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  A fusão de duas almas  
  Por Sara Esther Crispe
 

Foi uma semana inteira. Como manda nossa tradição, não o vi ou falei com ele; nem sequer ouvi sua voz durante uma semana antes de nosso casamento. E mesmo assim tenho sua imagem na minha mente, suas palavras em meu coração, e seu ser gravado em minha alma.

É o dia de nosso casamento e acordei cedo para preparar-me. Por fora, estão arrumando meu cabelo, fazendo minhas unhas, minha maquiagem. Mas por dentro estou num mundo totalmente diferente. Recito salmos tentando infundir cada momento com santidade. Jejuo, pois este é meu Yom Kipur pessoal, meu Dia de Expiação e peço perdão pelo meu passado, enquanto me purifico e me preparo para o meu futuro.

Em meu vestido de noiva, represento uma rainha e rezo pela capacidade de ser uma coroa para meu marido. Não para ser seu enfeite, mas o laço entre seu consciente e seu inconsciente, para permitir-lhe ser o melhor possível. Assim como uma coroa está acima da cabeça e também conectada com ela, assim a mulher judia une o espiritual e o físico, a teoria com a realidade. A coroa repousa nas têmporas, a parte mais sensível da cabeça. Espiritualmente, a mulher também repousa nas têmporas. Ela pode massagear onde existe dor, ao mesmo tempo em que assegura que o ego não se envaideça, pois ela serve como suas fronteiras. E ela mantém a cabeça erguida, porque é a rainha e permite que ele seja o rei.

Tiro meus brincos, minha pulseira e colar. Em outro aposento, ele esvazia os bolsos, desfaz o nó da gravata e desata os cordões dos sapatos. Ele não está me desposando pela minha beleza física ou jóias exteriores. Não estou casando com ele pelo dinheiro em seus bolsos. Ele vem para ser desligado, sem laços, sem nenhuma conexão a ninguém ou coisa alguma, exceto comigo e com nosso compromisso mútuo.

A música tem início e meu chatan, meu noivo, está para ser levado a mim. Ele cobrirá o meu rosto com um véu, para proteger a santidade, a Divina Presença, que paira sobre o rosto de uma noiva. Meu véu será opaco para que eu não possa ver e ninguém possa me ver também. Meus olhos, de qualquer maneira, estarão fechados para que eu sensibilize mais minha capacidade de pensar e sentir. Neste momento, desejo a mais absoluta privacidade e não quero ser distraída pelos olhares das centenas de convidados.

Ao me velar, fazemos uma importante declaração mútua, sem palavras. Reconhecemos que estamos nos casando com aquilo que vemos, mas estamos também casando com aquilo que não vemos. Acreditamos plenamente que somos a metade da alma um do outro. Somente juntos podemos nos completar. Porém isso demandará esforços, muitos esforços. Ele não é a resposta para minha imperfeição, mas sim os meios para eu chegar lá. Portanto, reconhecemos que amamos o que conhecemos e aquilo que sabemos, mas estamos também nos casando com as partes que estão ocultas um do outro, e mesmo de nós próprios. Estamos determinados a amar também estas partes e a aprender a entender como elas são também parte integrante de nossa restauração e nosso desenvolvimento.

Finalmente, após a semana mais longa de minha vida, meu chatan, meu noivo, se aproxima de mim. É quase intenso demais para olhar. Contemplo meu futuro marido por um instante mas então meus olhos se enchem de lágrimas. Não posso mais ver, e não preciso. Estamos para nos unir. Porém não somos apenas duas pessoas. Nosso casamento representa a continuidade do povo judeu. Não estamos apenas a ponto de nos unir um ao outro, mas ao fazê-lo, estamos unindo o passado, o presente e o futuro.

Reunimo-nos agora novamente sob a chupá, para nos tornarmos marido e mulher. A canópia é aberta de todos os lados para representar como devem ser nosso lar e nosso coração, receptivos e abertos a todos que nos cercam. Ficaremos fora, sob as estrelas, para aproximar o céu da terra ao mesmo tempo em que nos elevamos para mais perto do céu.

Agora sou eu a ser levada para ele, que me espera sob a chupá. Quando me aproximo, circulo sete vezes à sua volta. Como há sete dias na semana, culminando com a santidade do Shabat, assim também eu o rodeio, envolvendo-o em amor e comprometimento, culminando comigo ao seu lado. Assim como eu sou a coroa dele que repousa como um círculo na sua cabeça, agora eu também crio aquele vínculo, aquele alicerce, aquela segurança.

Num círculo, todos os lados estão à mesma distância do centro e existe perfeita harmonia. Quando eu terminar meus sete círculos, ele volta a circundar-me colocando um anel simples de ouro em meu dedo. Este é nosso oitavo círculo, um acima do natural, os dias da semana, e nos unindo com o sobrenatural, o Criador Acima. Sete bênçãos são agora recitadas, imbuindo santidade adicional ao nosso relacionamento e compromisso. Mas pouco antes de celebrarmos um com o outro, como marido e mulher, devemos primeiro quebrar um copo.

A última coisa que meu marido faz sob nossa canópia nupcial é pisar no copo. Tudo está em silêncio, e ouvimos o barulho. O vidro despedaçado representa o sofrimento que sempre deve ser lembrado, mesmo em nosso júbilo. Embora estejamos repletos de felicidade, nós como um povo, como um mundo, não estamos assim. E portanto é nossa responsabilidade lembrar que enquanto nos alegramos, precisamos criar um mundo onde todos sejam felizes. E devemos viver nossa vida com sensibilidade a todos os menos afortunados que nós, e sermos gratos por todo o bem que nos foi concedido.

Depois que o copo é quebrado, está na hora de celebrar nossa alegria. Removo o véu, enquanto meu marido e eu nos olhamos pela primeira vez como casados. A música tem início, nossos convidados começam a cantar e dançar, e somos levados da chupá para começarmos juntos uma nova vida.Sara Esther Crispe é escritora, editora, conferencista inspirada e professora. Mora com o marido, Rabi Asher Crispe e seus três filhos, em Jerusalém.

     
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