O que se segue é
um excerto com tradução livre da descrição
da infância e juventude do fundador do Chassidismo, Rabi Israel
Báal Shem Tov, segundo narrativa feita pelo Rebe Anterior, Rabi
Yossef Yitschac Schneersohn, e adaptado por Yanki Tauber.
Quando
completei cinco anos, já era órfão de pai e mãe.
As últimas palavras ditas a mim pelo meu pai antes de falecer foram:
"Yisrolik, tema somente a D'us."
De acordo com as palavras de meu pai, fui levado a caminhar pelos campos
e pela grande e sombria floresta perto de nossa aldeia. Do chêder
eu saía para os campos, onde revisava de cor o que tinha aprendido.
Muitas vezes eu passava a noite no campo ou na floresta.
Meus guardiães, que cuidavam de mim e de vários outros órfãos,
tanto meninos como meninas, não toleravam aquele meu hábito
de vagar pelos campos e pela mata, e me tratavam severamente. Assim se
passaram dois anos. Certa manhã, ouvi o som de uma voz humana na
floresta. Fui em direção a ela e vi um judeu que usava talit
e tefilin, rezando com um fervor que eu jamais vira antes.
Escondi-me atrás das árvores e tive grande prazer ouvindo
o homem rezar. Eu estava empolgado pela extraordinária visão,
e pensei comigo mesmo que aquele homem deveria ser um dos trinta e seis
tsadikim ocultos (justos e sagrados) que há no mundo. O tsadic
concluiu suas preces, tirou o talit e tefilin, e começou a ler
o Livro de Tehilim numa voz melodiosa.
Após recitar os Salmos, o homem passou algum tempo num concentrado
e silencioso estudo de Torá. Juntou então os livros, guardando-os
num saco que colocou sobre os ombros prosseguindo seu caminho. A esta
altura, saí de meu esconderijo e aproximei-me dele.
Quando o homem me viu, perguntou: "O que uma criança pequena
está fazendo sozinha na floresta? Não tem medo de ficar
aqui sozinho?"
Respondi: "Gosto do campo e da floresta, porque não há
pessoas – que na maioria é arrogante e desonesta. Não
tenho medo de nada. Sou órfão de pai e mãe. Meu pai,
que descanse em paz, disse-me antes de morrer: 'Yisrolik, tema somente
a D'us' Portanto, não tenho medo de nada."
O homem perguntou-me se eu era filho de Reb Eliezer. Quando respondi que,
de fato, este era o nome de meu pai, o homem pegou um volume do Talmud
– o Tratado Pessachim – da sacola, sentou-se e estudou comigo
por algum tempo. Depois acompanhei-o em seu caminho, sem saber aonde estávamos
indo e qual era o propósito de nossa jornada.
Em nossas andanças, parávamos por algum tempo em diversas
cidades, vilas, aldeias – às vezes por alguns dias, em outras
por uma semana ou mais. Jamais soube o nome do homem. Eu estudava com
ele todo dia. Ele nunca aceitava esmolas, mas mesmo assim alimentava-me
e me vestia, cuidando de minhas necessidades o tempo todo. Assim se passaram
três anos.
Certo dia, paramos num pequeno assentamento e o homem me disse: "Não
muito longe daqui, na floresta, vive um judeu instruído e temente
a D'us. Vou deixá-lo com ele por algum tempo." Levou-me então
a uma cabana na mata, entregou-me ao homem que ali morava, e partiu.
Vivi na cabana de Reb Meir durante quatro anos, durante os quais ele estudou
comigo com grande diligência. Todos os dias, nós dois íamos
até a aldeia para as preces diárias. Nenhum dos aldeões
sabia que Reb Meir era um sábio e tsadic oculto – eles o
conheciam como um simples trabalhador, um carvoeiro.
Na casa de Reb Meir fiquei familiarizado com os costumes dos tsadikim
ocultos e seu líder, o grande sábio e tsadic Rabi Adam Báal
Shem. Ao final de meus anos com Reb Meir, fui aceito na sociedade dos
tsadikim ocultos e comecei novamente a viajar de cidade em cidade em várias
missões que a liderança da sociedade me confiava.
Antes de completar dezesseis anos, eu já tinha adquirido um significativo
conhecimento dos ensinamentos da Cabalá e ocasionalmente rezava
com as meditações místicas da tradição
Cabalista Luriânica, que aprendera com o sagrado e notável
tsadic oculto, Reb Chaim.
No meu 16º aniversário, 18 de Elul de 5474 (1714), eu estava numa
aldeia. O estalajadeiro local era um judeu simples que mal conseguia ler
as preces e ignorava completamente o significado de suas palavras; apesar
disso era extremamente devoto, e tinha o hábito de dizer a propósito
de tudo: "Bendito seja Ele para todo o sempre." Sua esposa,
a estalajadeira, repetia constantemente: "Louvado seja Seu sagrado
Nome."
Naquele dia, saí para meditar sozinho no campo de acordo com a
prática, instituída pelos antigos Sábios, de reservar
tempo no dia do próprio aniversário para a contemplação
reservada. Recolhi-me a mim mesmo, recitei capítulos de Tehilim
e meditei sobre as unificações dos Nomes Divinos como prescrito
nos ensinamentos da Cabalá.
Assim envolvido, eu estava completamente desligado daquilo que me cercava.
De repente, vi Eliyahu, o Profeta, de pé à minha frente,
um sorriso nos lábios. Na casa de Rebe Meir, e na companhia dos
outros tsadikim ocultos, eu tinha, algumas vezes, merecido a revelação
do Profeta Eliyahu, mas jamais por mim mesmo, portanto perguntei-me qual
o motivo da inesperada aparição. Eu também não
conseguia entender o significado do sorriso do Profeta.
Eliyahu disse-me: "Você está se trabalhando bastante,
investindo esforço e concentração para meditar sobre
as unificações dos Nomes Sagrados implícitas nos
versículos de Tehilim compilados por David, o Rei de Israel. Por
outro lado, Aaron Shlomo, o estalajadeiro e Zlateh Rivka, a estalajadeira,
desconhecem por completo as unificações que emergem das
expressões: 'Bendito seja Ele para todo o sempre', falada por ele,
e 'Louvado seja Seu sagrado Nome', dita pela estalajadeira. Mesmo assim,
estas palavras ressoam através de todos os mundos, ocasionando
uma comoção maior que aquela causada pelos mais notáveis
tsadikim."
O Profeta Eliyahu prosseguiu explicando-me o grande prazer que D'us deriva
das palavras de gratidão e louvor proferidas pelos homens, mulheres
e crianças, especialmente as pessoas mais simples, principalmente
quando isso é feito regularmente, refletindo uma fé pura,
um coração sincero, e um estado de perpétuo apego
a D'us.
Dali em diante, embarquei num novo método de servir a D'us: fazer
brotar expressões de louvor a D'us. Onde quer que eu fosse, conversava
com as pessoas, perguntando-lhes sobre a saúde, seus filhos, seu
trabalho, e todas replicavam com expressões de louvor ao Todo Poderoso
("Graças a D'us", "Bendito seja Seu Nome",
e outras), cada qual à sua maneira.
Durante muitos anos, continuei com esta prática. Numa conferência
de tsadikim ocultos, resolvi adotar este método de serviço
Divino, que por sua vez tornou-se o início de uma atitude que enfatizava
a importância do amor fraterno para com todo judeu, independentemente
de seu grau de conhecimento de Torá ou nível espiritual.