Um ser humano exemplar

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  Por Feige Chana Benjaminson
 

Meu pai, Moshe Gottlieb, nasceu há setenta anos. Cresceu no Lower East Side de Manhattan, e estudou em yeshivot, na área de Nova York. Em 1954, casou-se com minha mãe, Sheila Felcher, uma professora e artista.

Quando eu tinha quatro anos, meu irmão de sete foi diagnosticado com asma. Papai convenceu-se de que a quiroprática poderia ajudar meu irmão, e decidiu tornar-se um quiroprático. Abandonou um bom emprego no comércio de peles da família, empacotou tudo e mudou-se para a Califórnia, para estudar na melhor escola de quiroprática.

Em 1972, levou a família a Israel pela primeira vez. Meus pais apaixonaram-se imediatamente pela Terra Santa. Seis anos depois, enquanto eu estava estudando em Kfar Chabad, Israel, meus pais decidiram então que Israel era seu verdadeiro lar. Voltaram à Califórnia, empacotaram seus pertences, venderam a casa e fizeram aliyá (lit. subiram) para Israel. Viveram felizes pelos próximos 23 anos, no bairro de Gilo, em Jerusalém.

Papai desejava continuar seu trabalho como quiroprático. Aos poucos, ele adquirira prática no tratamento de todos os tipos de pacientes. Evoluiu de quiroprático tradicional para quiroprático holístico, incorporando muitos métodos alternativos de cura. Trabalhou bastante com cinesiologia e reflexologia. Graças a D’us ele foi abençoado com habilidades especiais para a cura de diversas doenças; as pessoas vinham de longe para tratar-se com ele.

Meu pai tinha algo que não se vê muito em médicos hoje em dia… aquele jeitinho de doutor ao pé da cama. Ouvia atentamente a história de cada pessoa. Exalava calor e empatia, e preocupava-se com cada paciente como ser humano.

Durante os últimos anos, ele tratou muitas crianças com Síndrome de Down e crianças hiperativas. Esta tornou-se sua especialidade, e estes eram seus pacientes especiais e mais queridos.

Papai levantava-se todas as manhãs às 3 e meia da madrugada. Estudava Torá e então preparava uma aula de Mishná que dava em iídiche a imigrantes russos. Ensinava das 5 às 6h, e depois rezava o Serviço matinal com o minyan. Às terças e quintas, meu pai fazia trabalho voluntário. Saía de casa às terças-feiras às 7h30 para ir a Tel Chai, um lar para pacientes com doenças crônicas. Cuidava regularmente de uma senhora na casa dos trinta, que vivia em estado vegetativo há 13 anos. Ela era alimentada por tubos no estômago. Papai fez ajustes quiropráticos que aliviaram visivelmente seu sofrimento. Quando Papai ia visitar-nos em Nova York, sempre comprava novos tubos de alimentação para levar para ela, pois não eram fáceis de encontrar em outros lugares.

Dali ele se dirigia a um hospital para deficientes físicos, chamado Aleh. Depois do Aleh, Papai pegava um ônibus até Bnei Brak, onde tratava uma família com filhos deficientes. Estes adoravam quando ele chegava. Papai foi à casa deles todas as semanas, durante treze anos. Não somente jamais cobrou esta família pelas visitas, como também levava presentes para as crianças.

Aos 70 anos, quando muitos de seus colegas estavam se aposentando, meu pai estava tratando cada vez de mais pacientes. Quando seu rabino perguntou por que ele não diminuía o ritmo, ele replicou: "Como poderia, quando tantas pessoas precisam de minha ajuda?"

Meu pai apoiou diversas instituições, como Bayit L'pletot (orfanatos para meninas) e Chabad de Gilo. Ele sustentava algumas famílias com estipêndios, para que os maridos pudessem continuar seus estudos avançados de Torá. Ajudou a construir e sustentar a sinagoga em Gilo, onde era o gabai. Ele estava lá para abrí-la e fechá-la, todos os dias. Fazia caridade a várias instituições, todos os meses. Se eles não viessem buscar o cheque, ele lhes levava o dinheiro.

Mesmo quando nos visitava em New York, meu pai continuava ajudando as pessoas. Eu marcava consultas para pacientes, que ele tratava em minha casa. Quando lhe perguntavam sobre seus honorários, ele respondia: "Apenas faça um donativo para Tsivot Hashem." (Nota do Editor: Organização internacional para crianças judias, dirigida pelo genro de Dr. Gottleib). Ele e minha mãe viviam simplesmente, com as economias que fizeram enquanto ele trabalhava nos Estados Unidos. Seu único luxo, se é que se pode chamar disso, eram as viagens que faziam aos Estados Unidos para passar algum tempo com minha família.

Tudo estava bem até aquela fatídica terça-feira, 18 de junho, 8 de Tamuz, quando Papai se dirigia para um de seus costumeiros atos de chesed (bondade). Ele saiu de casa às 7h30, como sempre fazia, e desceu a rua principal para apanhar o ônibus 32. Sempre tinha consigo livros judaicos e Tehilim para estudar durante a longa viagem de ônibus. Ele não costumava desperdiçar tempo. Cada momento seu era repleto de Torá e mitsvot (mandamentos).

Papai subiu no ônibus. Às 7h40, houve uma grande explosão. Minha mãe, que esteja com saúde, estava no telefone com uma amiga. Ela olhou pela janela e viu uma grande bola de fogo. Ligou o rádio. A princípio, disseram que era um outro ônibus, mas depois confirmaram que era o ônibus de meu pai. Ela começou a ligar para os hospitais, para ver se havia uma lista de feridos. Ela sabia que meu pai tinha acabado de sair. Ele não possuía um celular. Ela telefonou para o primeiro lugar aonde ele geralmente ia, Tai Chai, mas mesmo uma hora mais tarde, ele não havia chegado.
Todos começaram a procurar meu pai.

Na manhã seguinte, descobri que Papai tinha sido morto por uma bomba terrorista, juntamente com 17 outras pessoas. Viajei a Israel com meu marido para o funeral. Durante a semana de shiva, as pessoas contavam lindas histórias, uma após a outra, sobre como Papai as tinha ajudado. Cada qual fazia a mesma pergunta: Quem ficará no lugar dele?

Meu pai era um ser humano exemplar, e um belo judeu. Levava muito a sério a Torá e mitsvot, rezar com um minyan, fazer caridade e, especialmente, sua obra de chessed.

Que sua memória seja uma inspiração para todos nós, e que tenhamos o mérito de vê-lo em breve novamente, com a vinda de Mashiach.

       
   
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