Os judeus da Tunísia

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Ibrahim e Rafael tinham sido parceiros nos negócios por muitos anos. Ibrahim, que vivia na cidade tunisiana de Kairoan, onde o solo era excelente e o preço dos produtos baixo, era o fornecedor atacadista de trigo e cevada para Rafael. Este então revendia o cereal em sua cidade de Túnis, já que em Kairoan era proibida a entrada de judeus.

Embora Ibrahim fosse aparentemente agradável e educado para com Rafael, por dentro ressentia-se de seu sucesso. Certo dia, Ibrahim apareceu com um plano. "Estou ficando muito velho para este negócio" – disse a Rafael. "Por que você não vai a Kairoan e compra você mesmo o cereal? Eu lhe direi aonde ir e o apresentarei às pessoas certas."

Rafael contemplou com surpresa o parceiro. "Mas você sabe que é proibido para um judeu pôr o pé em Kairoan…"

"Bobagem!" Ibrahim assegurou-lhe com um gesto da mão. "Você fala árabe fluentemente. Se vestir-se como um de nós, ninguém jamais saberá que é judeu."

Num passado não muito distante, Kairoan tinha sido um centro agitado de vida judaica. Com seu solo fértil e infra estrutura comercial bem desenvolvida, a cidade fora um posto importante ao longo da rota de comércio norte africana. Na verdade, houvera tantos mercadores judeus em Kairoan que eles tinham formado a espinha dorsal da economia da cidade. Os árabes chegaram a criar uma frase irónica a esse respeito: "Uma praça de mercado sem judeus é como um juiz sem testemunhas…"

Aos poucos, no entanto, os muçulmanos tinham começado a tornar a vida difícil para seus vizinhos judeus. Muitos judeus simplesmente abandonaram suas casas e lojas, para estabelecer-se noutro local. Porém, nem mesmo isso foi suficiente; eles declararam Kairoan uma cidade 'sagrada" e proibida a qualquer judeu. A lei já perdurava por várias gerações.

Apesar de algumas apreensões, Rafael concordou com o plano. Vestiu-se como árabe e passou, fingindo indiferença, pelos portões de Kairoan. Ibrahim apressou-se a levar o judeu até uma estreita viela sem saída.

"Fique aqui. Volto logo" – disse-lhe Ibrahim. Poucos minutos depois, voltou com dois policiais. Ali está ele, o judeu desprezível que ousou pisar em nossa cidade sagrada!" gritou ele, apontando para Rafael.

Quando Rafael se deu conta que seu amigo o tinha traído, suas mãos e pés já estavam acorrentados. Os policiais o atiraram numa cela sombria.

Durante três noites e três dias, Rafael mofou em sua cela sem que ninguém aparecesse para ver se estava vivo. Felizmente, ainda tinha consigo sua mochila, e pôde comer alguns alimentos que trazia.

A sua quarta noite na prisão era Shabat. Depois de fazer kidush sobre o último pedaço de pão, Rafael começou a entoar zemirot, as tradicionais canções do Shabat. Lágrimas rolavam por suas faces, ao pensar em tempos e circunstâncias mais felizes. Quando terminou de cantar, começou a recitar os Salmos, que sabia de cor.

De repente, houve um som farfalhante vindo da porta de entrada. Rafael prendeu a respiração, assustado demais para respirar. Um minuto depois, pôde discernir uma estreita faixa de luz ao lado do aposento. Quando foi até lá para investigar, descobriu que a porta estava um pouco aberta. Com um leve empurrão, abriu-se totalmente.

O coração aos pulos, Rafael esgueirou-se para fora e começou a correr o mais rápido que podia, passando pelas ruas escuras. Quando, porém, lembrou-se que estava vestido como árabe, diminuiu o passo para não despertar suspeitas. Na manhã seguinte, estava de novo em casa, na cidade de Túnis.

Rafael sabia que sua vida ainda corria perigo; a polícia com certeza viria atrás dele ao perceber que tinha escapado. Decidiu aconselhar-se com o Rebe Yeshua Bassis de Túnis. "Volte para casa e espere lá" – o Rebe tranquilizou-o. "Tudo dará certo."

Ora, naquela época o governante da Tunísia era Chamuda Pasha, um líder sábio e equilibrado que não dava atenção à provocação dos muçulmanos contra os judeus. Pelo contrário, era grato pela contribuição dos judeus à sociedade, e considerava Rabi Yeshua seu amigo pessoal. Quando Rabi Yeshua contou a Pasha o que tinha acontecido com Rafael, ele emitiu imediatamente uma ordem para que "o judeu rebelde que ousara entrar em Kairoan" fosse levado até ele.

Poucos dias depois, a polícia foi forçada a admitir a derrota. Constrangidos por sua incompetência, foram até o Pasha de mãos vazias. Naquele mesmo instante o Pasha mandou buscar Rafael, que esperava na sala ao lado. O Pasha declarou a sua chocada audiência "D’us fez um milagre e libertou-o da prisão. Sem dúvida, foi também um sinal de que Ele deseja que os judeus retornem a Kairoan…"

O decreto contra os judeus foi rescindido, e nunca mais os judeus da Tunísia sofreram restrições quanto ao lugar em que teriam de viver.

       
   
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