O Contador de Histórias Itinerante

  por Tuvia Bolton
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O fundador do Chassidismo, Rabi Israel Báal Shem Tov (também conhecido como Besht) era bastante versado nos segredos da Torá e da Criação. Conhecia também o maior de todos os segredos: qual é o propósito de cada homem neste mundo.

Aqueles que acreditavam completamente nele e seguiam suas orientações eram chamados Chassidim.

A cada um de seus chassidim, o Besht revelava sua tarefa na vida, e a um deles, o herói de nossa história, ele instruiu a tornar-se um contador de histórias itinerante. Deveria viajar de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, contando histórias sobre o Báal Shem Tov às pessoas.

Você saberá quando nossa missão for cumprida, acrescentou o Besht.

Pouco tempo depois, o Besht passou ao seu repouso eterno. Nos dez anos seguintes, o chassid crumpriu sua missão com diligência e disposição, vagando de cidade em cidade, relatando as "histórias do Báal Shem Tov" que testemunhara ou ouvira contar.

Certo dia, alguém lhe disse que havia um judeu rico em Vitebsk que chegava a pagar em dinheiro por estas histórias: dez rublos (uma fortuna na época) para cada nova, e cinco por aquelas que já conhecia, mais despesas de viagem. Era uma jornada de dois dias, mas para nosso herói pareciam apenas minutos. Ele conhecia muitas histórias e realmente precisava do dinheiro!

Quando chegou à luxuosa residência do homem, já era tarde da noite de quinta-feira, e ele estava tão cansado da viagem que queria somente dormir, mas sempre haveria um amanhã.

Porém acordou tarde na sexta-feira, e quando terminou as preces, já estava na hora de preparar-se para o Shabat; mas sempre haveria o Shabat.

Infelizmente, no jantar de Shabat naquela noite, por mais que tentasse, não conseguiu se lembrar de nenhuma história, nem uma sequer. Pensou que após uma boa noite de descanso, sua mente estaria mais afiada, mas isso não ocorreu. E no dia seguinte foi a mesma coisa: começava uma história e de repente havia um branco em sua mente.

Pensou que talvez estivesse ficando louco. Não importa o que fizesse, não conseguia resultados. Chegou até a permanecer por mais dois dias, mas era óbvio que algo muito estranho estava se passando; ele, que conhecia centenas de histórias sobre seu grande mestre, tendo ele próprio testemunhado várias delas, e tendo-as relatado incontáveis vezes no decorrer dos anos, não conseguia lembrar-se de uma sequer! Esquecera-se de tudo; não tinha outra opção, exceto, para sua vergonha, desistir.

O ricaço ficou muito desapontado mas, mesmo assim, acompanhou o chassid na carruagem que o levaria até o trem, pois talvez no último instante alguma história lhe viesse à mente; porém, isso não ocorreu.

Desceram da carruagem e caminharam até a estação onde o homem rico comprou a passagem do chassid, escorregou algumas moedas de prata em seu bolso para que ele não se sentisse completamente sem dinheiro, e acompanhou-o até o trem.

Então, no minuto em que colocou seu pé no primeiro degrau para entrar no vagão, lembrou-se…
"Uma história! Lembrei-me de uma história!" gritou.

"venha, entre novamente na minha carruagem" – disse o homem empolgado. "Por favor, não desperdicemos um instante!" Voltaram, entrara, sentaram-se um de frente para o outro e o chassid começou:

"Certa vez o Báal Shem Tov chamou dez chassidim (eu era um deles) e disse-lhes para entrar em sua carruagem pouco antes do Shabat. Eles não fizeram qualquer pergunta, pois estavam acostumados a tais viagens. Entraram e se sentaram e, como de costume, imediatamente sentiram como se a carruagem estivesse voando no ar, e minutos depois pousou.
Eles desceram e viram-se num local onde jamais tinham estado antes. Era uma grande praça em alguma cidade, completamente deserta. Até as lojas estavam todas fechadas, e a um lado havia uma plataforma ou púlpito, cercada por várias cruzes grandes e tochas ardentes, como se estivesse para acontecer alguma grande cerimônia da Igreja ao ar livre.

O Besht disse a eles que o seguissem enquanto rapidamente, deixava a praça, passando por algumas ruas tortuosas e em minutos passava pelos portões do que, obviamente, era o gueto judeu. Ele parou diante de uma das casas e começou a bater na porta, até que abriu-se um vão e alguém sussurrou freneticamente pelo lado de dentro.

'Está louco? O que está fazendo lá fora?!' Diversas trancas e cadeados estalaram, até que a porta se abriu e o proprietário fez um sinal desesperado para que todos entrassem, fechando tudo novamente atrás deles.

'Hoje é um dos terríveis feriados deles! O pior dos piores!' disse ele ofegante enquanto trancava as fechaduras o mais rápido que podia. 'Vocês estão com sorte! Daqui a alguns minutos a praça inteira ficará repleta de inimigos dos judeus, sedentos de sangue, e o próprio diabo, o Bispo Thaddeus, yemach shmo (que seu nome seja obliterado) fará seu discurso anual de Páscoa. Está cheio de veneno contra nós. Venham, sigam-me e arrumarei espaço para vocês em nosso abrigo subterrâneo. Venham! Não há um minuto a perder! Antes que eles comecem a ficar loucos!'
Porém o Besht voltou-se para um dos alunos e disse calmamente: 'Volte para a praça e quando o bispo começar a falar, vá até o palco, puxe a túnica dele, e diga-lhe que quero falar com ele urgentemente.'

O dono da casa ficou chocado! Observou com os olhos arregalados que o chassid começava realmente a destrancar as fechaduras, abrindo a porta e esgueirando-se para fora. Ele não sabia se deveria fechá-las novamente ou não, pois jamais vira algo assim em toda sua vida! Era como ver alguém entrar numa fornalha ardente!

Já fora da casa, o chassid voltou pelas ruas tortuosas até chegar à praça. Esta já continha milhares de pessoas, e havia mais, chegando em silêncio de todos os lados. Um silêncio frio e estranho pairava no ar, e começava a escurecer.

O bispo subiu ao palco como se surgido do nada, e postou-se perante a multidão com suas brilhantes vestes púrpuras e chapéu vermelho pontudo. A luz das tochas dançava estranhamente, fazendo reluzir a enorme cruz que pendia de seu pescoço. Para tornar as coisas ainda piores, o fogo das tochas e as enormes cruzes que cercavam o tablado lembravam o chassid das histórias que ele ouvira sobre a Inquisição. Mas ele afastou da mente aqueles pensamentos, esperou que o bispo começasse, fechou os olhos por um instante, sussurrou Shemá Israel e, com a cabeça baixa, começou a abrir caminho até o pódio.

Para sua surpresa, ninguém o notou. Estavam tão interessados no bispo que simplesmente se afastavam e abriam caminho para ele, e antes que percebesse, ele já chegava lá na frente. Respirou fundo, recitou outro Shemá Israel, agarrou a túnica do bispo e puxou-a duas vezes.
O bispo estava justamente começando a falar, quando sentiu um puxão na roupa, e olhou para baixo. Ficou surpreso, ultrajado, seu rosto tornou-se lívido com a ira,, mas antes que pudesse fazer um som, o chassid olhou-nos dentro dos olhos e disse: 'Meu mestre e professor, Rabi Israel Báal Shem Tov, deseja vê-lo, e diz que o senhor deve vir com urgência.'

A face do bispo empalideceu subitamente, e seus olhos abriram-se como se estivesse com medo. 'Agora não!' sussurrou após alguns minutos de perplexidade. 'Diga-lhe que agora não posso ir. Mais tarde! Diga-lhe que irei mais tarde. Agora vá!'

Miraculosamente, toda a multidão estava de pé como se formada por estátuas hipnotizadas, e ninguém percebeu o que se passara. O chassid, então, voltou pelo mesmo caminho até o Besht, convencido de que cumprira sua missão.

Mas o Besht não ficou satisfeito. 'Volte lá e diga ao bispo que se ele não vier agora, será tarde demais.'

Sem hesitar, o chassid voltou e fez o que lhe era ordenado. Deixou a casa, voltou à praça, abriu caminho no meio da turba e puxou a túnica do bispo exatamente como fizera antes.

Porém desta vez, quando o bispo ouviu a mensagem do Besht, ficou realmente surpreso. Deu alguns passos para trás, colocou as mãos na cabeça e então, voltando o rosto para o céu, gritou para a multidão: 'Estou recebendo uma mensagem do Senhor! Preciso ficar sozinho!'

Fez sinal ao chassid para partir, observou-o enquanto este caminhava para o bairro judaico e então ele próprio desceu do tablado pela parte de trás, rumando para a mesma direção com o chapéu debaixo do braço.

Minutos depois, estava com o chassid em frente da casa no setor judaico. Diga a ele para remover as cruzes antes de entrar, disse o Besht pelo lado de dentro. O bispo assim o fez e ao entrar na casa viu a face do homem santo, caindo ao chão e começando a chorar como uma criança!

O Báal Shem Tov voltou-se aos outros e explicou: 'Este homem nasceu judeu. Chegou até a ter bar mitsvá. Mas logo depois foi atraído à Igreja e terminou por tornar-se o anti-semita que é hoje. Eu vi no céu que hoje era a ocasião propícia para trazê-lo de volta ao seu juízo.'

Depois que o bispo parou de chorar, o Besht disse-lhe para se levantar e segui-lo a um aposento separado, onde fecharam a porta e conversaram por vários minutos. Ninguém sabe o que foi dito ali dentro, mas em seguida o bispo saiu vestido com outras roupas, deixou a casa e ninguém o viu desde então. E este é o final da história."

O chassid contemplou o homem rico e viu que este estava sorrindo com alegria; ele gostara da história. Gostara tanto que tinha colocado as mãos sobre os olhos e as lágrimas começaram a rolar por seu rosto. Estava chorando, soluçando de pura felicidade.

"Esta é a história pela qual eu estava esperando" – disse ele.

Enxugou os olhos, olhou para o chassid e continuou: "Eu sou o bispo da sua história. O Báal Shem Tov disse-me naquele quarto para viver uma vida de arrependimento, até que alguém viesse me contar a minha própria história. Agora sei que minhas preces foram aceitas por D'us."


Um professor popular, músico e contador de histórias, Rabi Tuvia Bolton é co-diretor e veterano conferencista da Yeshivá Ohr Tmimim em Kfar Chabad, Israel. 
       
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