O imperador que queria ser D’us

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O imperador Adriano era um dos mais poderosos do antigo império romano. Conquistou várias nações, uma após a outra, sem derrotas. Não admira que seu orgulho tenha se inflado com tanto poder. Todos ajoelhavam-se caindo a seus pés; dos humildes aos mais poderosos. Seu menor capricho era imediatamente atendido por aqueles que se encontravam ao seu redor.

Certo dia, ao retornar de uma bem sucedida campanha contra seu último inimigo, Roma o recebeu freneticamente, saudando sua vitória. Enquanto era conduzido em sua carruagem puxada por magníficos cavalos negros e brancos ornamentados, o poderoso imperador pensava:

"Por que devo pagar tributo a outros deuses? Não sou o maior, mais poderoso, respeitado e temido homem na terra, melhor que qualquer um deles?"

Quando retornou ao palácio, este pensamento já havia tomado conta de sua mente. Imediatamente mandou chamar seus conselheiros e astrólogos e lhes disse que seu último grande triunfo servia de prova irrefutável de que dotava de poderes sobre-humanos, e havia chegado o momento em que deveriam proclamá-lo oficialmente como um ser divino.

Seus astrólogos eram muito astutos. Compreenderam que caso não encontrassem um bom argumento, dificilmente poderiam resistir a esta ordem do imperador. Trocaram idéias entre si e lhe disseram que havia ainda uma pequena nação a qual ele não havia dominado, visto que mesmo estando sob o governo romano, nunca havia sido verdadeiramente conquistada, pois era espiritualmente livre. Essa nação, disseram eles, era o povo judeu e seu coração não estava em Roma, mas em Jerusalém. Mas o preveniram que não seria tão fácil como poderia supor, subjugar esta nação, pois o D’us deles era mais poderoso do que todos os outros que não foram capazes de proteger suas nações contra Adriano. Esse D’us era invisível e jamais permitiria que Seu povo fosse destruído.

A maldade de Adriano foi despertada: esmagar esta pequena nação. E imediatamente resolveu colocar em prática sua sinistra intenção. Mas D’us desta vez permitiu que Jerusalém fosse destruída, pois já havia planejado punir a nação judaica por recusar a obedecer Suas ordens e usou Adriano como instrumento de Sua ira contra Israel.

A campanha militar do imperador foi bem sucedida e agora ele estava convencido, mais do que nunca, de que qualquer poder no mundo não poderia detê-lo.

Novamente retornou a Roma, confiante em que seus astrólogos sábios não teriam mais desculpas em adiar sua proclamação como deus.

Contava Rabi Berachyá: Adriano tinha três filósofos. O primeiro lhe disse:

"’Ninguém se rebela contra o rei no seu próprio palácio’. Céu e terra são o palácio de D’us, o D’us de Israel. Se fores capaz de sair do céu e da terra, então provarás de fato que és realmente Divino!"
O segundo filósofo disse:

"Isto é impossível, porque o Profeta Jeremias falou: ‘Os deuses que não fizeram os céus e a terra perecerão da terra e de sob os céus!’"

O terceiro filósofo foi ainda mais sútil do que seus colegas. Não disse diretamente a Adriano que ele não podia ser um deus, mas perguntou ao imperador se poderia ajudá-lo a solver um dilema.
"O que queres que eu faça por ti?" perguntou Adriano, confiante e cheio de si de que nada no mundo estaria fora de seu controle e alcance.

"Bem Majestade, investi todas as minhas posses na compra de mercadorias de alguns países e o navio que transporta meus bens ficou parado por causa da calmaria em alto mar, há milhas daqui. Por favor Majestade, salva-me da ruina certa!"

"Nada mais fácil!", replicou o imperador. "Mandarei alguns navios e soldados até a sua embarcação e a trarão de volta com segurança."

"Mas, meu caro senhor", disse o sábio, "se és realmente divino, não precisas incomodar a poderosa marinha do império romano. Basta o senhor enviar um pequeno vento que este mandará meu barco a um porto seguro!"

"Tolo!", respondeu o imperador, irritado. "Onde queres que eu ache um vento nesta época do ano? Não existe nem a mais leve brisa!"

"Se não consegues ter o domínio sobre os ventos, meu senhor, receio que não possamos proclamar-te deus. Pois Isaias, o Profeta judeu disse: ‘Aquele que criou o universo, manda nas almas e nos ventos.’"

O imperador ficou profundamente magoado e desapontado com a recusa daqueles homens de sua inteira confiança em atender ao seu maior desejo. Dispensou-os irritado e entrou em seus aposentos, onde sua esposa o aguardava para saudá-lo pela primeira vez após a última conquista. Ela lançou-lhe um olhar e disse admirada:

"Meu caro marido, quem se atreveu a causar-lhe tristeza ou preocupação? O imperador dos romanos não é o mais poderoso e o maior homem do mundo? Existe alguém que não queira atender a todas as suas vontades, voluntariamente?"

Adriano então contou à sua esposa seu desejo de ser proclamado deus e a recusa dos astrônomos e filósofos do palácio em atendê-lo; ademais, ele não tinha resposta para os seus argumentos.

Quando a esperta mulher escutou suas palavras, compreendeu que seria preciso fornecer-lhe uma prova mais convincente, a fim de que ele compreendesse a impossibilidade daquele pedido. Disse então:

"Ora, penso que os teus astrólogos e filósofos são grandes tolos e não sábios. A única coisa que impede de te tornares um deus é a tua dívida. Um deus não pode dever nada a ninguém."
"Minha dívida!" exclamou Adriano espantado. "Diga-me qual é! Certamente possuo meios para pagar qualquer dívida!"

"Tudo o que tens a fazer, meu amado marido, é devolver o penhor que o teu Criador te confiou."
"Que penhor?" perguntou atônito o imperador.

"Bem, D’us te deu uma alma para cuidar e guardar enquanto estiveres vivo."

"Mas mulher, como podes sugerir algo tão tolo? Tu, que és a mais bela e inteligente esposa que qualquer homem já teve! Se eu devolvesse minha alma, certamente morreria!"

"Neste caso," lamentou a imperatriz, "se não és de fato dono da tua alma, então és um mortal como todos nós. Que pena!"

       
   
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