Cascas de maça – Polônia, 1942

  Por Rosalie Greenberg
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M.D., psiquiatra infantil e de adolescents, autora do livro sobre crianças bipolares: : “Bipolar Kids: Helping Your Child Find Calm in the Mood Storm”.
Atualmente trabalha no lançamento de seu próximo livro sobre a vida de sua mãe, uma sobrevivente do holocausto: “Secrets in the Suitcase: Stories My Mother Never Told Me”


Minha mãe, Molly Greenberg, nasceu em 22 de dezembro de 1924 numa pequena aldeia do Leste Europeu chamada Skala Podolskaya, localizada então na Polônia. Sua vida, segundo qualquer escrutínio razoável, conteve muitas razões para que ela fosse um ser humano amargo, desanimado, misantropo. Afinal, ficou órfã ainda muito cedo, tendo perdido ambos os pais devido a doenças – o pai, quando ela contava apenas três meses, e a mãe aos dois anos de idade. Seus cinco irmãos mais velhos, três irmãos e duas irmãs, a criaram.

Sua infância foi pontuada por uma infinidade de privações; noites em que ia dormir faminta, um escasso suprimento de roupas, intensa solidão, e o desejo de ter o carinho de mãe que obviamente era impossível receber de uma irmã apenas doze anos mais velha. Porém, ela foi abençoada com o amor ao estudo e uma sabedoria e compreensão sobre as pessoas e a vida, muito além da sua idade. Sua forte crença em D’us e Sua Torá foi crucial para sua capacidade de sentir felicidade num mundo incerto.

O pouco de estabilidade que havia no mundo de minha mãe foi abalado em 17 de setembro de 1939, quando o exército soviético invadiu e tomou o controle de Skala. Aquele dia assinalou o fim de uma próspera comunidade judaica. Ao final de julho de 1942, foram os militares alemães que controlaram a área. Nenhum judeu em Skala estava a salvo. Não até minha mãe ficar mais velha e entrar na casa dos sessenta, ela pôde reconhecer (através da palavra escrita, mas ainda não verbalmente) sua sofrida juventude de viver durante o Holocausto.

Estou no processo de escrever um livro sobre sua vida, centralizado em suas histórias do passado. Não há dúvida de que os crimes do passado jamais devem ser esquecidos. Para mim, seu triunfo sobre a adversidade, sua capacidade de amar e fazer mais que apenas sobreviver, e o forte papel que D’us desempenhou em sua vida são exemplos com os quais podemos aprender e receber forças.

Minha mãe conseguiu sobreviver à guerra fingindo que era Mary (não Molly), uma não-judia. Mesmo em seu disfarce, ela vivia num temor constante de ser descoberta e exterminada.

Quando pensamos em Chanucá, lembramo-nos dos macabeus e do milagre do azeite que ocorreu tanto tempo atrás. Para mim, lembra o poder de D’us e Sua benevolência demonstrados pelo milagre que Ele realizou no primeiro dia de Chanucá em 1942.

Vale registrar que em 2008, 22 de dezembro marcou o primeiro dia de Chanucá. Naquele dia, se estivesse viva, Molly Greenberg estaria celebrando seu 84º aniversário.

Segue-se a história verdadeira que minha mãe, Molly Greenberg, escreveu explicando, em parte, como sobreviveu à Segunda Guerra Mundial:

Chanucá, a Festa das Luzes, é uma época de alegria, gratificação e celebrações festivas. É tempo de latkes e bolinhos de geléia. Para mim, Chanucá tem um significado especial. Foi durante a Segunda Guerra, quando a Polônia estava ocupada pelos nazistas. Era o ano de 1942, quando a Gestapo iniciou o processo de tornar as cidades e aldeias “Judenfrei”, que significa “livre de judeus”. Eles reuniam um grande grupo de pessoas e as matavam, ou então as trancavam em vagões para gado e as enviavam para campos de concentração.

Após um desses “pogroms”, no qual perdi parte da minha família, eu senti que deveria fazer alguma coisa. Não poderia apenas esperar até ser morta. Era uma moça de dezessete anos, loira com olhos azuis e bastante esbelta. Parecia uma típica garota polonesa não-judia. Portanto decidi ir para uma cidade distante onde ninguém me conhecesse, e ninguém soubesse que eu era judia.

Porém era mais fácil falar do que fazer. Como tinha passado a vida numa pequena aldeia, jamais tinha saído dali antes, e pegar um trem pela primeira vez era difícil para mim, além do grande perigo que a viagem representava. Para assegurar que ninguém era judeu, os alemães estavam conferindo cada passaporte ou algum outro documento. Com uma grande quantia em dinheiro era possível conseguir um passaporte ariano, mas eu era muito pobre e não consegui obter um. Portanto decidi ir mesmo assim. Sabia que não tinha nada a perder; iria morrer de qualquer maneira.

Era 12 de dezembro, o primeiro dia de Chanucá. Minha irmã empacotou algumas roupas e alimentos para eu levar na viagem. Tirei minha estrela de David amarela, que todo judeu era forçado a usar no braço direito, e fui para a estação ferroviária. Comprei uma passagem, entrei no último vagão e sentei-me num canto, assustada como se estivesse para morrer.

De repente, ouvi alguma confusão perto da porta. Olhei e vi um guarda da Gestapo entrando no vagão. Ele estava checando a bagagem e os documentos de cada passageiro. De repente percebi que a comida que minha irmã tinha embrulhado era uma arma mortal que certamente me mataria. Ela tinha colocado latkes de Chanucá e bolinhos de geléia – comidas tradicionais, simbólicas do Judaísmo. Eu sabia que mesmo que por algum milagre conseguisse me safar por não ter um documento não-judaico, mentindo – dizendo que tinha perdido ou esquecido em casa – jamais poderia explicar os latkes e bolinhos na minha sacola.

O que aconteceu nos minutos seguintes posso apenas descrever como algum tipo de milagre. Enquanto estava ali sentada, paralisada pelo medo, não conseguindo sequer me mover ou pensar claramente, vi um oficial da Gestapo vindo na minha direção. Naquele momento, uma garotinha que estava sentada perto de mim com a mãe, comendo uma maçã, levantou-se de repente e saiu correndo pelo vagão, cuspindo pedaços de maçã por toda parte. O guarda da Gestapo deu mais um passo na minha direção, escorregou num pedaço de maçã e caiu. Não sei o que aconteceu com ele. Eu estava perplexa demais, abalada demais para fazer perguntas. Vi algumas pessoas carregá-lo para fora do vagão e então o trem saiu da estação, levando-me ao meu destino.

Percebi então que Alguém lá em cima queria que eu sobrevivesse.

       
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