O ovo cozido

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Alguns súditos do Rei David estavam numa festa onde serviram ovos duros. Um homem, aparentemente esfomeado, comeu rapidamente seus ovos e sentiu-se sem jeito de estar sentado ali, diante de um prato vazio. Por isso, sussurrou ao homem sentado do seu lado, pedindo que lhe emprestasse um de seus ovos.

Aproveitando-se do problema do vizinho de mesa, o homem disse que lhe emprestaria o ovo, mas com a condição de que prometesse pagar-lhe, não simplesmente com o ovo, mas com todos os lucros que o ovo poderia vir a lhe trazer a partir daquele momento, até o dia em que o empréstimo deveria ser pago.

O pobre sujeito, diante do prato vazio, não podia pensar em mais nada a não ser no seu problema imediato e prontamente prometeu atender à exigência do homem. Pouco depois ele já esquecera do caso.

Passaram-se alguns anos desde que aquela transação tivera lugar e um dia aquele homem, seu vizinho de mesa, apareceu exigindo o que era de seu direito. Começou a especificar a conta da dívida:

"O ovo teria sido chocado e produzido um pinto; o pinto teria crescido e botado, digamos, dezoito ovos no primeiro ano. Esses ovos teriam sido chocados para darem dezoito pintos cada um, que, por seu turno, teriam botado mais dezoito ovos cada, no segundo ano. No terceiro ano…" [e assim por diante]. Concluindo as contas, o vizinho reclamou o pagamento de toda a fortuna que ele teria juntado naquele período, de acordo com o trato.

O pobre homem que se metera em uma encrenca sem tamanho; ficou horrorizado e não sabia o que fazer para encontrar uma saída a fim de solucionar o problema. Finalmente, concordaram em levar sua disputa diante do Rei David.

Como o homem que reclamava o pagamento da dívida tivesse trazido duas testemunhas para confirmar o caso, e também o devedor não negasse o trato, o Rei David declarou que o devedor não tinha outra alternativa a não ser pagar.

Derrotado e humilhado, o devedor deixou a corte do rei, pensando quanto tempo levaria para pagar a dívida. Subitamente, sentiu que alguém tocava na sua manga e quando olhou, viu o filho do rei, Salomão.

Salomão ainda era um menino, mas interessava-se vivamente no processo de cada caso que era trazido diante de seu pai. Gostava de ficar sentado perto da porta da sala do tribunal e escutar seus sábios julgamentos. Esse caso especial prendera sua atenção até o fim e a decisão do pai o havia surpreendido. O olhar de sofrimento do pobre devedor comoveu o coração do jovem Salomão que lhe ofereceu um conselho:

"Vá ao mercado e compre um pouco de ervilhas. Leve-as para casa, ferva-as e seque-as. Amanhã, vá até a beira da estrada por onde meu pai passará com o seu séquito; quando estiverem passando, comece a semear no campo estas ervilhas cozidas. Eles forçosamente o observarão a semear em pleno tempo de colheita e quando lhe perguntarem o que está plantando, responda: ‘Estou plantando ervilhas cozidas!’

"Eles naturalmente rirão de tão ridícula idéia e é aqui que você deve aproveitar a oportunidade para dizer bem alto, de modo que meu pai ouça: ‘E como é possível que um ovo cozido seja chocado e desenvolva um pinto?!’ O rei então compreenderá que cometeu um erro e inverterá o veredito a seu favor!"

De fato, quando o Rei David passava pela estrada, reparou no homem semeando; mandou buscá-lo e perguntou-lhe o que estava plantando.

"Ervilhas cozidas, Majestade", respondeu o homem, sério.

"E espera que essas ervilhas cozidas produzam alguma coisa?" perguntou o rei, rindo.
"Se um ovo cozido pode produzir um pinto, por que ervilhas cozidas não podem se frutificar?" respondeu o homem.

O sorriso se apagou da face do rei. Lembrou-se do caso que lhe fora exposto no dia anterior e compreendeu o erro que cometera. Imediatamente, mudou a sentença e dispensou o homem de quaisquer pagamentos ao seu credor, a não ser o valor do ovo que havia sido emprestado.
O Rei David compreendeu que aquele homem simples não podia ter inventado um plano tão inteligente e percebeu que deveria ter sido obra do seu sábio filho, Salomão; amou-o mais ainda por isso.

O povo admirou a justiça do Rei David e muito mais a bondade e profunda sabedoria do jovem Salomão, seu futuro rei.

       
   
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