Uma dúzia de velas

   
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Em sua juventude, o famoso Maguid de Zlotchov, Rabi Yechiel Michel, vivia em uma certa cidade, onde costumava sentar-se durante todo o dia no Beit Midrash (sala de estudos e sinagoga), e prosseguir seus estudos.

Naquela cidade havia um judeu simples que ganhava seu sustento transportando viajantes e mercadorias em sua carroça. Certo dia, o carroceiro procurou o rabino local num estado de grande angústia. "Ajude-me, Rebe!" - lamentou-se ele. "Cometi um pecado terrível. profanei o santo Shabat. Como posso expiar minha transgressão?"

"Como isso veio a acontecer" - perguntou o Rabi.

"Sexta-feira passada" - explicou o homem - "eu estava voltando do mercado com a carroça repleta de mercadorias quando perdi o rumo na floresta. Quando encontrei o caminho para os arredores da cidade, o sol já tinha se posto. Tão envolvido eu estava com minha preocupação pela mercadoria, que não percebi que o Shabat tinha chegado, até que fosse tarde demais..."

Vendo o quanto o homem estava desconsolado, o rabino confortou-o e disse: "Meu filho, os portões do arrependimento nunca se fecham. Faça uma doação de uma dúzia de velas para a sinagoga e sua transgressão será perdoada."

O jovem prodígio, Rabi Michel, entreouviu esta conversa, e ficou aborrecido pela atitude do rabino. "Uma dúzia de velas para expiar a profanação do Shabat?" - pensou consigo mesmo. "O Shabat é uma das mitsvot mais importantes da Torá. Por que o rabino está tratando este assunto de maneira tão leve?"

Naquela tarde de sexta-feira, o carroceiro levou as velas para a sinagoga. Enquanto Rabi Michel observava desaprovadoramente de sua mesa no fundo da sala, ele as colocou na estante para que o shamash da sinagoga acendesse em honra do Shabat. Mas isso não estava destinado a acontecer. Antes da chegada do shamash, um cão desgarrado derrubou as velas e as comeu.

O perturbado penitente correu a relatar o incidente ao rabino. "Como sou infeliz!" - lamentou-se ele. "Meu arrependimento foi rejeitado no Céu! O que devo fazer?"

"Você está dando importância demais ao problema" - assegurou-lhe o rabino. "Estas coisas acontecem - não há motivo para deduzir que D'us está rejeitando seu arrependimento. Traga outra dúzia de velas à sinagoga na próxima semana, e tudo dará certo."

Porém quando o shamash acendeu as velas na tarde da sexta-feira seguinte, elas inexplicavelmente derreteram, portanto, quando o Shabat começou, nada restava delas. E na sua terceira tentativa na semana que se seguiu, um forte golpe de vento subitamente apagou as velas exatamente quando o Shabat começava, e não foi possível reacendê-las.

O rabino, também, percebeu que alguma coisa estava errada, e aconselhou o carroceiro a procurar o conselho do grande mestre chassídico, Rabi Yisrael Báal Shem Tov.

"Humm..." - disse o Báal Shem Tov, ao ouvir a narrativa do homem. "Parece que um certo jovem erudito em sua cidade critica o caminho para o arrependimento que o rabino prescreveu a você. Não se aborreça. Na próxima semana, doe outra dúzia de velas à sinagoga. Desta vez, prometo que tudo dará certo. E diga a Rabino Michel que ficarei honrado se ele se der ao trabalho de visitar-me."

Rabi Michel não perdeu tempo em atender o pedido do Báal Shem Tov. Mas nem bem ele e o cocheiro partiram, todos os tipos de problemas se abateram sobre a viagem. Primeiro, a carroça caiu em uma vala. Depois, um eixo quebrou a muitos quilômetros da cidade mais próxima. Em seguida, perderam de vez o caminho. Quando finalmente encontraram a estrada para Mezibush, já era o final da tarde de sexta-feira, e o sol estava para se pôr. Foram forçados a abandonar a carroça e prosseguir a pé.

Rabi Michel chegou à porta do Báal Shem Tov uma hora após o início do Shabat, exausto e traumatizado pela quase violação do dia santo. "Bom Shabat, Reb Michel," Rabi Yisrael saudou-o - "entre e aqueça-se perto do fogo. Você, Reb Michel, jamais experimentou o pecado, portanto não compreende o remorso que um judeu sente por ter transgredido a vontade de seu Pai no Céu. Confio que agora você entende um pouco da agonia que nosso amigo sentiu. Creia-me, somente o remorso dele foi mais do que suficiente para pagar por sua transgressão involuntária..."

Do Sipurei Chassidim, por Rabino S. Y. Zevin. Adaptação por Yanki Tauber.

       
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