Como viver… ou morrer

   
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Adele (este não é seu verdadeiro nome) tinha minha idade. Eu a conheci há vinte anos, quando ela compareceu a algumas palestras que eu estava proferindo. Não se podia deixar de notá-la. Era alta e muito bonita. Havia uma aura de drama em tudo que fazia. Vestia-se de modo teatral. Sua voz era ressonante, melodiosa. Perto dela, a atmosfera tornava-se mais vívida e colorida, carregada de energia. Todos sentiam isso.

Naquela época, ela e seu marido James pareciam viver uma existência sofisticada. Eram bem sucedidos, inteligentes e charmosos. Tinham uma casa encantadora e tudo que faziam, tinha uma certa ostentação. Também não guardavam sua felicidade para eles mesmos. Tinham o dom da amizade. Na sinagoga, Adele procurava os solitários, convidava-os para uma refeição, e os introduzia em seu círculo de amizade. Sua mesa do Shabat estava sempre repleta de convidados. Sua casa ficava aberta, e nunca se sabia quem se poderia encontrar lá.

As coisas começaram a dar errado. Sofreram uma série de reveses pessoais. Um a um, os tijolos com os quais tinham construído sua vida começaram a ruir. Acompanhando sua história, eu costumava pensar no Livro de Job. Então veio o golpe final. Adele descobriu que tinha câncer. Muitos tratamentos foram tentados; nenhum funcionou. Ela sabia que estava para morrer, e morrer jovem.

Foi então que ela tornou-se verdadeiramente extraordinária. Recusou-se a sentir medo. Nem uma vez sequer, naqueles anos e meses finais, ela deixou que seus sofrimentos afetassem seu rosto em público ou sua fé pessoal. Ela tornou-se ainda mais sensível aos outros. Sua hospitalidade aumentou. Dilacerada pela dor, ela ordenava a seu rosto que sorrisse. Apesar de perder o cabelo devido à quimioterapia, continuava a caminhar ereta. Era um ato de pura força de vontade, dia a dia, hora após hora.

Ela tinha chegado a uma conclusão. Se D'us tinha decidido que seu capítulo na terra seria curto, então ela faria com que cada parágrafo e sentença fossem importantes. A imortalidade, ela ouvira certa vez de um rabino, está não no quanto você vive, mas em como vive. Este tornou-se seu lema de vida. Embora pouco tivesse restado, cada dia era um presente de D'us e ela o usaria por completo - para celebrar a vida e tornar-se uma bênção para os outros. É fácil falar estas coisas, mas ver alguém vivê-las inspira respeito.

Com o passar dos meses, ela ficou mais fraca e mais emaciada. Numa fatídica tarde de sexta-feira, liguei para saber como ela estava. James atendeu o telefone. Ela não estava - disse ele - bem o suficiente para falar. "Diga-lhe," falei, "que rezo por ela todos os dias." "Eu sei," respondeu ele, "mas creio que ela não passará deste fim de semana." Desejei que ele estivesse errado, mas pelo seu tom de voz, eu sabia que não estava.

O que aconteceu em seguida, eu soube depois. Ela tinha decidido que, como este estava para ser seu último Shabat na terra, ela o celebraria ao máximo. Convidou todos os amigos mais íntimos. Frágil demais para sentar-se à mesa, ficou na cadeira de rodas e sorriu enquanto eles entoavam as bênçãos e suas canções favoritas de Shabat. Naquela noite, ela faleceu.

Ela tinha olhado o anjo da morte face a face e falara: Você pode levar-me, mas não me derrotará, nem me intimidará. Há pessoas que nos ensinam a viver. Adele ensinou-nos como morrer: imbatível, irredutível, agradecendo a D'us por tudo, pela vida, pelo amor, até o final.

Rabino-Chefe da Inglaterra Professor Jonathan Sacks

       
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