Kano

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por David Ben-Dor, de B'Or Ha'Torá

 

Você sabe onde fica Kano? Consulte o mapa da Nigéria na África Ocidental. Outono de 1963. Mas num clima de calor eterno, na fronteira com o Deserto do Saara, quem sabe se é outono ou primavera?

Apenas os abutres estão no alto, voando em círculos, pousando nos telhados baixos de sapé, esperando para descer em algum quintal e apanhar um pedaço de carne abandonada. O avião parte somente daqui a três dias. E eu ainda preciso fazer minhas visitas ao mercado desta cidade muçulmana, onde todos, exceto eu, se prostram toda vez que um maioral passa montado, a túnica esvoaçante, em um cavalo negro como carvão.

O sol é escondido por nuvens de areia que sopram do Saara, limitando a visão a uns poucos metros. Ainda estamos no começo da tarde e de repente eu me lembro. D'us do Céu! É Yom Kipur. Como é possível que eu esteja empacado neste lugar esquecido? Por que não pude aguardar mais uma semana para fazer minha viagem para vender aqueles pneus? Eu me esquecera completamente. E ali estava eu, no hotel estilo colonial, contemplando o ventilador no teto dando voltas e mais voltas; refletindo sobre expiação...

Levantei-me, fui até o escritório do Representante Britânico, e perguntei-lhe: "Sr. Walker, poderia dizer-me se existe algum judeu em Kano?"
"Judeus?"
"Sim, senhor, judeus."
"Bem, deixe-me ver. Há o Sr. Rokach, mas ele não quer que ninguém saiba que é judeu. E então há o Sr. Sidki, mas por algum motivo sua loja está fechada hoje."
"Onde mora o Sr. Sidki?"
"Acima da loja."
"Poderia dizer-me onde fica sua loja?"
"Claro, senhor. Desça a rua principal e encontrará a casa na segundo esquina à direita. É a única construção de dois andares na rua. Não tem como errar."

Comecei a caminhar. A areia golpeava meu rosto. Mal conseguia ver as pessoas na rua, mas finalmente cheguei à casa. As venezianas da loja estavam descidas. Tudo estava fechado e quieto. Comecei a bater na veneziana com o punho, e de repente abriu-se uma janela no primeiro andar.

"Quem está aí?" um homem perguntou lá de cima.
"Shalom Aleichem" - disse eu.
"Aleichem shalom, baruch haba. Suba as escadas atrás do prédio. Estamos todos esperando por você."

Não entendi. Eles estavam todos esperando por mim? Eu jamais encontrara o homem. Até uma hora atrás, eu nem sequer sabia que existiam judeus na cidade. Por que ele dissera aquilo?

Lentamente, imerso em pensamentos, subi as escadas. Quando abriram a porta, vi nove homens com talitot (xales de oração) sobre os ombros, todos me saudando com "baruch haba".

Agora eu sabia por que todos tinham estado à minha espera. Eu era o décimo homem para completar o minyan, o quorum para a prece.

       
   
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