A Sucá Ensopada

  Por Steve Hyatt
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Quando eu era uma criança crescendo em Waterford, Connecticut, minha família ia à sinagoga em Rosh Hashaná e Yom Kipur, e celebrava Chanucá e Purim com zelo infantil. De fato, muitas pessoas ainda acham que eu fui o melhor Mordechai de sete anos que já se viu na peça anual de Purim na Sinagoga Ahavet Chesed!

Porém em todos os meus anos eu jamais tinha visto, muito menos entrado, numa sucá. Portanto uma das experiências mais extraordinárias da minha vida adulta foi ajudar a construir a sucá da Comunidade Chabad em Wilmington, Delaware.

Consigo lembrar-me claramente da construção daquela sucá. Cerca de uma semana antes do início do feriado, Rabi Vogel pediu voluntários para ajudar na construção da sucá da comunidade. Eu já tinha vivido uma porção de “primeiras vezes” desde que descobrira Chabad de Delaware, portanto pensei: por que não?

Mais tarde naquele dia, seis de nós nos reunimos na casa do Rabino e começamos a construção. Apesar do fato de que nossos ancestrais já construíam estas estruturas temporárias há mais de 3.300 anos, esta era a primeira vez que eu fazia parte da equipe da obra. Todos juntos, nós colocamos grandes painéis de compensado e criamos uma habitação temporária com quatro paredes.

Como tenho 1,85 m de altura, fui colocado para montar o s’chach. O que é s’chach, você pergunta? Olhe, eu também não consigo pronunciar. Rabino Vogel informou que s’chach são os galhos frescos que ajudam a formar o telhado da sucá. Eu tive a honra de colocar o s’chach sobre os troncos de bambu que serviam como estrutura de apoio.

Demorou cerca de vinte minutos para colocar todo o s’chach sobre o telhado, mais quatro horas para eu quase aprender a pronunciar o nome corretamente. Por mais que eu tente, não consigo fazer esta palavra sair da minha boca!

Depois de todo o tempo e trabalho empregados, eu mal podia esperar pela chegada da Festa de Sucot. Eu quase conseguia sentir o aroma da refeição do Shabat que iríamos saborear no aconchego de nossa morada temporária. Aquilo prometia montanhas dos famosos kuguel da Rebetsin e a melhor sopa de bolas de matsot do lado de cá de Jerusalém!

Naquele Shabat, cheguei à casa dos Vogel vestindo minhas melhores roupas de Shabat, e proclamei a todos que quiseram ouvir que eu estava preparado a comer na sucá. Depois de rezarmos Maariv, todos se mudaram para a sucá e o Rabino recitou o kidush sobre o vinho. Na metade do kidush eu ouvi o som inconfundível da chuva. Olhei para o Rabino, a Rebetsin e as crianças deles, e ninguém parecia prestar a mínima atenção nas gotas que caiam. Concluí que eles estavam confiantes que o s’chach formaria uma barreira impenetrável e nos manteria secos durante as festividades da noite.

Momentos depois, o Rabino completou o kidush e todos fomos lavar ritualmente as mãos antes de recitar a bênção Hamotzi sobre a chalá. Quando voltamos, uma forte tempestade estava caindo do lado de fora. Rabino Vogel passou-me um pedaço de chalá e eu disse a bênção e tirei um pedaço. Eu mal tinha colocado a chalá na boca quando uma enorme gota de água atingiu-me na ponta do nariz. Passaram-se alguns instantes e mais e mais gotas começaram a cair do telhado. Olhei em volta da mesa e ninguém estava prestando a menor atenção aos rios de água que caíam livremente do “teto”.

A Rebetsin serviu a sopa e de repente um pedacinho de s’chach fresco pulou bem no meio da minha tigela. Para meu constrangimento, a chuva na sucá começou a aumentar. Minhas roupas ficaram molhadas, mas pior de tudo, minha chalá se transformou numa massa ensopada! Entregando a precária fatia para o Rabino, perguntei se não estaria na hora de continuar a “festa” lá dentro, onde estava quente, seco e confortável.

Rabi Vogel pegou um pedaço da chalá ensopada e, apontando-o na minha direção, disse: “Shloma Yacov, ninguém jamais disse que uma mitsvá tem de ser fácil. Por 3311 anos nossos ancestrais têm cumprido a mitsvá de ‘habitar’ numa sucá. No Alasca, neste exato momento, faz dez graus abaixo de zero e os ‘congelados escolhidos’, como o Rabino Yossef Greenberg com sua congregação, estão celebrando o Shabat numa sucá com alegria e disposição. Esqueça a chuva e concentre-se no júbilo de cumprir a mitsvá Divina de comer na sucá e honrar a memória dos nossos ancestrais que viveram em habitações como esta durante quarenta anos.” Ele esperou um instante para suas palavras surtirem efeito e depois acrescentou: “Mas… se a chuva realmente o incomoda, sinta-se à vontade para ir lá para dentro.”

Eu estava contemplando suas palavras quando uma outra grande gota caiu bem em cima do meu nariz, desafiando-me a ir para a casa com todo o meu coração. Sentado perto de mim estava o filho mais novo do Rabino, Shalom. Ele estava indiferente à chuva, enquanto brincava feliz com sua chalá e kuguel ensopados. Finalmente cheguei à conclusão de que, se um garoto de cinco anos podia ficar, eu também podia. Portanto, fiquei.

Apesar de a chuva continuar a tamborilar no s’chach, nós continuamos com nossa refeição festiva. O rabino e eu partilhamos l’chayim, comemos mais um pouco de kuguel ensopado, cantamos mais algumas canções e apreciamos juntos a noite. A chuva não parou de cair um só instante, e quando fui para casa naquela noite eu estava encharcado até os ossos. Mas quando parei de pensar na chuva e me concentrei na alegria e deleite da mitsvá, no momento e no dia festivo, o desconforto logo deu lugar a uma sensação cálida de alegria e contentamento.

Mais uma vez agradeci a D’us por ter me levado a Chabad, onde as lições são aprendidas numa centena de maneiras diferentes. Às vezes aprendemos estudando Torá. Às vezes aprendemos num farbrenguen (reunião chassídica) e às vezes aprendemos ao comer um pedaço ensopado de kuguel no meio de uma sucá inundada. Oh, sim, eu também aprendi que até um pedaço molhado de kuguel é melhor que kuguel nenhum!

       
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