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Em
homenagem ao yahrtzeit do Rebe Rashab, a 2 de Nissan, segue-se uma descrição
de seu último farbrenguen
Purim 1920
Rabino Shneur Zalman Havlin, um proeminente
chassid de Israel, visitou o Rebe Rashab antes da Primeira Guerra. Por
causa do conflito, não pôde retornar a Israel senão
muito tempo depois. Nesta carta a seu tio Reb David Shifrin, ele descreve
o último Purim do Rebe.
Logo após Sucot de 1920, o Rebe e sua família mudaram-se
para Rostov. Ele enviou sua biblioteca a Moscou, mas levou seus manuscritos
consigo para Rostov. Muitos chassidim procuravam o Rebe em Rostov. Ele
ensinava Chassidut, reunia-se com as pessoas e dava-lhes conselhos. A
cada Yom Tov, o Rebe promovia um farbrenguen, fortalecendo e encorajando
os chassidim. No inverno, os bolcheviques avançaram em direção
a Rostov. Antes que a família do Rebe pudesse escapar, os bolcheviques
entraram na cidade, e deixá-la tornou-se impossível.
O relacionamento do Rebe com os chassidim se alterou. Ele distanciava-se
e meditava sozinho em seu aposento. Os chassidim não o visitavam
para rezar, para farbrenguen ou para ter uma yechidut particular com o
Rebe. Este estado de coisas continuou durante Shevat e metade de Adar.
Em Purim, fomos visitar o Rebe, mas recebemos a comunicação
de que faria apenas uma breve palestra e então todos iriam para
casa. Os bolcheviques eram muito rigorosos. Havia toque de recolher e
ninguém tinha permissão de ficar na rua após as 19
horas. Mesmo durante o dia não se podia sair, a menos que fosse
muito urgente. Todas as reuniões públicas estavam proibidas.
O Rebe disse lechayim, e sentimos uma grande mudança em seu estado
de espírito. Ele nos encorajou a ser felizes. Deu dinheiro para
que alguém fosse comprar bebidas alcoólicas, e pediu-nos
para cantar como nos bons dias de outrora. Ficamos chocados. Havíamos
planejado deixar a casa do Rebe logo após sua palestra, mas agora
cantávamos com tanta devoção que o barulho podia
ser ouvido na rua. Simplesmente esquecemos dos bolche¬vi¬ques.
O Rebe nos disse para beber e cantar, e nossos espíritos subiram
às alturas. A família do Rebe estava muito temerosa. A Rebetsin
implorou para cantarmos baixinho, para que não nos ouvissem lá
fora. Mas não podíamos contrariar a ordem do Rebe para comemorar
com júbilo.
O filho do Rebe, o Rayats, temia pela segurança do pai. Mas o Rebe
nos fortaleceu com palavras bondosas, repletas de sabedoria e ânimo.
Disse a seu filho: “Yossef Yitschac, não tenha medo! Eles
não me impressionam! Venceremos no final! Não quero dizer
apenas nos escondendo nos porões, mas saindo às claras,
com nossa essência! Continuaremos a existir, seja de modo gradual
ou de repente, como ‘alguém que salta sobre os muros’.
É assim que me sinto. Ficaremos em segurança, porque a perversa
kelipá (força negativa), comparada à santidade, não
tem valor algum. Desejo que a santidade seja revelada…”
Sua face estava em fogo e suas palavras eram chamas flamejantes. Jamais
víramos o Rebe assim antes. Aquela noite inteira foi extraordinária,
com o Rebe falando dos profundos segredos de Torá. De repente,
ouvimos as más novas. Os bolcheviques estavam dando uma batida
em todas as casas para ver se as pessoas estavam obedecendo o toque de
recolher. Logo chegariam à casa do Rebe. Estremecemos. Éramos
uma multidão e qualquer assembléia era ilegal. As autoridades
puniam severamente aqueles que desobedeciam.
Mas o Rebe não parou seu farbrenguen e suas palavras de Torá
nem por um instante. Todos sabiam as conseqüências. As pessoas
falaram com o Rebe sobre os bolcheviques, mas ele não se importou.
Pelo contrário, encorajou-nos a cantar com mais vigor ainda.
Houve uma batida à porta, e o Rebe disse-nos para abrir. Voltou-se
para os chassidim como se nada tivesse acontecido. Os policiais olharam
para nós. Um chassid disse-lhes que o Rebe estava muito ocupado
e não tinha tempo para falar com eles. Perguntaram quando estaria
disponível, e ele respondeu: “Muito mais tarde. Esta reunião
terminará em duas horas.” Não esboçaram nenhuma
reação e se retiraram.
Começamos a cantar novamente. O Rebe disse mais palavras de Torá,
e quando terminou, explodimos em melodias (nigunim) animadas e repletas
de devoção. Várias horas depois, bateram à
porta. Não prestamos atenção por estarmos tão
envolvidos no canto. As batidas ficaram mais fortes. Sabíamos que
a polícia voltara para examinar a casa.
As mesas estavam postas com vinho e bebidas mais fortes, o que era proibido
por lei. Havia também uma quantia substan¬cial de dinheiro
de tsedacá em uma bandeja. Isso era rigorosamente proibido por
lei. Não tínhamos a menor idéia de como lidar com
aquela situação perigosa.
O Rebe sentiu nosso apuro e disse-nos para não tirarmos nada da
mesa. Disse então: “Abram a porta. Não tenho medo
deles!” A porta se abriu e a polícia entrou com armas carregadas.
Aproximaram-se da mesa e ficaram bem em frente ao Rebe. Mas o Rebe não
lhes deu atenção. Virou-se para nós e disse: “Falaremos
Chassidut e eles desaparecerão por si mesmos.” E começou
a pronunciar a explicação chassídica sobre o versículo
da Torá: “Amalec foi a primeira das nações
e no futuro perecerá.” O Rebe disse o Maamar por uma hora
e meia.
Durante todo o tempo em que ele falou, os bolcheviques simplesmente ficaram
em frente ao Rebe, olhando-o. Quando terminou, os bolcheviques saíram
sem pronunciar uma palavra.
Foi um milagre que ninguém se ferisse. Não posso acreditar
que tenha acontecido. Mesmo enquanto estávamos tremendo de medo,
tínhamos fé em D’us e em seu servo, o Rebe. Estávamos
conectados ao Rebe e não pensamos em nada mais. Não queríamos
perder uma única palavra. Jamais esquecerei aquilo que vimos e
ouvimos naquela refeição de Purim.
Aquele jantar de Purim durou doze horas. Na verdade, aquele farbrenguen
foi como uma reunião de despedida, porque duas semanas depois,
o Rebe faleceu, em 2 de Nissan.
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