Nota do Editor: Alguns dos
nomes dos personagens nesta história real foram mudados para proteger
sua privacidade.
Antes que as nuvens
da guerra se adensassem sobre a Europa Oriental nos anos pré-nazistas,
era comum para os judeus nos países sitiados – cansados dos
pogroms, da pobreza e da falta de perspectivas – enviar seus filhos
aos Estados Unidos, onde oportunidades de uma vida melhor lhes acenavam.
Desde o início do século vinte, os pais raspavam seus rublos
para pagar pela longa e árdua viagem de seus filhos, que viajavam
sozinhos a bordo de navios periclitantes que ofereciam condições
desumanas e um destino incerto. Como as passagens para estas jornadas
traiçoeiras custavam uma pequena fortuna e representavam um pesado
fardo para as famílias empobrecidas, os pais geralmente embarcavam
seus filhos rumo à América um a um, em vez de mandá-los
todos de uma vez.
Conservavam, porém uma esperança e o sonho de que todos
os filhos cedo ou tarde pudessem chegar ao porto seguro que a América
representava, onde seriam depois encontrados pelos seus pais. Nesse ínterim,
as crianças permaneciam com parentes que cuidavam delas e as ajudavam
a esperar, às vezes durante meses ou anos. E algumas vezes estas
reuniões tão ansiadas terminavam por jamais acontecer.
Anya Gold foi a escolhida em sua família. Era a mais velha de oito
irmãos, e em 1930 seus pais, poloneses, disseram-lhe que era tempo
de ir. Tinham conseguido economizar o suficiente para apenas uma passagem,
e decidido que Anya seria a primeira a partir. Logo todos se juntariam
a ela, disseram.
Crescendo em Baltimore sob as asas protetoras de uma tia amorosa, Anya
esperou que a sua família chegasse. Isso jamais aconteceu.
Demorou anos para a família juntar dinheiro para outra passagem,
e a esta altura tinham sido
apanhados na teia de Hitler. Em Baltimore, no decorrer dos anos, Anya
tinha recebido cartas
ocasionais da Polônia relatando notícias da família
e as ocasiões especiais – bar mitsvá dos irmãos,
casamentos, o nascimento de seus sobrinhos. Ela esperava por estas cartas
com ansiedade, e saboreava cada uma delas. E então as cartas pararam
de chegar.
Anya temia pelo pior, mas foi somente depois da guerra que pôde
determinar conclusivamente o destino de sua família. Uns poucos
sobreviventes desgarrados de sua cidade na Polônia aportaram em
Baltimore no final da década de 1940, trazendo a notícia
que ela tanto temia ouvir: sua família inteira fora exterminada.
Todos tinham perecido nos campos.
Foi difícil continuar depois disso, mas até os sobreviventes
começaram a reconstruir suas vidas. A lembrança de sua família
queimava em sua mente, coração e alma, mas Anya sabia que
a melhor maneira de celebrar seu legado seria criando sua própria
família. Ela se casaria e teria muitos filhos, assim prometeu.
E cada um receberia o nome de um dos seus irmãos.
Anya de fato casou-se com um homem maravilhoso chamado Sol, e a vida a
dois era quase idílica. Eram realmente almas gêmeas, profundamente
apaixonados. Ansiavam por filhos – carne de sua carne, sangue de
seu sangue – mas nesta área, viram-se logrados. Era o único
espinho em sua união, que de outra forma seria perfeita. Não
conseguiam ter filhos.
Após muitos anos de tentativas, de consultas a especialistas em
todo o mundo, Anya e Sol enfrentaram a realidade da situação.
"Você gostaria de adotar" perguntou Anya a Sol certo dia
numa voz apelativa.
Anya tinha considerado esta opção por um longo tempo, mas
interiormente ela se rebelava. Não queria criar o filho de outra
pessoa. Desejava acalentar seu próprio bebê nos braços.
Não conseguia imaginar que iria sentir o mesmo por um filho adotado.
Porém, aparentemente não havia outro recurso. Eles jamais
teriam filhos naturais, os médicos tinham decretado – um
golpe de morte em suas esperanças e sonhos.
Seu marido tinha mais certeza. "Sim, vamos adotar" – insistiu
ele.
Entraram em contato com uma agência judaica em Nova York e foram
informados que acabara de chegar um bebê colocado para adoção
pela mãe adolescente. Viajaram a Nova York num entusiasmo crescente,
mas ao chegarem lá suas esperanças caíram por terra.
A encabulada funcionária da agência gaguejou umas desculpas.
"Sinto muito," – disse ele – "mas a avó
do bebê decidiu criá-lo, afinal."
A viagem deles teria sido um completo desperdício? "Sabem"
– disse a funcionária da agência – "na verdade
tenho uma garotinha maravilhosa, Miriam, que precisa desesperadamente
de um lar."
Miriam era adorável, mas já tinha oito anos. Embora Anya
e Sol relutantemente concordassem em conhecer a criança, e fossem
cativados pelo seu doce apelo, não aprovavam a sua idade. "Eu
queria realmente uma criança suficientemente novinha para conhecer
apenas a mim como sua mãe" – explicou Anya. "Desejo
um recém-nascido para acalentar em meus braços."
"Entendo" – disse a funcionária. "Porém
Miriam já passou por muita coisa em sua curta vida, e realmente
precisa de um lar amoroso."
"Desculpe, mas não" – disse Anya, sentida.
Passou-se um ano sem perspectivas. Anya tinha entrado em contato com diversas
agências nos Estados Unidos, mas um bebê era muito difícil
de encontrar. Enquanto isso, o intenso desejo de Anya por um filho estava
consumindo seu ser – uma dor faminta e vazia.
"Sabe" – disse ela ao marido certo dia – "talvez
tivéssemos sido muito rápidos em negar a adoção
de Miriam. Ela era realmente uma criança interessante. Alguma coisa
nela tocou meu coração."
Sol contemplou-a pensativamente. "Passou-se um ano inteiro"
– disse ele. "Você acha que ela ainda está disponível?"
Estava, disse-lhes a funcionária da agência pelo telefone.
"Não há muitos casais que aceitam uma criança
com nove anos" – explicou ela tristemente. "Portanto sim,
ela ainda está disponível."
"Mas há uma complicação" – acrescentou
ela. "Seu irmãozinho foi encontrado na Europa e juntou-se
a ela em nosso Lar Para Órfãos de Guerra. Os irmãos
são inseparáveis, e prometemos a eles que seriam adotados
juntos. Vocês considerariam uma dupla adoção?"
De volta a Nova York, Anya e Sol visitaram os irmãos e mais uma
vez, Anya sentiu-se atraída pelo jeitinho doce de Miriam. Seu irmão
de seis anos, Moshe, também era adorável. Anya e Sol entreolharam-se
em silêncio, telegrafando um mútuo consentimento. Vamos adotá-los,
diziam seus olhos.
De volta a Baltimore, Anya passou com as crianças pela soleira
da porta de seu novo lar, e estas olharam com assombro a mobília
da sala. O pequeno Moshe era tímido e contido, mas Miriam era aventureira
e curiosa, e moveu-se entusiasmada pela sala de estar, tocando os bibelôs
e objetos que adornavam a lareira e as mesas. De repente, estacou em frente
ao piano e seu rosto empalideceu. Apontou para uma fotografia. Numa voz
apertada, Miriam perguntou: "Por que você tem uma foto de minha
bubbe (avó) em cima do piano?"
"O quê?" perguntou Anya, confusa.
"Minha avó. Por que a foto de minha avó está
em cima de seu piano?"
Anya olhou para o retrato de sua falecida mãe. Sobre o quê,
em nome do céu, aquela garotinha estava falando?
Miriam correu para a única mala que trouxera consigo do orfanato.
De uma bolsa surrada, extraiu uma foto esmaecida e levou-a até
Anya. "Veja" – disse ela, apontando. "Tenho a mesma
fotografia, também. Minha avó."
"Minha mãe" – sussurrou Anya quase inaudivelmente.
"Quer ver uma foto de minha mãe?" perguntou Miriam. Correu
até a bagagem para retirar outra foto.
"Quer ver como ela era?" Entregou a Anya um retrato de alguém
que conhecia muito bem.
"Sara" – gritou Anya, enquanto sentia os joelhos fraquejarem.
"Como você sabe o nome de minha mãe?" perguntou
a menina confusa.
Sem saber, Ana adotara os dois filhos órfãos de sua irmã
falecida, Sara.
Eles eram carne de sua carne, sangue de seu sangue. Eles… pertenciam
a ela.