O Chazan do chazan

  Por Steve Hyatt
indice
 

Quando menino, eu passei incontáveis horas pescando às margens do Lago Morgan perto de casa. Nunca apanhei um peixe sequer, mas atirei muitas pedras na água e observava as ondas, a princípio pequenas, que iam se alargando até tomar toda a extensão daquele lago pacífico. Mal sabia eu que aquelas experiências um dia se transformariam numa inesquecível lição de Torá.

Em 1922, um jovem Boris Frisch e seu irmão gêmeo, Joe, nasceram numa pequena aldeia na Hungria. Quando estudantes, freqüentaram um instituto húngaro destinado a treinar jovens para trabalharem como chazanim em sinagogas de todo o mundo.

Estudando intensamente, o jovem Boris conseguiu dominar todas as notas musicais. Dizia-se que Boris era tão bom em aprender as melodias que em certo ponto de sua vida ele conhecia uma música para cada prece do seu livro de orações. Quando Boris e seu irmão eram adolescentes, a família emigrou para os Estados Unidos em busca de uma nova vida na terra da oportunidade.

Anos depois, Boris mudou-se de Pittsburgh para Nova York, onde arrumou emprego de tempo integral como chapeleiro masculino e chazan “meio-período”.

Embora os chapéus pagassem as contas, a verdadeira vocação de Boris era a de chazan e professor de bar mitsvá. Seus amigos e colegas calculam que o chazan Boris ajudou mais de 3.000 meninos a se prepararem para o bar mitsvá.

Um dos primeiros alunos de bar mitsvá com quem o chazan trabalhou em Nova York era um rapaz enérgico chamado Paul Katz. Enquanto estudava para seu bar mitsvá, o avô do jovem Paul perguntou-lhe se ele iria ler na Torá durante seu bar mitsvá. Como jamais pensara sobre isso, Paul perguntou ao chazan. Sem hesitar, o chazan respondeu: “Certamente, mas a jornada não termina aqui.” Paul, então com 12 anos, não sabia o que o chazan tinha em mente, portanto estudou com ele e finalmente teve o seu bar mitsvá, onde entoou magnificamente a melodia enquanto lia na Torá, exatamente como fora ensinado.

Com o passar do tempo, Paul soube exatamente o que o chazan queria dizer quando declarou que seria uma longa jornada. Pois o chazan, classicamente treinado na arte das antigas canções judaicas e melodias da tefilá, tinha encontrado um protegido no jovem Paul. Durante o próximo meio século o chazan ensinou a Paul cada nota, cada frase, cada melodia de seu vasto repertório. Embora Paul pagasse as contas com a prática de medicina neurológica, sua verdadeira vocação era a de chazan. E embora a medicina levasse Paul a todos os cantos do mundo, ele nunca perdeu contato com Chazan Fisch, falando freqüentemente com ele.

Finalmente o chazan aposentou-se e foi morar na Flórida. Paul, que era então mais conhecido como Doutor Katz, Diretor do Hospital Washoe Center em Reno, Nevada, continuou a se comunicar com seu amigo e mentor, questionando-o sobre as melodias para o Shabat, Rosh Hashaná e Yom Kipur. Embora Dr. Katz pagasse suas contas através do trabalho no hospital, sua vocação de “meio-período” era atuar como chazan no Chabad ao Norte de Nevada, em Reno.

Semana após semana a pequena mas crescente congregação ouvia atentamente Chazan Katz entoar as antigas melodias que um jovem chazan e seu irmão tinham aprendido muitas décadas antes, numa pequena escola judaica na Hungria. O chazan nunca tinha visto o seu protegido liderar a congregação em Reno, mas tinha planos de visitar o pupilo em Shavuot do ano seguinte. Infelizmente Hashem tinha outros planos para o chazan de 83 anos, e ele faleceu antes de poder viajar para o outro lado do país.

No encerramento do funeral do chazan, a família mencionou que ele sempre tivera a intenção de gravar suas melodias especiais, para que seus numerosos alunos e congregantes pudessem ouvi-los nos anos seguintes. Mas de alguma forma a vida não permitiu e ele jamais chegou a ir até o estúdio de gravação.

Imediatamente, todos os olhos se voltaram para o protegido do chazan, e alguém disse: “Paul, você conhece todas as melodias que ele cantava, e deveria gravá-las.” Naquele dia, numa sinagoga em Nova York, foi feita uma promessa, e o excepcional aluno do chazan se comprometeu a gravar o tesouro mais querido do seu professor: seu vasto repertório de melodias.

Quando voltou a Reno, Paul recebeu um convite pessoal para uma festa em honra ao Rabino local de Chabad, Rabi Mendel Cunin. O convite advertia que era uma surpresa, e pedia a todos que mantivessem segredo sobre o evento.

Chegando à casa do Rabino, Paul ficou surpreso por ver mais de 40 membros da congregação na sala de estar dos Cunin. Quando o Rabino entrou, pediu a todos que fossem com ele até a sinagoga. Poucos instantes depois, o Rabino olhou para Paul e disse que na verdade estavam ali para homenagear a abençoada memória do mentor de Paul, Chazan Boris Fisch, um homem que nenhum de nós jamais conheceu, mas cujos esforços e engajamento tiveram um enorme impacto sobre toda a nossa congregação. Ele prosseguiu dizendo que seus amigos tinham feito donativos em nome do Chazan Fisch, para patrocinar uma parashá na nova Torá da sinagoga, assim todos que passassem pela porta da sinagoga durante as próximas gerações reconheceriam o impacto do Chazan sobre o Chabad do Norte de Nevada. E com isso ele entregou a Paul uma placa de bronze gravada com o nome do Chazan Boris Fisch, e convidou-o a colocá-la ao lado da Parashá de sua escolha numa placa memorial muito maior que destacava toda a Parashá da Torá.

Com lágrimas nos olhos e um sorriso no rosto, ele colocou-a junto à sua Parashá preferida. A emoção e o júbilo estavam no ar quando todos se dirigiram à casa dos Cunin e durante horas escutaram Chazan Katz partilhar uma infinidade de histórias sobre a vida gloriosa do seu mentor.

Quando caiu a noite e todos se dirigiram para casa, não pude deixar de recordar os meus dias de infância no Lago Morgan, quando eu atirava pedras nas águas calmas, observando o efeito crescente feito pelas ondas até os locais mais distantes. Tínhamos acabado de passar uma noite homenageando um homem, que 40 anos antes tinha atirado uma pedra espiritual na vida de um rapazinho, e agora, muitos anos depois, as ondas resultantes tinham aberto caminho até as praias distantes de Reno, Nevada, inspirando e conquistando as almas de uma comunidade judaica que ele jamais chegara a conhecer.

       
top
  A Parashá dessa semana também se chama