Rabi Yossef, o Cocheiro

  por Tuvia Bolton
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  Há mais de 150 anos, viveu na Rússia um erudito chamado Rabi Yossef. Era um homem notável, tanto pela inteligência quanto pela sua humildade. Sabia todo o Talmud – tanto a versão babilônica quanto a de Jerusalém – de cor, e era bem versado nos livros da Halachá e Cabalá.

Ora, Rabi Yossef estava pensando em se candidatar para o cargo de rabino em diversas cidades grandes e, sendo um chassid do segundo Rebe de Chabad-Lubavitch, Rabi DovBer, viajou a Lubavitch para pedir a bênção e o conselho do Rebe. Porém quando informou o Rebe de seu plano, este não ficou muito entusiasmado.

Rabi DovBer contemplou Rabi Yossef de sua mesa e disse solenemente: "Rabi Yossef, se lhe for oferecida a oportunidade de ser um rabino importante, é melhor que seja um cocheiro."

Dois dias depois, quando chegou em casa e contou à mulher o que dissera o Rebe, ele próprio ainda não tinha exatamente absorvido aquilo.

"Nesse caso" – disse ela – "você deve procurar alguns cocheiros e pedir conselho a eles."

"Conselho sobre o quê?" perguntou ele.

"Conselho sobre que tipo de carruagem comprar. Quanto custará. Quanto tempo demora para aprender"– respondeu ela.

"Aprender o quê?" Rabi Yossef ainda estava em "ponto morto". Apenas balançava a cabeça concordando, a cada vez que a esposa mencionava o assunto, e voltava ao estudo do Talmud ou qualquer outra coisa, e assim o tempo passou.

Cerca de um mês depois um grupo de judeus importantes bateu à porta de Rabi Yossef e ofereceu-lhe oficialmente a prestigiosa posição de rabino na cidade de Minsk. Saíram com a promessa de esperar uma semana pela sua resposta.

Assim que fecharam a porta atrás deles, a mulher de Rabi Yossef lembrou-o de que ele não tinha outra opção exceto ir procurar os cocheiros.

Portanto, na manhã seguinte, Rabi Yossef vestiu seu casaco de peles e botas altas, e saiu para uma visita aos estábulos. A princípio os cocheiros pensaram que ele era um cliente. Em seguida acharam que estava louco ou brincando. Mas quando viram que falava a sério, um dos cocheiros concordou em mostrar-lhe tudo, enfatizando cuidadosamente como cada uma das coisas que um cocheiro fazia no decorrer de um dia de trabalho era difícil, suja ou perigosa.

Após diversas horas, ele voltou para casa com um relatório completo para a esposa, e uma conclusão: uma carruagem e um cavalo custavam muito mais do que podiam gastar, e isso era o ponto final da história.

"Yossef!" disse sua mulher enfaticamente – "você é ou não um chassid? O Rebe quer que você seja um cocheiro. Venderei minhas jóias e nossos candelabros de prata do Shabat, e compraremos um cavalo e uma carruagem."

No dia seguinte venderam as jóias, encontraram um cocheiro para ensinar-lhe as manhas do negócio, e compraram uma carruagem e uma parelha de cavalos. Dois meses depois, Rabi Yossef era um dos cocheiros da cidade.

Aceitou seu novo trabalho com tanta alegria quanto pôde arregimentar. Cuidava bem dos cavalos e da carruagem, e os colegas de profissão sempre o ajudavam, tentando dar-lhe as viagens mais fáceis. Ele tentava também manter-se tão religioso quanto possível. Enquanto estava guiando, costumava recitar o Talmud, que sabia de cor, e jamais começava a trabalhar sem antes devotar uma hora à prece matinal, mas mesmo assim tinha dentro do peito um coração partido.

Numa fria manhã de inverno, enquanto alimentava os cavalos e preparava o coche para um dia de trabalho, um rico cavalheiro não-judeu entrou nos estábulos e perguntou se estava disposto a levá-lo até Petersburgo.

"É uma viagem de dois dias" – respondeu Rabi Yossef. "Ficarei contente em levá-lo, mas informo que não costumo sair ao romper do dia, como os outros cocheiros. Sou um judeu que acredita em D'us, e toda manhã costumo rezar por uma hora."

"Tudo bem" – replicou o empresário. "Talvez no segundo dia eu consiga outro condutor. O principal é sairmos imediatamente. Toda minha bagagem está aqui, e quero sair o mais rápido possível."
Rabi Yossef não perdeu tempo em atrelar os cavalos e em quinze minutos estavam a caminho.

"Ora" – pensava Rabi Yossef consigo mesmo enquanto dirigia por alguma estrada deserta longe da cidade. "O que será de mim? Terei que olhar para a traseira destes cavalos o dia inteiro. O que será de mim?"

Naquela noite, pararam numa estalagem. Antes de se retirar para dormir, o cliente pagou-lhe pelo dia de viagem, dizendo qualquer coisa sobre encontrar outro cocheiro que saísse bem cedo. Trocaram um aperto de mãos e o estalajadeiro levou cada qual a seu quarto.

Rabi Yossef despertou, como de costume, à meia-noite, lavou as mãos e começou a recitar Tikun Chatzot, a prece da meia-noite pranteando a destruição do Templo Sagrado.

Seu coração já estava entristecido, e quando começou a pensar no terrível exílio dos judeus a dor foi demais para suportar, e ele colocou toda esta emoção nas palavras das preces. Quando terminou, abriu o volume do Talmud que sempre levava nas viagens e começou a estudar. Quando nasceu o dia, colocou tefilin e rezou a preze matinal, Shacharit.

Tinha acabado de tirar o tefilin após rezar e estava para sentar-se e comer alguma coisa quando de repente a porta se abriu e seu passageiro entrou.

Suas roupas estavam desarrumadas como se não tivesse dormido a noite toda, e estava claro que estivera chorando.

"Eu quero… colocar… seu tefilin" – disse enquanto explodia em lágrimas incontroláveis e caía de joelhos. "Por favor, perdoe-me! Meu D'us, por favor, perdoe-me!"

Caiu ao chão com o rosto oculto pelas mãos e o corpo todo tremendo com os soluços. Rabi Yossef, espantado, contemplava aquilo com a boca aberta, descrente. Jamais vira algo assim em toda sua vida!

Quando o homem tinha se acalmado, explicou: era judeu, mas seu estilo de vida era exatamente o oposto. Na noite anterior, estava pronto para dormir quando escutou através da parede as preces noturnas de Rabi Yossef. A princípio não prestou atenção, e depois ficou irado porque aquilo o estava perturbando; mas então, lentamente, algo dentro dele despertou. Lembrou-se que quando era menino, seu pai costumava rezar assim. Agora era um homem rico e há muito esquecera sua juventude, mas as preces de Rabi Yossef mudaram tudo aquilo.

Decidiu firmemente que desejava retornar a seu verdadeiro eu – queria ser judeu novamente.
Dois dias depois, eles estavam perante o Rebe. Rabi Yossef foi informado de que tinha cumprido o propósito de sua estranha carreira. Para o passageiro da carruagem, o Rebe escreveu um tratado chamado Pokeach Ivrim, para guiá-lo em sua jornada de volta ao Judaísmo.

Nota do Editor: Pokeach Ivrim é estudado até hoje como uma obra importante de ensinamento chassídico. A história narrada acima é relatada integralmente na introdução do livro).
       
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