Procurando um farbrenguen

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  por Rabi Yitschac Kagan
 

Chego até meu teclado. Relanceio os olhos ao relógio – 10:30 da noite. Estou cansado. Tenho de explicar o que é um farbrenguen. Como é possível fazê-lo apenas com palavras? Mão no mouse.

Olhos na tela. Judaísmo. Clique. Chassidismo. Clique. Chabad. Clique. Tudo bem, e agora? Vejamos… História, não. Literatura, não. Estilo de Vida, talvez. Clique. Farbrenguen… Bingo!
Fazendo o texto rolar tela abaixo, meus olhos se arregalam. Uau! Há muito material aqui. Citações, citações e mais citações… Farbrenguen.

Definição: "Uma reunião chassídica. Vem do verbo "farbreng" (passar tempo bem aproveitado com os amigos). Para o equivalente em hebraico antigo, compare o Midrash em Bamidbar 29:35: Durante os sete dias de Sucot no Templo Sagrado, setenta sacrifícios eram oferecidos em nome da setenta nações do mundo.

"Em contraste, no oitavo dia um único boi e carneiro eram oferecidos, representando a nação solitária – Israel. Isso pode ser comparado a um rei que convidou todos os cidadãos do país para uma festa de sete dias. Depois dos sete dias, o rei volta-se a seu amigo mais querido e diz: ‘Já cumprimos nossa obrigação com o povo. Venha, vamos farbreng (bo ne'galgel), só você e eu juntos, com a comida que sobrou.’"

Hummm, eu gosto daquela imagem do rei dizendo: "Vamos farbreng, só você e eu." Ela ajuda a explicar a definição genérica do dicionário para farbrenguen como "passar o tempo". Porque num farbrenguen, o que conta é estar lá. Penso sobre os dois chassidim idosos que começaram seu farbrenguen servindo-se de um dedinho de vodca, depois cantaram melodias sentimentais e simplesmente olhavam um para o outro para transmitir suas profundas emoções.


Aquilo que se aprende na sala de aula é guardado na mente; aquilo que se aprende num farbrenguen é gravado na alma.

De volta à minha tela. O farbrenguen é onde os paradoxos do espiritual e do físico, do humano e do Divino são processados até uma realidade lógica. Numa tradição cujos primórdios remontam ao Báal Shem Tov, em meados do século dezoito, o farbrenguen tem servido como um meio informal para comunicar os ideais chassídicos e explorar sua aplicação prática.

Cada um vem em ajuda do amigo [Yesha'yáhu 41:6]. Cada um se preocupa com os assuntos do outro como se fossem os seus, compartilhando as alegrias do outro com profunda sensibilidade, e compartilhando – quando necessário, D’us não o permita – aquilo que é menos alegre, transmitindo força e encorajamento [Rebe Rayatz].

Ajudar um ao outro. Amizade. Fraternidade. Calor. O zum zum zum do farbrenguen. A princípio, não gostei da definição "passar tempo bem aproveitado com amigos," pois os farbrenguens estão abertos a qualquer pessoa. Mas pensando melhor, quando um farbrenguen se anima, é estranho como você começa a considerar todos à volta da mesa como amigos íntimos.

Estou olhando fixamente para a tela… "Aquilo que se aprende na sala de aula é guardado na mente; aquilo que se aprende num farbrenguen é gravado na alma" [I. M. Friedman].

"Discussão jovial, animada por espírito mordaz e humor seco, segue entremeada por uma efusão de melodias chassídicas em estados de espírito que variam da reflexão melancólica ao júbilo ardente. As discussões são tipicamente francas e ingênuas, sem preocupação pelas convenções da diplomacia" [Wellsprings, 1994, Baila Olidort].

Isso vai ser difícil. Preciso de algo mais além de meus talentos de escritor. o farbrenguen é uma experiência multidimensional. Uma dimensão é fraternidade/conexão/calor. Outra é educação/inspiração. A terceira é orientação/censura. A quarta é a autodescoberta. A quinta dimensão… Lutando para encontrar uma palavra para ela, regozijo-me com as quatro paredes: "Vamos chamá-la de lançamento ao espaço; escapando da gravidade da terra."

Na Universidade McGill nos anos 60, Professor Yossef, um chassid de Chabad, estava promovendo uma reunião para os alunos, tentando explicar o que é um farbrenguen. Ele evocou sua juventude na Rússia nos anos 40. Embora sua família fosse chassídica, ele se matriculara na universidade. Entretanto, continuou a freqüentar o ambiente chassídico e oscilava entre os dois mundos. Certa vez, esgueirou-se até as últimas fileiras de um farbrenguen apinhado, tentando não chamar atenção enquanto escutava o chassid idoso que estava falando. Tarde demais! O chassid idoso o avistou. "Yossel, venha aqui. Preciso de sua ajuda. Diga-me, como você traduziria a frase mishnaica: 'Az panim le'Gehinom' boshet panim le'Gan-Eden?' O impotente Yossef respondeu baixinho: "O insolente está destinado ao Guehinom, mas o tímido está destinado ao Paraíso."

"Yossef, você entendeu errado" – disse gentilmente o chassid mais velho. "É este o significado:
'Aquele que é descarado e insolente sobre seu judaísmo pode manter este judaísmo mesmo no inferno de Stalin (Guehinom). Mas aquele que é envergonhado precisa de um paraíso para ser judeu." Trinta anos tinham se passado. Mesmo assim essas palavras estavam gravadas para sempre na mente e no coração do Professor Yossef.[I. M. Friedman].

Já falei sobre as três primeiras dimensões do farbrenguen. Agora, quanto ao quarto aspecto?

Minha cara cai. Não há nada na tela sobre autodescoberta em um farbrenguen. Fecho os olhos. Há um pensamento fugidio que estou tentando agarrar. Na yeshivá, costumávamos chamar os goles de L'Chayim de "removedor de esmalte." A idéia era que um farbrenguen dissolvia seu polimento social e favorecia a honestidade rígida. Às vezes, no auge emocional de um farbrenguen, passa pela sua mente que você na verdade transformou-se em uma outra pessoa. Mas isso é somente porque você dificilmente encontra seu verdadeiro "eu." O que aconteceu, na verdade, é que você tornou-se… você!


No farbrenguen as melodias possibilitam à pessoa transportar-se para um outro tempo e lugar, bem longe do aqui e agora.

De repente, vejo-me murmurando um melancólico nigun. Mais que qualquer outro aspecto do farbrenguen, as melodias realmente possibilitam à pessoa transportar-se para um outro tempo e lugar, bem longe do aqui e agora. Esta é a quinta dimensão – escapar da atração da terra.

Meus dedos procuram o mouse. Algumas estrofes de um nigun expressam uma efusão da alma em um estilo de amor e desejo de aproximação. Outros expressam aquele derramar de emoção ao estilo de reverência e entusiasmo. "Qualquer que seja o estilo, o nigun e farbrenguen elevam e transportam os chassidim a novas alturas" [Rebe Rayatz, Cartas nš 3.385].

Estou cantarolando novamente, dessa vez uma melodia animada. Agarrando o fone, disco o número. Enquanto espero que meu amigo atenda, desligo o computador. "Mendel! Estamos fazendo um farbrenguen em casa. Sim, sei que já é meia-noite. Sim, eu sei que sou louco. Venha logo." Mais telefonemas se seguem. Nesse ínterim, grito um aviso para minha esposa. "Sara! Alguns dos rapazes estão vindo aqui para farbreng. Não, não se trata de aniversário. Explico outra hora. Não se preocupe, limpo tudo pela manhã."

A cordialidade foi incrível. Há muito tempo eu não me sentia desse jeito. Um braço em torno do ombro de Mendel, nós balançamos em uníssono num nigun que nos envolveu e arrebatou dos pés à cabeça. Os olhos cerrados, úmidos, nós dois estávamos em um farbrenguen com o Rebe há dez anos, e o Rebe estava sorrindo.

Esquecido a um canto, o computador permanecia em silêncio sobre a mesa, sua tela escura.

       
   
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