavalo no qual o rei montou quando a coroa foi colocada em sua cabeça, e que o cavalo seja ajaezado da mesma forma que no dia da coroação."

A palavra "coroa" imediatamente desencadeou uma reação no rei. "Agora percebo o que Haman deseja. Acho que meu sonho foi verdadeiro" – resmungou para si mesmo, a face púrpura de ódio.

Haman foi rápido em perceber a raiva exibida no rosto do rei, e logo recuou. "Que dêem o cavalo e as vestes a um dos oficiais da mais alta posição." Não houve mais menção da coroa.


"Que os oficiais vistam o homenageado" – continuou Haman. "Que cada um o adorne com uma peça diferente, e que esta pessoa monte o cavalo real ao longo da principal avenida da cidade. Os altos oficiais deveriam juntar-se ao desfile como uma guarda de honra: um segurando a cauda do manto, outro guiando o cavalo, e um terceiro liderando o séquito."

Haman fez uma pausa para recobrar a respiração. Na sua fantasia, estava em cima do cavalo, acenando para o povo que o inundava de honrarias. Porém, refreou-se: "Cuidado, tenha cuidado agora! É necessário evitar as suspeitas do rei. Não pode desconfiar de minhas intenções de agarrar o trono" – pensou.

Rapidamente, disse: "Ponha batedores abrindo caminho para a pessoa a ser homenageada, proclamando: ‘Assim deve ser feito para o homem a quem o rei deseja honrar.’ É verdade, Majestade, que Sua Realeza estará dando grande honra a esta pessoa, mas a honra do rei será ainda maior. Se tamanha pompa pode ser concedida pela mera vontade do rei, imagine quanta glória o monarca atrairá sobre si!"

O rei Achashverosh observou cuidadosamente o primeiro ministro. Podia ler nas entrelinhas e estava um tanto divertido pelo que Haman revelava sobre si mesmo em resposta à sua pergunta.


"Oh, claro, Haman" – sorriu o rei. "Esta certamente é uma maneira soberba de honrar um leal cidadão de Shushan. Agora, vá em frente, requisite as vestes e o cavalo. Corra e providencie a homenagem que descreveu a Mordechai."

Os olhos de Haman esbugalharam-se de horror. Ouvira corretamente? Mas o rei estava assentindo, despedindo-o com um aceno de mão.


"Isso mesmo. Mordechai, o homem que desvelou a conspiração de Bigtan e Têresh, salvando minha vida. Vá! Faça o que sugeriu."

A cabeça de Haman girava. Não podia acreditar no que ouvia. Não podia pensar. Qualquer coisa, qualquer coisa, para ganhar tempo."

"Majestade, não tenho a menor idéia de quem seja este Mordechai" – gaguejou.
"Estou falando de Mordechai, o Judeu."

"Mas há muitos judeus chamados Mordechai.’

"Sabe muito bem a que Mordechai me refiro. É um de meus oficiais que trabalham no Portão do Rei."
"Mas certamente Sua Majestade não se refere àquele Mordechai."

"É precisamente aquele Mordechai. Merece ser homenageado. Vá em frente. Busque você mesmo as vestes, pois são muito valiosas. Você mesmo deve fazer a proclamação que sugeriu." O rei estava finalmente apreciando esta conversa.

Haman estava fora de si, de ódio. Porém, recobrou-se e tentou cavar uma saída para a situação humilhante. "Majestade" – disse – "se deseja honrar uma pessoa, pode conceder-lhe tudo isso e ainda mais. Mas jamais pensei que desejasse fazer uma homenagem ao judeu Mordechai. Pensei que nos entendêssemos a respeito desses judeus. Não me dando conta de que Sua Realeza queria pagar uma dívida de honra, simplesmente assumi que queria homenagear especialmente um de seus súditos.

Honra e dívida são muito diferentes. Não há limite para as honrarias que Sua Majestade pode conceder. Mas se trata-se apenas do pagamento de uma dívida, não deveria dar mais que a quantia devida. Caso contrário, pode abrir um perigoso precedente.

"Como pode deixar que um plebeu como Mordechai monte o cavalo que Sua Majestade cavalgou na coroação, e use suas vestes de estado? Envergonharia sua posição. Se deseja recompensar Mordechai, dê-lhe uma cidade ou um negócio rentável. Ele é pobre, e algo dessa monta o fará mais feliz que qualquer outra coisa!"

Havia impaciência na voz do rei. "A idéia veio de seus próprios lábios, Haman. Quero que faça exatamente o que sugeriu. Ficou desapontado? Tanto pior! É uma vergonha para você? Talvez, mas não razão para delongas. Apresse-se. E não leve Mordechai apenas por ruas secundárias e vielas. Faça como falou: leve-o ao longo da avenida principal."

"Majestade, por favor!" – implorou Haman. "Não me humilhe dessa forma diante de todo o povo. O homem que o rei deseja homenagear é meu arquiinimigo Como posso honrá-lo? Construí um cadafalso especialmente para ele no meu terreno, e vim aqui esta manhã pedir permissão para enforcá-lo. Veja, estou admitindo. Agora está me pedindo para glorificá-lo."

"Chega de conversa" – disse o rei. "Sem mais demora, vá até o almoxarifado real e apanhe um dos valiosos mantos púrpuras que tenho, bordado a ouro e cravejado de jóias. Pegue aquela linda espada que veio da Etiópia. Providencie a capa que me foi presenteada por meus súditos coloniais na África. Traga o cavalo que montei no dia de minha coroação, chamado Shifragaz. Junte tudo e faça a Mordechai do modo que descreveu."

Um enorme desespero tomou conta de Haman, que começou a tremer.

"Mas, Majestade, não sei em qual portão ele está. Sua Realeza disse o Portão do Rei, mas o rei tem muitos portões."

"Vamos, vamos, Haman, não seja tolo" – disse o rei, zombeteiro.

"Eu suplico, Majestade. Este homem é meu inimigo figadal. Se fizesse isso, estaria indo contra todos os ensinamentos de minha família" – implorou Haman. "Farei qualquer coisa" – disse, desesperadamente. "Até darei a Mordechai dez mil lingotes de prata. Apenas poupe-me esta vergonha. Por ter salvado a vida do rei, não o matarei quando os outros judeus forem mortos. Pagarei a ele os dez mil lingotes de prata que planejava dar para ter os judeus exterminados."

"Tudo bem, Haman" – disse o rei. "Dê a ele o dinheiro. Afinal, ele merece. Mas não ficará isento de preparar para ele toda a honra que descreveu. Você agora está recebendo ordens de providenciar até o último detalhe."

"Por favor, Majestade, mate-me!" – gritou ele. "Qualquer coisa! Mas não me obrigue a fazer isso. Seria melhor morrer que passar por tal vergonha."

"Não seja dramático. Faça o que estou mandando. Se quiser, posso mandar matá-lo também. Mas por enquanto, não perca tempo. Veja, Haman, como você me é importante. Tudo que me diz, eu faço" – disse o rei, sarcástico.

Vendo que não tinha escolha, Haman arrastou-se até os depósitos reais, vencido e desesperado. Estava em estado de choque e mal podia andar. Apanhando as roupas da coroação e colocando-as sobre os ombros, foi até os estábulos reais e arreou o cavalo especial que pertencia ao rei. De má vontade, dirigiu-se ao Portão do Rei.

Era de manhã cedo e Mordechai, adornado com seu talit (xale de orações), estava recitando as preces matinais. Estava cercado pelos alunos fiéis que não deixavam sua presença e ficaram com ele, jejuando, rezando, e estudando Torá. No momento em que terminava suas preces, avistou Haman aproximando-se. Imaginando que vinha para matá-lo, Mordechai voltou-se aos discípulos e implorou a eles: "Corram para salvar a vida."

"Não, querido Rabi" – gritaram – "não fugiremos. Ficaremos consigo na vida e na morte."

Mordechai e os alunos continuaram a estudar e rezar mesmo à aproximação do perverso Haman. Estavam revisando as leis do ômer, o sacrifício trazido ao Templo no primeiro dia de Pêssach.

Haman abordou um dos alunos mais distantes do mestre. "O que Mordechai está discutindo?" – perguntou.
Abalado pela pergunta inesperada, o aluno trêmulo respondeu: "As leis do ômer, uma oferenda que D’us nos mandou trazer a nosso Templo em Jerusalém."

"O que era essa oferta? Ouro? Prata?"

"Não, era uma oferenda de cevada."

"Cevada? E por isso D’us os protege? Um punhado de sua cevada suplantou as dez mil barras de prata que ofereci ao rei."

Mordechai entreouviu as palavras de Haman. "O que Haman quer dizer com isso, que a cevada suplantou a prata?" – pensou. Obviamente, veio aqui para zombar de nós. Todos sabemos que assinou nossa sentença de morte."

Haman mal podia abrir a boca. "Santo Mordechai, aproxime-se. Seu D’us sempre faz milagres para você. Planejei o mal, mas a sorte virou-se contra mim. Levante-se e deixe-me vesti-lo com estas roupas reais. Suba no cavalo que pertence ao rei. O rei me ordenou fazê-lo, e não ouso desobedecer."

Mordechai não podia acreditar em seus ouvidos. Seria verdade? A salvação estava chegando e D’us não abandonara seu povo? Mordechai não prezava honrarias, mas se essa fosse uma maneira de agradar ao rei e salvar os judeus, concordaria.

"Haman, não percebe que estou vestido de aniagem e cinzas? Antes de envergar as túnicas reais, preciso de um banho e um corte de cabelo. Necessito de ajuda, porém, pois estou muito fraco por ter jejuado durante três dias."

A notícia se espalhou como fogo. A rainha Ester ouvira que Mordechai ia desfilar pela cidade e que seria homenageado por salvar a vida do rei. Expediu ordens de que todo o comércio fosse fechado; assim, todos poderiam testemunhar o evento, na esperança que isso a ajudasse no momento de persuadir o rei a cancelar o decreto.

Quando Haman tentou achar uma casa de banhos, nenhuma estava aberta. Temeroso de que o rei o acusasse de perder tempo, correu para aquecer água e preparou um banho para Mordechai com suas próprias mãos. Tentou então achar um barbeiro para cortar os cabelos de Mordechai, mas todos haviam fechado os negócios, esperando pelo grande desfile.

Haman quis chamar um de seus escravos para cortar o cabelo de Mordechai, mas este não o permitiu. Um dos escravos poderia feri-lo e dizer que fora por acidente. Haman não ousaria machucar Mordechai porque sabia que o rei estava de olho em tudo que fazia.

Não tendo outra escolha, Haman foi para casa e pegou sua tesoura de barbeiro e outros instrumentos. Ao cortar o cabelo de Mordechai, suspirava profundamente. "Por que está resmungando?" – perguntou Mordechai.

"Imagine só" – grunhiu Haman – "um homem importante como eu, elevado pelo rei acima de todos os governadores; logo eu, que mando no reino todo, estou agora reduzido a barbeiro."

"Fala como se nunca tivesse feito isso antes" – replicou Mordechai. "Todos sabem que você e seu pai eram barbeiros e atendentes na casa de banho na cidade de Circésio antes de vir para Shushan. É por isso que tem todo o equipamento do ofício."

Haman mordeu os lábios. O corte de cabelo estava terminado. Haman vestiu Mordechai com as túnicas reais. "Venha, monte o cavalo" – disse.

"Não posso" – disse Mordechai. "Estou muito fraco pelo longo jejum."

Haman estava desesperado. Mas tinha que seguir as ordens do rei. "Está bem" – suspirou. "Vou curvar-me e você pode subir às minhas costas."

Mordechai montou o cavalo, os lábios nunca deixando de recitar louvores a D’us pela inesperada mudança nos acontecimentos. Tanto judeus como não-judeus seguiram o cavalo, juntando-se a Haman que entoava: "Assim deve ser feito para o homem a quem o rei deseja honrar."

O cortejo logo passou em frente à casa de Haman. No andar superior, a filha de Haman estava olhando pela janela. Viu um homem totalmente alquebrado, conduzindo um cavalo. Um segundo homem, montado, tinha a face radiante. "Claro" – pensou ela. "Papai foi ao palácio esta manhã para conseguir o enforcamento de Mordechai. O cavaleiro deve ser meu pai e Mordechai deve estar guiando o cavalo."

"Que oportunidade perfeita para envergonhar Mordechai" – disse ela. Cuidadosamente, esperou até que o homem que levava o cavalo pelas rédeas estivesse bem embaixo da janela. Com uma maldição, verteu seu vaso de noite bem em cima de sua cabeça.

O imundo conteúdo da vasilha caiu na cabeça de Haman. Este olhou para ver quem fizera algo tão terrível contra ele. Neste instante, a filha reconheceu o pai. Em choque, se jogou da janela alta, mergulhando para a morte.


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Capítulo XI

Quando terminou o desfile, Mordechai voltou ao San’hedrin, que estava reunido no Portão do Rei, e removeu os trajes reais. Vestindo aniagem e cinzas, continuou com o jejum e as preces. Também pediu a todos os outros judeus que fossem às sinago-gas para rezar.

Na verdade, Mordechai estava um tanto temeroso sobre a honra que havia recebido. Disse ao povo agrupado: "Tinha esperança de conseguir uma audiência com o rei para suplicar-lhe que revogasse o decreto. Mas não fui levado ao palácio, e o rei já me pagou por salvar-lhe a vida. Nossa única salvação agora é rezar a D’us."

Enquanto isso, Haman, deprimido pela perda da filha favorita e profundamente envergonhado pelo vexame público, tentava ir para casa o mais rápido possível. Ninguém parecia reconhecê-lo, e a multidão que assistira ao desfile colidia com ele por onde quer que tentasse passar.

Haman tinha vergonha de contar seus problemas aos amigos. Trocou confidências com a mulher, mas as péssimas notícias haviam se espalhado rapidamente. A família e os amigos tentaram confortá-los, mas estavam tão abalados que não conseguiam pensar direito. Além disso, seu conselho original não havia produzido frutos, e estavam assustados.

Finalmente, alguns poucos homens mais sábios reuniram coragem para falar; porém, antes que pudessem revelar seu plano, os guardas do rei chegaram para apressar Haman para a segunda festa. Vendo a confusão estampada nas faces da mulher e dos amigos, o próprio Haman tentou confortá-los. Disse: "Não se preocupem pelo que aconteceu hoje. Ainda pretendo enforcar Mordechai. Escapou de mim por esta vez, mas não o fará novamente. O que houve foi apenas questão de azar, e minha sorte não pode ser ruim para sempre. As estrelas agora estão sorrindo para os judeus, mas da próxima vez sorrirão para mim." Levantou a cabeça arrogantemente.

Sua mulher e amigos, entretanto, não se convenceram. Com pesar nas vozes, replicaram: "O que diz pode ser verdadeiro sobre todas as outras nações, mas não dos judeus. Seu destino não é determinado pelas estrelas. Em sua Torá, são comparados tanto ao pó como às estrelas. Algumas vezes, são baixos como o pó; subitamente, podem ser elevados tão alto como as estrelas. Se Mordechai é um verdadeiro descendente desses judeus da Torá, uma vez que você começou a sua queda diante dele, com certeza morrerá."

Empurrado pelos guardas do rei, Haman não teve chance de responder. "Corra! Corra!" – diziam os guardas. Obviamente, os dias de respeito a Haman eram parte do passado. Agora, todos no palácio sentiam que ele era um homem marcado. Os soldados empurravam-no para a frente, dizendo com rudeza: "Que falta de educação deixar o rei e a rainha esperando. Tudo está pronto, e você fica sentado em casa batendo papo com os amigos!"

Apesar desses comentários, Haman continuava pensando. Tinha muitos planos. Talvez pudesse fugir. Afinal, tinha filhos que eram governadores em províncias distantes. Podia juntar-se a eles e começar uma rebelião.

Sem que Haman soubesse, Ester previra seus planos. Percebendo que lidava com uma pessoa escorregadia, ordenou aos oficiais que trouxessem Haman sem demora. Não lhe daria chance de tramar com seus conselheiros, nem de escapar da capital e juntar-se aos filhos. Ordenou também que os filhos de Haman fossem imediatamente convocados à capital, antes que pudessem descobrir o que acontecera com o pai, e que não tivessem tempo para começar uma rebelião contra o rei.

O rei e Haman juntaram-se a Ester no segundo banquete preparado por ela. Tendo completado o jejum, agora podia jantar com eles. Mesmo assim, não bebeu vinho, pois queria as idéias claras quando fosse implorar por seu povo.

Haman estava deprimido, e o rei ainda descontente pela noite insone, e ambos beberam para afogar as mágoas. Ester fingiu juntar-se a eles. Achou a leve embriaguez do rei encorajadora, esperando que sua mente ficasse ainda mais anuviada quando se tratasse de Haman.

Certamente, o vinho melhorara o espírito do rei, que repetiu a pergunta feita quando da festa ante-rior. "O que deseja, rainha Ester? Seja o que for, será concedido. Qual é sua vontade? Até o valor de metade do reino será feito."

Vendo Achashverosh num humor receptivo, Ester decidiu que era chegada a hora de agir. Com uma prece ardente no coração, respirou fundo. Os olhos inundados de lágrimas, disse numa voz trêmula: "Se tenho agradado a Sua Majestade e se deseja conceder-me um pedido, imploro que poupe minha vida e a de meu povo!" Tomado de surpresa, o rei Achashverosh olhou-a, estupefato.
"Sou de sangue real" – continuou Ester – "descendente do famoso rei Shaul da tribo de Binyamin. Os judeus são meu povo. Nosso arquiinimigo negociou-nos como objetos de sua posse para exterminar, matar e destruir!

"O inimigo deseja matar-me junto com todo meu povo. Secretamente, trama também destronar o próprio rei. Enquanto eu estiver aqui, está temeroso de agir porque cuido do bem-estar do rei.

"Se meu povo e eu tivéssemos sido vendidos como escravos, teria me calado. Jamais teria invadido seus aposentos íntimos sem ser chamada. No fim, Sua Majestade teria percebido a perda que uma ação tão cruel traria a seu reino e teria libertado os judeus por si mesmo.
"Mas o decreto é para que sejamos todos exterminados" – gritou Ester, a voz trêmula. "Imploro em nome do meu povo. Poupe-nos, e eu também serei salva."

Aparvalhado, o rei tentou ordenar os pensamentos, enquanto seu desconforto e sua ira cres-ciam. Embora Achashverosh odiasse os judeus, na verdade não dissera a Haman que os exterminasse. Temia a D’us e Seu castigo. O rei sabia que Haman expedira um decreto, mas Haman disfarçara tão bem o assunto que o rei não estava bem certo do conteúdo. Embora Haman tivesse sugerido o extermínio, o esboço final tinha a aparência de ameaça apenas, sem planos concretos para a execução.

O rei estava confuso. Havia mesmo assinado um decreto para aniquilar os judeus? Instruíra seus oficiais a fazê-lo? Quem ousaria matar um povo inteiro sem informar claramente ao rei sobre os planos? Seria possível que tivesse se esquecido? Estaria Ester acusando-o de ser o inimigo, ou referia-se a Haman?

"Quem é esse inimigo?" – gritou. "Quem ousaria fazer tal coisa?"

Era agora ou nunca! Ester declarou com destemor: "Um homem odioso. Um inimigo. O malvado Haman! Ele é inimigo do rei tanto quanto meu!

"Acalentou pensamentos de livrar-se de Sua Majestade, rei Achashverosh, enquanto estivesse dormindo. Quando o plano foi frustrado, tentou persuadi-lo a consentir que vestisse seus trajes reais e montasse o cavalo que pertence ao rei, ousando mesmo sugerir que lhe desse a coroa. Vestido dessa maneira, poderia facilmente atrair as massas e começar uma rebelião.

"No desenrolar dos fatos, meu justo primo Mordechai recebeu a honra oferecida por Sua Majestade. O rei deve saber que ele lhe é leal. Pois veja, até mesmo salvou sua vida uma vez. Haman o odeia porque sabe que Mordechai está sempre vigilante para descobrir conspirações contra o rei.

"Todas suas acusações contra os judeus são falsas! Quer exterminar um povo inteiro por causa de seu ódio a mim e a Mordechai. Haman sempre foi odioso e homicida. Não tramou a execução de Vashti, e até mesmo conspirou contra sua vida com Bigtan e Têresh? Lembre-se,Haman tentou salvá-los quando o conluio foi descoberto. Quando fui à Sala do Trono sem convite, ele mal podia esperar para matar-me. Estou surpresa de que Sua Majestade não tenha percebido que pessoa desprezível ele é."

Haman esquivou-se do rei e da rainha. Todas suas mentiras haviam sido reveladas, e o casal real estava unido contra ele. Aterrorizado, percebeu que ninguém o defenderia.

O rei Achashverosh estava fora de si de raiva. Haman o havia tomado por tolo. "Eu o elevei à mais alta posição do império, e ousa tramar contra mim bem debaixo de meu nariz!" – pensou o rei raivosamente.

O fato de que Achashverosh estivesse ligeiramente bêbado aumentava sua fúria. Lembrava-se do sonho no qual Haman o havia atacado e tirado sua coroa. Claramente, via que Haman era seu inimigo! Apesar disso, teve controle suficiente para agir com calma. Foi até o terraço no jardim contíguo ao palácio. Talvez o ar fresco lhe desanuviasse a cabeça e lhe permitisse pensar mais claramente.

Nesse ínterim, Haman, muito abalado, sabia que não poderia justificar-se para o rei a quem enganara. Achashverosh jamais daria ouvidos a suas desculpas. Entretanto, com Ester poderia, ao menos, ter a esperança de pleitear ignorância. "Não havia ela escondido a própria origem?" – pensou Haman freneticamente. "Como poderia eu ter sabido que os judeus eram seu povo? Se eu tivesse essa informação, jamais teria pensado em prejudicá-los."

Com Achashverosh fora no jardim, Haman voltou-se para Ester e implorou por sua vida. O ar do jardim não havia aquietado a fúria do rei, e este voltou para beber novamente e acalmar os nervos.
Naqueles tempos antigos, as pessoas costumavam reclinar-se em divãs à hora das refeições. Quando o rei entrou na sala de jantar, foi tomado de surpresa pela cena diante de seus olhos. Lá, esparramado sobre o divã da rainha, estava Haman. Havia se jogado aos pés de Ester, suplicando-lhe perdão. Ao ouvir o rei entrar, Haman assustou-se e tentou ficar de pé rapidamente. Ao fazê-lo, tropeçou e caiu ao comprido sobre o divã, bem na hora em que o rei abria a porta.
"Que é isso?" – trovejou o rei. "Ousa atacar a rainha na minha própria presença, no meu próprio palácio?"

O rei não podia crer no que via. A memória de sua primeira mulher, Vashti, despertou suas emoções. "Haman estava invejoso de sua posição e a fez ser morta. Agora está atacando Ester para matá-la" – pensou.

Haman foi apanhado de surpresa. Sua vergonha foi tão grande que não conseguia encarar o rei. Tomado de pavor, emudeceu. Ninguém se movia no salão de jantar. Ester prendia a respiração, esperando que o rei decidisse o destino de Haman. Este estava imóvel no lugar, como um criminoso condenado.

Exatamente neste instante, Charvoná agiu. Era um dos sete ministros do rei. Cada um trabalhava num dia diferente, e hoje era o turno de Charvoná. Este havia seguido os eventos deste drama na corte desde o início. Era um dos que tinham sugerido a busca por uma nova rainha. Havia também liderado as tropas enviadas para trazerem Haman a esse segundo banquete. Após ouvir os próprios conselheiros de Haman dizendo-lhe que certamente seria vencido por Mordechai, Charvoná sentiu que era chegada a hora da queda de Haman.

Falou claramente: "Majestade, tudo que a rainha lhe contou é verdade; mas se isso não for suficiente, olhe para o cadafalso que Haman preparou para Mordechai. Mesmo que odeie Mordechai, por que não pode esperar? Deu ordens de que todos os judeus sejam mortos em breve. O patíbulo tem cinqüenta cúbitos de altura. Pode-se enforcar dez homens ali! Obviamente, não foi projetado apenas para Mordechai, mas para o rei e todos seus aliados.

"Majestade, Mordechai é seu súdito mais leal. Haman fez um cadafalso tão alto que todos na cidade poderiam ver Mordechai pendendo da forca. E veja onde o erigiu. Não na prisão, onde a maioria das execuções acontece, mas em seu próprio terreno. Quer mostrar ao mundo que sua palavra é lei, que não precisa da permissão de ninguém. Pretendia observar o corpo de Mordechai pendendo da forca bem daqui, da festa" – concluiu Charvoná.

O rei já ouvira o suficiente. "Que o cadafalso de Haman seja usado. Pendure-o lá!" – trovejou ele.
Enquanto o rei chamava os guardas, Charvoná completou baixinho: "Majestade, sugiro anunciar que está enforcando Haman por tramar a morte de Mordechai. Não torne público o fato de que seu conselheiro mais chegado queria assassinar o rei. Isso poderia causar um escândalo por todo o império."

Os guardas agarraram Haman, colocando-lhe um capuz sobre a cabeça, enquanto o arrastavam para fora. Esta foi sua última audiência com o rei.

Quando Haman foi levado da sala, o rei chamou Mordechai e disse: "Pegue seu inimigo Haman e enforque-o no patíbulo que preparou para você. Faça com ele o que lhe aprouver!"

Sob guarda cerrada, Haman foi conduzido dos terrenos do palácio, o tempo todo implorando a Mordechai: "Por favor, não me enforque como um animal abatido! Fui o homem mais poderoso do reino. Todos estremeciam às minhas palavras. Agora sou eu que tremo perante você. Permita-me conservar minha dignidade. Se deve me matar, faça-o pela espada. Deixe-me morrer como nobre. Não me enforque como um criminoso comum."

Haman tinha um motivo inconfesso para implorar pela espada. Em seu ódio aos judeus, pensou: "Se eu puder realizar o extermínio dos judeus, minha morte não terá sido em vão. Se for enforcado como um malfeitor qualquer, o povo poderá presumir que meu decreto foi cancelado. Se morrer como um nobre, as pessoas pensarão que o decreto ainda tem validade. Posso mesmo ser considerado um mártir sagrado."

Mordechai, entretanto, entendeu o perverso plano de Haman. Ignorando suas súplicas, ordenou que fosse enforcado. Não agia por ódio pessoal, mas o fazia apenas para proteger os judeus do cruel decreto de Haman.

O enforcamento de Haman foi proclamado como uma punição por conspirar para a morte de Mordechai. Haman foi enforcado vestindo os trajes de estado, para que todos pudessem reconhecê-lo.

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Capítulo XII

Quando a execução foi reportada ao rei, sua ira finalmente arrefeceu. A calma desceu
sobre o palácio em Shushan.

Achashverosh voltou-se para a Rainha Ester e disse: "Fiquei furioso hoje, mas minha fúria não se dirigia a você. Como prova do respeito que lhe tenho, ofereço-lhe o controle das propriedades de Haman, bem como poder total sobre sua esposa e filhos."

Ester sentiu-se aliviada pela oferta do rei. Não tinha interesse nas riquezas que recebera. Tinha em mente algo muito mais importante. Embora Haman estivesse morto, o decreto havia sido divulgado. Ali mesmo em Shushan, muitos não-judeus já estavam afiando as espadas.

"Certamente, todos serão informados do gesto do rei" – pensou Ester, esperançosamente. "Concedendo-me o controle de sua família e de seus bens, o rei indica que todas as propriedades e poderes de Haman estão em minhas mãos. Agora que o povo sabe que sou judia, certamente ninguém ousará fazer mal a nenhum judeu."

Ester contou ao rei que Mordechai, seu primo, a tinha criado e cuidado desde a mais tenra infância. O rei ficou impressionado e convocou Mordechai para uma audiência especial.

Ester foi cuidadosa em não pedir qualquer privilégio especial para Mordechai. Se o fizesse, o rei poderia suspeitar que havia forjado tudo para este fim.

Ester percebeu que ainda jogava uma partida perigosa, e que teria que ser muito cuidadosa ao lidar com o rei. O decreto ainda não fora cancelado e sua missão ainda não terminara.

O rei Achashverosh havia chamado Mordechai ao palácio para algo mais que uma conversa amena. Estava preocupado que Mordechai pudesse ser assassinado como vingança pela execução de Haman.

"Sugiro que permaneça no palácio até que as forças de Haman sejam derrotadas" – instou o rei.
Mordechai agora tinha livre acesso ao rei, pela própria vontade do monarca. A lei, ordenando que ninguém poderia ir até o rei sem convite, foi revogada. Haman sugerira a lei originalmente para impedir que Vashti implorasse por sua vida. Continuou a insistir em sua validade por suspeitar que Ester se aproximasse do rei para suplicar clemência para os judeus. Agora que Haman estava morto, a lei foi cancelada e Mordechai podia falar ao rei sempre que desejasse.
O rei, por sua vez, teve amplas oportunidades de reconhecer a inteligência e as qualidades pessoais de Mordechai. "Agora que meu antigo Primeiro Ministro está morto, posso ver que Mordechai preenche o cargo perfeitamente" – pensou o rei. "Além disso, merece uma recompensa por educar uma criança e fazê-la digna de ser rainha."

Ester também quis dar a Mordechai um penhor de sua gratidão. Transferiu-lhe todos os direitos sobre a família de Haman e nomeou-o curador de suas propriedades. Ester instruiu-o também a distribuir a fortuna de Haman aos judeus, como pagamento pelos danos que sofreram por causa dos decretos de Haman.

Embora o rei fosse receptivo a seu desejo e tivesse agido generosamente em relação a Mordechai, Ester percebeu que não seria prudente fazer mais pedidos de imediato. Temia que o rei não consentisse. "Já me deu o controle sobre a família e os bens de Haman. Talvez aproveite isso como desculpa para não me conceder mais favores" – preocupava-se. "E se o decreto de Haman não puder ser cancelado?"

Decidiu esperar por mais dois meses antes de abordar o rei para novos pedidos. Enquanto isso, instruiu os judeus a jejuar, a arrepender-se e a implorar a D’us por misericórdia. Pediu que rezassem para que o rei desse ouvidos a ela e revogasse as cartas que ordenavam a morte dos judeus.

Ester passou muitos longos dias e noites insones, rezando e suplicando a D’us que salvasse Seu povo. Finalmente, procurou o rei. Sabendo que não seria fácil convencê-lo, jogou-se a seus pés, soluçando e implorando.

"Por favor, Majestade" – chorou amargamente, o corpo sacudido por soluços – "meu povo está atemorizado. Todos os dias nossos inimigos nos provocam, dizendo: ‘Amanhã, vou matá-lo e apossar-me de suas propriedades.’ Haman está morto, mas seus planos perversos estão bem vivos. Seu decreto contra os judeus ainda é vigente. Imploro, Majestade, cancele o decreto!"

O rei estava num dilema. Era impossível revogar o decreto! Seria contra todos os precedentes! A lei persa dizia que tudo que fosse escrito em nome do rei e selado com o anel de sinete não poderia voltar atrás. Mesmo assim, não suportava ver sua amada rainha chorando tão desesperadamente.

Lentamente, acenou com o cetro dourado para Ester, um sinal de que deveria erguer-se e falar-lhe sem temor. Encorajada pelo gesto do rei, levantou-se para apresentar seu pedido. Proferiu uma prece ardente a D’us antes de continuar sua súplica em favor do futuro de seu povo.

"Majestade, peço que atenda meu pedido apenas se for correto e apropriado para si. Se encontrei mercê em seus olhos, imploro seu consentimento. Entendo que a suspensão do decreto deva ser feita de acordo com a lei persa. Por isso, ordene o recolhimento das cartas contendo o perverso plano de Haman."

O rei hesitava. "Posso fazer um anúncio oficial para este fim" – concordou.

"Um anúncio não será suficiente. Pode ser esquecido; e quando chegar a hora marcada por Haman, o povo o ignorará" – argumentou Ester.

"Revogar um decreto assinado e selado é muito difícil" – protestou o rei.

"Eu sei, mas há uma brecha. O verdadeiro mandado real estabelece apenas que o povo deve se preparar para o dia designado. As cartas, dizendo que aquele seria o dia do extermínio dos judeus, foram expedidas apenas para os governadores. Estas cartas não contêm o selo real. Por isso, legalmente pode alegar que as cartas aos governadores não eram documentos reais, mas apenas a palavra de Haman."

O rei refletiu um pouco, mas ainda não estava totalmente convencido. "Ainda faltam muitos meses para o dia 13 de Adar" – disse ele.

Ester desmanchou-se em lágrimas. "Como posso suportar uma ameaça dessas proporções pairando sobre meu povo?" – soluçou. "A essa altura, muitos inimigos dos judeus já sabem do decreto, e estão matando judeus em algumas das províncias mais distantes."

"Estou numa posição muito difícil" – explicou o rei. "É óbvio que desejo salvar o povo de minha rainha. Porém, se eu tentar cancelar as cartas, explicando em detalhes a situação, causarei grande prejuízo ao império. Serei acusado de favoritismo. Meus súditos podem até se rebelar."

O rei tinha em mãos um complicado problema legal. As cartas não podiam ser simplesmente anuladas, e as necessárias etapas legais para mudar seu impacto seriam complicadas. Seria necessário convocar a mente mais arguta do império para resolver o assunto, e isso significava Mordechai. Este foi chamado, e o rei consultou-o.

Mordechai respondeu: "Conforme a lei, se um ministro real expede um edito e então é legalmente executado, este edito está automaticamente invalidado. Por isso, o principal é informar ao povo em todas as províncias que Haman foi executado. Isso impedirá que aqueles que odeiam os judeus levantem a mão contra eles."

Mordechai e o rei consideraram outras possibilidades. Poderiam dizer ao povo que o rei ordenara a Haman que fizesse uma proclamação, dando aos judeus permissão para matar os inimigos em 13 de Adar. Haman teria mudado o fraseado da proclamação, dizendo que os judeus deveriam ser mortos por seus inimigos – em persa as palavras são muito parecidas – e o rei havia assinado sem ler cuidadosamente. Quando o monarca descobrira a troca de palavras, mandara enforcar Haman.

Um plano alternativo seria dizer toda a verdade. Haman mentira sobre os judeus e convencera o rei de que eram seus inimigos. Confiando em Haman, o rei havia assinado o decreto.

Finalmente, decidiram que seria melhor não anular as cartas mandadas por Haman. Em vez disso, um novo mandado seria expedido, dando aos judeus autoridade para se reunirem, defenderem-se, e matar quem quer que os atacasse. Os governadores também receberiam instruções para apoiar os judeus. Dessa maneira, os judeus seriam salvos sem o cancelamento formal do primeiro decreto.

No mínimo, um segundo decreto confundiria os inimigos dos judeus. Afinal, uma ordem fora expedida dizendo que os judeus seriam mortos, e agora outra seria emitida, dando aos judeus permissão para se defenderem. Como a intenção do rei não ficaria clara, muitos pensariam que a atitude mais segura seria não fazer nada.

O rei Achashverosh instruiu Mordechai a redigir uma proclamação que ele, o rei, assinaria e selaria. Foram feitas versões em todos os idiomas falados no império.

As cartas explicavam que o rei daria permissão para que os judeus em todas as cidades se organizassem para se defender de seus inimigos. Mordechai insinuava ao povo judeu que deveriam esforçar-se para viver em paz, e que se reunissem apenas para guerrear em autodefesa. O principal seria a união. Os judeus deveriam se reunir e tirar a limpo suas diferenças. Quando todos os judeus estivessem juntos, D’us os ajudaria a superar qualquer obstáculo ou inimigo. Embora o rei desse aos judeus permissão para se apossarem das propriedades dos inimigos, Mordechai proibiu-os claramente de fazê-lo.

As cartas especificavam que os judeus se preparassem para a autodefesa no dia 13 de Adar. Embora os judeus pudessem ter atacado seus inimigos mais cedo, pois sabiam quem eram os adversários, deveriam esperar até o último instante para dar-lhes uma chance de se arrependerem. Haman havia escolhido 13 de Adar porque, astrologicamente, este parecera ser o pior dia possível para os judeus. Em vez de fazê-lo o dia da derrota dos judeus, Mordechai queria que fosse o dia de sua maior vitória.

Mordechai mandou o novo decreto pelos mesmos mensageiros que haviam entregue o de Haman, porque não queria que os governadores questionassem a veracidade da nova proclamação. Os mesmos mensageiros poderiam explicar que o decreto anterior fora invalidado, e os governadores perceberiam que as novas cartas eram genuínas. Muitos desses estafetas haviam acabado de voltar de longas viagens a distantes províncias, quando receberam ordens de iniciar viagem novamente.

"Os judeus têm vivido em pânico; e quanto mais cedo a mensagem chegar, melhor" – declarou Mordechai.

"Mas os mensageiros e os cavalos estão exaustos" – reclamou o zelador do estábulo.
"Então providencie camelos dos estábulos reais" – disse Mordechai. "Camelos podem viajar grandes distâncias sem parar para comer, beber ou descansar."

Os estafetas puseram-se a caminho a toda velocidade, a fim de levar a palavra do rei às províncias e dar aos judeus ampla margem de tempo para se defenderem.

Mensageiros especiais também foram enviados a todos os governadores. Se acaso alguém atacasse com armas os judeus, os governadores tinham ordem real de vir em seu auxílio.

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Capítulo XIII

Cópias das ordens do rei foram afixadas em todos os lugares públicos de cada cidade.
A lei também foi proclamada e largamente difundida na capital, Shushan. Ao mesmo tempo, acontecia a posse de Mordechai como o novo Primeiro Ministro. Era o assunto mais comentado na cidade.

"Você viu o novo Primeiro Ministro?"

"É aquele digno cavalheiro vestido com uma fina capa de linho, Mordechai, o Judeu?

"Sim, e você viu a túnica azul e branca debaixo da púrpura e ouro? Impressionante!"

Toda a cidade de Shushan borbulhava de entusiasmo, mas os judeus estavam completamente atônitos.

"Graças a D’us!"

"Que milagre! Agora que Mordechai foi homenageado e promovido, nossos inimigos não ousarão nos atacar!"

"Tenho certeza de que Mordechai está aceitando a homenagem exatamente por causa disso."
"O que quer dizer?"

"Acha realmente que um sábio reverenciado como Mordechai está interessado em toda essa honra e riqueza? É claro que não se importa com essas coisas, mas nossa situação desesperada exige que as aceite; assim, nossos inimigos terão medo de atacar."

"E olhe – aquela túnica azul e branca é, na verdade, um talit feito de lã branca com o cordão azul de tsitsit."

O que mais impressionava os judeus era a visão do justo sábio, usando tefilin sobre a coroa de ouro que faiscava sobre sua cabeça.

Em todos os países e cidades atingidos pela palavra e pela lei do monarca, os judeus se rejubilavam e celebravam. Durante o período de perseguição, muitos judeus haviam se escondido. Agora, finalmente, po-diam emergir sem temor. Antes, vestiam aniagem e cinzas; agora, caminhavam triunfalmente. Enquanto o decreto tinha validade, tinha sido um insulto ser chamado de judeu; agora era uma honra.

Porém, o mais importante era que os judeus se rejubilassem em seu renovado compromisso com Torá e mitsvot. Ser judeu fora tão perigoso, que muitos judeus ignorantes tinham pensado em abandonar a Torá. Agora retornavam à vida religiosa ainda mais forte que antes. Aqueles que haviam tido medo de circuncidar os filhos imediatamente cumpriram essa mitsvá. Como as pessoas tinham visto Mordechai usando tefilin sobre a coroa, renovaram a prática dessa mitsvá sem medo.

A milagrosa cadeia de eventos teve forte impacto também sobre a população em geral. A aristocracia se aliava tão fortemente aos judeus que era quase como se tivesse se convertido. Muitos inimigos dos judeus também se disfarçavam de judeus, temendo pela vida.

Quando o dia 13 de Adar finalmente chegou, todos viram como a mão de D’us dirigira o curso da História. O próprio dia escolhido por Haman para a destruição dos judeus provara ser a hora de seu maior triunfo. As intenções de Haman haviam se frustrado com a ajuda de D’us.

Ninguém viera em ajuda dos inimigos dos judeus por medo das conseqüências. Trabalhadores e empresários também apoiavam os judeus. Os nobres e os governadores alinharam-se com os judeus, por medo de Mordechai, cuja reputação estava crescendo em todo o império.

Entretanto, os judeus não se sentiam completamente fora de perigo. Os seguidores de Haman ainda tinham posições importantes. Nas províncias mais distantes, o perigo era maior. Os judeus viviam em cidades abertas, sem muralhas, onde os inimigos podiam atacar tanto de fora como de dentro, e podiam facilmente superá-los em número.

Nessas províncias, os comparsas de Haman não temiam Mordechai tanto quanto os de Shushan. Às vezes, os judeus dessas cidades não tinham apoio total dos ministros e dos exércitos do rei.
Setenta e cinco mil inimigos dos judeus estavam preparados para cumprir ao pé da letra o decreto de Haman. Sendo na maioria descendentes de Amalek, estavam determinados a matar qualquer um que suspeitassem ser judeu. Buscavam vingança pela morte de Haman, bem como a satisfação de assassinar judeus.

Os judeus reuniram-se para lutar, orando a D’us por ajuda contra os inimigos. Mordechai declarou um jejum nacional, mandando a seguinte mensagem a todos os judeus: "Devemos jejuar e rezar no dia anterior à batalha, como foi feito por Moshê e Yehoshua. Isto nos trará a ajuda de D’us. No futuro, este jejum seria comemorado como Taanit Ester, na véspera de Purim.

Os judeus se uniram como se fossem um só. De bom grado, cada judeu ofereceria sua vida para defender o próximo. Antes de enfrentar os inimigos, oraram e se arrependeram por todas as faltas passadas. Prepararam os exércitos e lutaram em autodefesa no dia 13 de Adar, eliminando os inimigos.

Em Shushan, a situação era mais complicada. Por um lado, a influência de Mordechai e Ester estava mais forte. Por outro, o centro das atividades antijudaicas era baseado nesta cidade. Liderados pelos dez filhos de Haman, determinados a vingar a morte do pai, havia muitos que não hesitavam em atacar os judeus. Para se defenderem, os judeus mataram quinhentos de seus atacantes; porém, cuidadosamente abstiveram-se de tomar posse das propriedades dos vencidos.

"Acho que entendo por que Mordechai nos instruiu a não tomar os despojos de guerra" – disse um guerreiro judeu a outro.

"Obviamente" – disse o amigo – "quer provar que não lutamos por causa dos saques."

"Isso também" – concordou o primeiro – "mas eu estava só pensando. Estamos nos defendendo dos seguidores de Haman, descendentes dos amalequitas. Quando o rei Shaul guerreou contra Amalek, cometeu um pecado ao guardar os despojos. Agora, estamos expiando aquela transgressão, não tocando nesses saques."

Naquela tarde, Mordechai anunciou um cessar fogo, parando todas as operações de guerra. A ameaça imediata fora contida. "Embora tenhamos recebido permissão para matar nossos inimigos por todo o dia, quero mostrar que o povo judeu não tem sede de sangue" – explicou.
Para que todos soubessem que a autoridade real fora concedida aos judeus, o rei ordenou que um relatório dos fatos lhe fosse entregue em mãos. A lista dos mortos e suas propriedades foi apresentada ao soberano, incluindo uma contabilidade acurada, tornando claro que nada do butim estava faltando.

Com o relatório em mãos, o rei Achashverosh procurou a rainha Ester. "O que deseja agora? Será concedido. O que mais quer? Será feito."

Ester viu que a ocasião era favorável para fazer mais pedidos. O rei finalmente percebera que os seguidores de Haman eram um elemento perigoso e indesejável no império. "Majestade" – disse ela – "se for do agrado do rei e se quiser que o império prospere, permita que os judeus de Shushan lutem amanhã contra os seguidores de Haman, como fizeram hoje. Restam muitos partidários de Haman em Shushan, que cometerão atos de terrorismo para vingar sua morte. Permita também que os dez filhos de Haman sejam enforcados no cadafalso."

O rei percebeu que Mordechai havia parado a luta ao meio-dia, e concordou com o pedido de Ester. O enforcamento dos filhos de Haman deixou seus seguidores muito deprimidos, e os judeus conseguiram sobrepujar os inimigos também no dia 14 de Adar. Executaram trezentos oponentes que ainda ousaram atacar. Novamente, ninguém tocou nos despojos de guerra.

Dessa maneira, os eventos daqueles dias tornaram-se História. Nas províncias, os judeus ainda tiveram medo na manhã de 14 de Adar. Apesar da miraculosa derrota de seus inimigos, os judeus temeram um contra ataque. Entretanto, o dia se escoou pacifica e calmamente, então puderam depor as armas e descansar. Como foi no dia 14 de Adar que a extensão do milagre se tornou conhecida, os judeus declararam este dia uma data festiva. Festejando e se rejubilando, os judeus habitantes das províncias longínquas celebraram o grande milagre.

Em Shushan, os judeus lutaram tanto no dia 13 como no 14 de Adar, e não depuseram as armas até o dia 15.

Por esse motivo, foi no dia 15 que celebraram. O dia festivo não foi estabelecido para celebrar a derrota do inimigo, mas como reconhecimento da milagrosa libertação. Não comemoraram a vingança, mas a própria sobrevivência contra todas as adversidades. A celebração principal, portanto, não foi feita no dia da vitória, mas no dia em que puderam descansar da guerra.
Mais tarde, os sábios da Grande Assembléia discutiram como fixar a data precisa na qual estabelecer a celebração oficial de Purim.

"Parece lógico legislar que em Shushan os judeus deveriam celebrar no dia 15, ao passo que todas as outras cidades o façam no dia 14" – sugeriu um sábio.

Isso criaria uma diferença no cumprimento entre nosso povo" – argumentou um segundo.

"Mas há uma grande diferença" – insistiu o primeiro. "Estes dois dias na verdade comemoram duas vitórias diferentes. A celebração no dia 14 é pelo triunfo dos judeus nas províncias, enquanto no dia 15 comemora-se a vitória em Shushan."

"Um momento" – disse um terceiro. "Não podemos esperar que os judeus vivam em Shushan para sempre. E se o milagre especial de Shushan for esquecido?"

Os homens na Grande Assembléia consideraram o assunto. Finalmente, um se pronunciou: "Podemos destacar um aspecto de Shushan e usá-lo como símbolo para identificar outras cidades que queremos equiparar a Shushan. Nestas cidades, as celebrações serão no dia 15 de Adar, como em Shushan. Isso vai assegurar a preservação do dia festivo distinto.

"A cidade de Shushan é cercada por muralhas de proteção. Podemos proclamar que todas as cidades que, como a capital, tenham muralhas, devem celebrar no dia 15."

Os sábios concordaram, mas um ancião levantou um ponto importante: "Nossa Terra natal, Israel, agora jaz em ruínas. Jerusalém, nossa cidade sagrada, não mais possui muralhas. É correto estabelecer uma lei pela qual o status de Jerusalém será menor que o de outras cidades com muralhas em todo o mundo? A festa então terá que ser celebrada no dia 14 em Jerusalém, como se fosse uma cidadezinha não cercada?"

Os sábios tinham uma resposta: "Em vez de atribuir o status especial de Shushan a cidades com muralhas nos dias de Achashverosh, podemos fazer uma emenda no decreto, aplicando-o a cidades muradas desde os dias da conquista de Israel por Yehoshua. Automaticamente, isso dará especial categoria a Jerusalém e a outras cidades da Terra Santa."

"Escolhendo os dias de Yehoshua como ponto de partida terá significado especial" – comentou um sábio. "Ele foi o primeiro judeu a batalhar contra Amalek."

"Criar um dia festivo a 15 de Adar é também muito significativo" – disse outro. "É um dia apropriado do mês, e combinará com outras datas importantes no nosso calendário, como Pêssach, a 15 de Nissan; Sucot, a 15 de Tishrei; Tu Bishvat, a 15 de Shevat e Tu Beav, a 15 de Av. Todos esses dias festivos, que coincidem com o plenilúnio, comemoram importantes datas judaicas. Como Israel é comparada à Lua, faz sentido celebrarmos quando a lua está cheia."

Todos os sábios concordaram; assim, isso foi transformado em lei: cidades com muralhas protetoras ao tempo de Yehoshua deveriam celebrar no dia 15; todas as outras cidades no dia 14.

Mordechai registrou a história do milagre e ordenou que fosse recontada todos os anos. Mandou pergaminhos a todos os judeus do império, bem como àqueles que viviam além das fronteiras. Todos estariam obrigados a festejar a data, até mesmo os muitos judeus que haviam fugido para países fora do Império Persa, e haviam estado relativamente a salvo do decreto de Haman.

Alguns desses judeus questionaram a nova legislação. "Não é proibido adicionar festas àquelas já mencionadas na Torá?"


"Além disso, o mar não se abriu! Não houve milagres claros como no Êxodo do Egito" – adicionou outro.

"Mordechai não deu a este dia festivo o status dos dias santos proclamados pela Torá. Fazê-lo significaria proibir o trabalho. É permitido trabalhar neste dia festivo" – responderam outros.
"Então como vamos celebrar?"

As pessoas revisaram cuidadosamente as instruções de Mordechai. "Primeiro, devemos ler os rolos e recontar a história. E precisamos mandar pacotes de comida a nossos amigos."

"Isso se parece com um costume local" – comentou um dos judeus nativos. Quando os soldados voltam da guerra, mandam presentes aos amigos e parentes em comemoração à sua sobrevivência na batalha."

"O que mais Mordechai nos mandou fazer?"

"Bem, ordenou que todos celebrassem. Como o perigo foi igual para todos, ricos e pobres, o pobre também deve rejubilar-se."

"Como isso pode ser feito?"

"Mordechai disse-nos para fazer caridade e para assegurarmo-nos de que todos os judeus estejam felizes nesse dia. A outra mitsvá deste dia é fazer uma refeição festiva, comer e beber alegremente e dar graças a D’us pelos grandes milagres."

"Parece que o episódio inteiro se desenrolou durante banquetes" – alguém comentou.
"Sim!" – concordou outro.

"Primeiro, Achashverosh organiza uma festa para a aristocracia. Em seguida, outra para o público."

"Não esqueça a festa de Vashti" – intercalou um terceiro.

"E quando Ester foi escolhida como rainha, o rei deu uma festa em sua homenagem."

"Haman selou o decreto contra os judeus bebendo numa festa com Achashverosh."

"Que irônico! Sua própria queda aconteceu no segundo banquete de Ester. E agora teremos outro festim. Bem, é melhor correr para casa e dizer às nossas esposas que comecem a cozinhar."

Todos os judeus de todo o império aceitaram prontamente os decretos de Mordechai e da Grande Assembléia de sábios. Muitos tinham mesmo começado a guardar o dia festivo por conta própria, e queriam mantê-lo todos os anos. Agora que tinha sido oficialmente transformado em lei, ficaram contentes e aceitaram isso como uma obrigação.

O dia festivo seria chamado Purim, plural da palavra "pur" – os lances decisivos que haviam sido jogados como tentativa de condenar o povo judeu. Haman tinha acreditado numa escolha ao acaso, pensando que o "pur" controlaria os acontecimentos, mas o milagre de Purim revelara que D’us controlava o desenrolar da História da Humanidade.

Os judeus aceitaram manter o dia festivo através das gerações em cada família, em cada país e em cada cidade. Os dias de Purim nunca caducariam entre os judeus, e sua memória jamais se extinguirá.

Mesmo depois que Mordechai e Ester viram a aceitação do dia festivo pelos judeus, escreveram uma versão oficial do pergaminho anterior. Estavam preocupados de que, em futuros tempos de perseguição, os judeus pudessem considerar Purim inapropriado, e que não ousassem celebrar a vitória sobre os inimigos, por medo de que fazê-lo despertasse ainda mais ódio e perigo. O fato de que o motivo para Purim seria bem conhecido, e que foi até mesmo escrito nos registros oficiais dos persas e medeanos, reasseguraria aos judeus e daria às futuras gerações coragem para manter o dia festivo.

A rainha Ester escreveu aos sábios, solicitando que a recém-instituída leitura da Meguilá fosse feita de um rolo de pergaminho, escrito na mesma maneira que um Rolo de Torá. Ela explicou que escrever a história de como os judeus derrotaram os seguidores de Haman era parte da mitsvá na Torá para lembrar os cruéis atos de Amalek.

Os sábios concordaram com seu pedido e proclamaram que a Meguilá havia sido escrita com Rúach Hacôdesh (inspiração Divina). Como Ester havia arriscado a vida por seu povo, seria conhecida como Meguilat Ester (Rolo de Ester).

As grandiosas lições de Purim são reconfirmadas através da História. Mordechai instruiu os judeus a não abandonar o estudo de Torá. Negligenciar a Torá havia levado à perseguição persa, e o mérito das crianças que estudavam Torá havia salvado os judeus.

Quando Ester disse a Mordechai para "ir e reunir todos os judeus", havia enfatizado a necessidade de união. Este espírito de união provocou o milagre; e neste espírito de união, os judeus aceitaram o dia festivo que permite hoje esta celebração.

Até o rei Achashverosh estava feliz. Como resultado de sua ajuda aos judeus, recobrara muitas das terras que havia perdido. Renovara seu domínio sobre muitos outros países e ilhas, restabelecendo sua administração e aumentando sua renda através de novos impostos.

O rei Achashverosh havia escritos nos registros reais os eventos de seu poderoso governo. Descreveu em detalhes a história da promoção de Mordechai e sua competência em dirigir o império. O mundo todo ficou sabendo que Achashverosh havia chegado à sua grandeza graças à ajuda de Mordechai e por causa do bem que havia feito ao povo judeu.

Mesmo com sua alta posição de ser o segundo do reinado, Mordechai não perdeu sua preocupação com o povo. Ao contrário, usava seu escritório público para ajudar os judeus sempre que possível. Não esperava que o procurassem com problemas, mas buscava ativamente maneiras de ajudá-los.

Mordechai era conhecido por sua bondade a todos, judeus e não-judeus igualmente. Como resultado, os habitantes de cada país falavam bem do povo judeu e procuravam sua ajuda.
Com tudo isso, Mordechai permaneceu "Mordechai o Judeu", o homem que preservou seu judaísmo sem concessões, ensinando a verdade e a paz a todos.

 

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