Uma chance

   
indice
 

A Rebetsin, esposa do Rebe Yaacov Yitschac, o Choze de Lublin, tentava não chorar, tentava ficar animada. Mas o que poderia fazer se o Shabat chegara e ela ainda não tinha arrumado as poucas moedas que precisava para comprar as velas do santo Shabat?

Todas as gavetas tinham sido examinadas. Todos os bolsos. Não havia moedas na casa. Os minutos estavam passando. Agora faltavam apenas alguns instantes para o acendimento das velas. A Rebetsin correu até a rua, para dividir sua dor com o vento e o céu que escurecia.

Naquele momento passou uma carruagem. Lá dentro sentava-se um jovem judeu que durante muitos anos não ficava em casa para ver arder a luz das velas do Shabat no lar de seus pais. Era mais atraído pelas luzes que brilhavam nas tavernas e casas de jogo que freqüentava na maioria das noites de sexta-feira. De fato, naquele exato momento estava a caminho para encontrar alguns amigos para uma noite de diversão e festança. Mas quando olhou pela janela da carruagem e viu uma senhora judia de idade chorando mansamente, parou o veículo, desceu e perguntou por que ela chorava.

"É porque não tenho moedas para comprar as velas do santo Shabat" – sussurrou a Rebetsin – "e temo não conseguir cumprir a mitsvá do acendimento das velas do Shabat."
"Minha cara senhora, aceite estas moedas. Acenda as velas com alegria no coração e aprecie seu Shabat" – disse o jovem, voltando então para sua carruagem.

A Rebetsin chamou o rapaz, que parou e voltou-se. "Você cumpriu um imenso mandamento. Que o Todo Poderoso lhe retribua, fazendo uma luz Divina brilhar para sempre em seu coração" – abençoou a Rebetsin. O jovem sorriu e entrou na carruagem.

A Rebetsin rapidamente comprou velas, voltou para casa e acendeu-as com o coração repleto de júbilo. Enquanto observava as chamas dançarem e saltarem, seu coração transbordava de felicidade e gratidão a D’us.

Um pouco mais tarde na sinagoga, o Choze de Lublin começou a entoar as preces dando as boas vindas ao Shabat. Seu coração, também, dançava e saltava em gratidão a D’us. Sempre que o Choze rezava, sua alma se elevava mais e mais alto nas esferas celestiais. Naquela noite, ele via que a corte celestial estava em alvoroço, e o Choze era um daqueles a quem um dedo acusador estava apontando.

"Não é suficiente que você, o santo Rebe, abençoe todos os tipos de pessoas não merecedoras? E sendo você um tsadic, temos de assegurar que suas bênçãos sejam cumpridas. Agora sua mulher, também, derrama bênçãos sobre pessoas sem valor!"

E com isso, a corte celestial contou ao Choze sobre o jovem que tinha dado à sua mulher algumas moedas para velas do Shabat, e como ela o havia abençoado para que a Divina luz sempre brilhasse em seu coração. "Um presente assim maravilhoso deveria ser dado a alguém que agora, no Shabat, não está celebrando ou guardando o dia sagrado seja de que maneira for?" reclamaram eles.

O Choze respondeu: "Talvez seja verdade que neste momento o jovem não seja merecedor do grande presente que mencionam. Mas quem sou eu para discutir se minha querida esposa viu tão claramente revelada a preciosa centelha de D’us, a alma, dentro dele? Não deveríamos pelo menos dar a ele uma chance? Façam reluzir a luz Divina sobre ele por uma meia hora. Deixe que sua alma se banhe na glória de D’us e vejam se ele é influenciado por ela. Se passada meia hora, nada mudar, então concordo que vocês não precisem cumprir a bênção de minha mulher." A corte celestial aceitou.

Numa carruagem fora de Lublin, o jovem começou a sentir uma estranha sensação. Olhou em torno e sentiu como se estivesse vendo o mundo pela primeira vez. Havia mais nitidez em todas as coisas. Sua mente voltava para o encontro ocorrido mais cedo. Algo inexplicável estava insistindo com ele para que voltasse àquela ruazinha em Lublin, para a casa onde aquela senhora certamente já teria acendido as velas de Shabat. Ordenou ao cocheiro que desse meia-volta na carruagem.

Assim que a carruagem chegou à casa do Choze, o rapaz disse ao condutor que parasse. Desceu logo e percorreu o caminho até a casa. Olhou pela janela e viu a Rebetsin sentada à mesa do Shabat, recitando suas preces com alegria e devoção, enquanto esperava que o Rebe voltasse da sinagoga.

O jovem ergueu a mão para bater na porta mas hesitou, não querendo interromper as orações da Rebetsin. Talvez ela terminasse em alguns instantes e ele não teria de perturbá-la. Passaram-se alguns minutos.

A corte celestial observava com interesse, à medida que os últimos instantes da meia hora se escoavam. A Rebetsin terminara suas preces. O rapaz ergueu a mão mais uma vez para bater na porta mas refreou-se. Olhou em torno. "O que estou fazendo aqui?" perguntou a si mesmo.

Por alguns momentos o jovem ficou imóvel, incapaz de decidir o que fazer. Involuntariamente estremeceu, como se para livrar-se dos últimos vestígios de indecisão. Deu as costas à casa e encaminhou-se para a rua. Mas então, pelo canto do olho, avistou as velas de Shabat da Rebetsin. As chamas das velas tremulavam e dançavam alegremente.

O vento sussurrante parecia um suspiro de contentamento vindo dos céus, enquanto o jovem batia suavemente na porta.

A Rebetsin ficou encantada quando viu o rapaz. Convidou-o a entrar. Ele ficou para a refeição e por muitas refeições depois desta. Com o tempo, tornou-se um devotado chassid do Choze de Lublin. Por fim, ele ajudou a iluminar o caminho para muitos outros com a Divina luz que se encontra em todo coração judeu.

       
top