Quem foi Herschel "Bode"?

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  por Rabi Zalman Ruderman
   

A chuva forte golpeava as janelas e as ruas de Ostropoli, que logo ficaram inundadas. A maioria dos habitantes resolvera permanecer em casa, adiando as compras e aguardando a melhora do tempo. Ninguém prestara muita atenção ao falecimento de um judeu idoso, nas primeiras horas da manhã. Ele tinha chegado recentemente, e não contara a ninguém. As poucas pessoas do local que tinham se aproximado do estranho pouco sabiam sobre ele; acreditavam que tinha uns cem anos de idade. Sempre que lhe perguntavam por que um velho fraco estava vagando com um balde coberto entre os casebres mais pobres do local, com todo aquele barro e geada, ele respondia com um sorriso tímido e seguia seu caminho.

O Chevrah Kadisha preparou o funeral e o sepultamento. Poucas pessoas, evidentemente estranhos, acompanharam o corpo em sua jornada final. Um deles ofereceu-se como voluntário para recitar o Kadish. Ele informou também o nome do falecido ao coveiro, que o escreveu numa pequena tabuleta, presa a uma estaca e colocada no solo enlameado. A modesta placa dizia: "Zvi Hirsch ben Rebe Yechiel Zalman."

O povo da cidade tampouco sabia que muitos dos estranhos que tinham acompanhado o corpo eram na verdade tsadikim nistarim, sábios ocultos que tinham recebido um conhecimento sobre a Chassidut na geração precedendo sua revelação.

Mas quem era esse Zvi Hirsch ben Reb Yechiel Zalman? Por que os sábios ocultos tinham-no acompanhado ao local de seu derradeiro repouso? Este homem pequenino e idoso poderia ser um tsadic?

Quando Reb Yisrael ainda era um nistar (foi somente após ele ter-se revelado que ficou conhecido como o Báal Shem Tov), ele costumava viajar pelas cidades e aldeias, sozinho ou com seus companheiros místicos, a fim de disseminar seus ensinamentos e estilo de vida entre as pessoas simples e pobres. Ele as encorajava a fortalecer sua fé em D'us, a amar o próximo e a rezar com sinceridade. Recitava Tehilim com eles e elevava seus espíritos.

Reb Yisrael contava aproximadamente 20 anos quando chegou à grande cidade de Brod. Como era seu hábito, foi até a praça do mercado, onde fez amizade com alguns dos humildes vendedores ambulantes e donos das lojas. Em pouco tempo, grande multidão se ajuntara ao redor deste estranho de aparência simples, com olhos brilhantes e amigáveis. Eles escutavam com embevecida atenção as histórias fascinantes que ele estava contando sobre a sabedoria e virtudes dos Tanaim dos velhos tempos. Ficaram tão cativados que se esqueceram dos negócios - mas esqueceram também seus infortúnios e preocupações.

Enquanto isso, Reb Yisrael notou um paupérrimo judeu carregador de água que passava, com um enorme volume sobre os ombros. O suor escorria-lhe sobre a face pálida e gasta, as roupas eram trapos e os sapatos estavam esburacados.

Alguns dos respeitáveis comerciantes locais saudavam-no jocosamente: "Olá, Herschel Bode; está bonito hoje!" Ao que ele replicava sorridente: "Obrigado, e passe bem." Ele parecia ignorar completamente a zombaria às suas custas, e continuava seu caminho.

Porém Reb Yisrael contemplava Herschel com admiração, não somente por causa de seus modos gentis e amáveis, mas devido ao brilho Divino que seu rosto irradiava.

Reb Yisrael estava determinado a descobrir tudo que pudesse sobre Reb Herschel, e começou a fazer perguntas. Aparentemente, Herschel era viúvo há dez anos. Tinha dois filhos que estudavam na yeshivá e que eram sustentados por parentes de sua finada esposa. Era um carregador de água profissional e ganhava uma soma respeitável, porém gastava a maior parte de seu dinheiro para manter quatro cabras. Provavelmente, esta era a razão de ser conhecido como Herschel o Leiteiro, embora aqueles que o ridicularizavam o tivessem apelidado de "Herschel Tzig", que significa "Herschel, o Bode". Vivia com suas cabras em um casebre nos arredores da cidade.Porém, apesar dos esforços do Báal Shem Tov, ele foi incapaz de descobrir sua verdadeira identidade. Certamente havia algo de muito especial a respeito desse simples, mas obviamente santo judeu, com o semblante tão iluminado. A única dúvida era: o quê?

Reb Yisrael decidiu empreender um jejum de três dias, rezando fervorosamente para que D'us revelasse o segredo da santidade de Herschel. No terceiro dia, quando estava saindo da sinagoga após Minchá, aproximou-se de Herschel e saudou-o calorosamente. "Boa noite, Reb Hirsch, eu gostaria muito de apreciar um copo de leite de cabra fresco e quentinho. Acredito que o senhor venda leite?"

"Venha comigo" - respondeu Herschel gentilmente. "Ficarei encantado em servi-lo. Mas não posso aceitar dinheiro do senhor. Isso é o mínimo que posso fazer, oferecer minha simples hospitalidade a um judeu."

Caminharam juntos por algum tempo por ruas tortuosas e estreitas, até que chegaram aos arredores da cidade. Aproximaram-se de uma fileira de choupanas velhas, caindo aos pedaços, que se apoiavam umas nas outras por um patético apoio. Era ali que Herschel vivia. Quando abriu a porta, quatro cabras saudaram-no com seus focinhos prazenteiros, aninhando-se a ele e lambendo-lhe as mãos.

Herschel apanhou um balde e começou a ordenhá-las. Após conseguir o leite, encheu um copo para seu convidado. Reb Yisrael recitou uma bênção e começou a bebericar lentamente. Sem precisar de convite, Herschel começou a contar a história de sua vida.

Sua mulher, Rachel Leah, tinha estado profundamente envolvida em atos de caridade, especialmente no cuidado com os doentes. Sempre que ouvia falar que qualquer pessoa estava enferma, ela devotava todo o tempo e energia a ajudá-la. Fossem eles pobres, doentes ou mulheres que estavam para dar à luz, Rachel Leah estava sempre à mão.

Durante a shivá, a semana de luto após seu falecimento, ela apareceu a Herschel em sonhos, relatando-lhe como estava maravilhosamente bem no céu. Quando seus filhos disseram o Kadish, os anjos responderam Amén. Quando ela foi levada perante a Corte Celestial, as almas das muitas pessoas que ela tinha conhecido testemunharam que ela as ajudara no momento de necessidade.

Herschel disse a Reb Yisrael que sua mulher tinha lhe explicado como D'us fica feliz quando um judeu ajuda o outro. "Herschel" - disse ela - "como bem sabe, você não é um erudito de Torá, mas existem coisas que mesmo um judeu iletrado pode fazer. Ocupe-se com caridade e boas ações, ajudando especialmente os pobres e os doentes; mas lembre-se, ninguém deve saber sobre isso."

Desde aquele dia, prosseguiu Herschel, ele tinha vivido de modo muito simples, e economizado cada centavo até conseguir dinheiro suficiente para comprar quatro cabras. Cuidava delas com carinho, certificando-se que forneciam o melhor leite, que ele distribuía entre os pobres, doentes e idosos. D'us obviamente tinha concedido Sua bênção ao leite, pois este sempre lhes proporcionava alívio e cura. Assim tinha ele vivido por muitos anos, deixando muito pouco para confortar a si mesmo, pois seus gostos eram simples e suas necessidades, poucas.

Finalmente, concluiu Herschel, sua esposa lhe aparecera em um sonho na noite anterior e o informara que ele encontraria um pobre no dia seguinte. Ela o instruiu a convidá-lo à casa e contar-lhe a história de sua vida.

Reb Yisrael passou um mês inteiro em Brod, e observou Herschel em sua maravilhosa obra. Introduziu-o então em seu círculo de místicos, e designou um deles, Reb Binyamin Beinush, o Marceneiro, para ensinar-lhe Torá. Herschel mostrou-se um aluno esforçado e capaz, e após cinco anos era um verdadeiro erudito. Após passar ao estudo da Chassidut e Cabalá, mudou-se para Anipoli, onde continuou a cuidar dos doentes e idosos.

Reb Herschel faleceu no mês de Elul de 5521 (1761), após devotar trinta e três anos a atos de caridade e bondade. Faleceu em Ostropoli, onde permaneceu anônimo até o dia de sua morte.

Embora Herschel deixasse esta vida como um solitário e desconhecido judeu, sua alma foi recebida no céu com grande alegria. A alma do homem que em Brod havia sido condescendentemente apelidado de "Herschel Bode" foi recebida pelo santo Báal Shem Tov e seus companheiros nistarim.

       
   
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