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Eu sabia que em algum
lugar, de alguma forma, havia algo em mim que poderia ter algo a ver com
essa situação…
Durante uma de suas viagens, Rabi DovBer de Lubavitch parou
numa estalagem perto da cidade de Samargon. Era verão, o clima
estava agradável, e o Rebe decidiu permanecer por uma semana.
Quando a decisão de Rabi DovBer tornou-se conhecida, muitas pessoas
da região convergiram até o albergue, desejando ser recebidas
pelo Rebe e terem uma consulta com ele. O Rebe começou a receber
cada um em separado, numa audiência particular conhecida como yechidut.
Alguns dias depois, enquanto centenas de pessoas ainda lotavam o pátio
aguardando para serem recebidas, o Rebe subitamente encerrou a yechidut
e trancou a porta.
Os chassidim presumiram que o excesso de visitantes nos últimos
dias tinha cansado o Rebe, e que ele fizera uma breve pausa para recuperar
as forças. Porém, depois de meia-hora o secretário
do Rebe, Reb Zalman, emergiu da sala do Rebe extremamente perturbado,
os olhos vermelhos de chorar, e sussurrou algumas palavras nos ouvidos
dos líderes chassidim que tinham acompanhado o Rebe na viagem.
Estes chassidim ficaram muito alarmados, os rostos ficaram rubros e brancos,
e depois rubros novamente, e uma onda de horror passou pela multidão.
Todos estavam confusos sobre o que teria acontecido.
Uma ou duas horas depois, vários chassidim entraram na casa e ficaram
escutando à porta do Rebe. Ouviram-no desabafar, chorando e recitando
capítulos de Tehilim das profundezas do coração.
Alguns deles, abalados, desmaiaram. Ninguém tinha uma pista sobre
o que fizera o Rebe, em meio a um dia normal de trabalho, interromper
a yechidut e começar a fazer preces tão comovedoras. Logo
espalhou-se a notícia alarmante para a multidão, que formou
grupinhos e começou a recitar chorosamente os Salmos.
Quando o Rebe terminou de recitar Tehilim, começou a preparar-se
para as preces vespertinas, Minchá. Porém estava tão
enfraquecido pelos esforços que fizera que foi obrigado a descansar
na cama por uma hora, a fim de recuperar as forças. Então
rezou Minchá do modo costumeiro durante os Dez Dias de Arrependimento.
Após Minchá, o Rebe saiu para o pátio, sentou-se
na plataforma que tinha sido preparada para ele, e pronunciou um longo
discurso sobre o versículo "Muro da filha de Tzion, deixe
fluir a lágrima como um regato". O Rebe falou de como as lágrimas
purificam a alma de palavras e pensamentos daninhos, e discorreu sobre
o mérito de falar palavras de Torá e Tehilim. O discurso
comoveu bastante a audiência, e reverberou por toda a comunidade
chassídica de Chabad. Anos depois, os chassidim ainda se lembravam
daquele dia.
No dia seguinte, o Rebe estava muito fraco e confiando ao leito,,, mas
no outro dia continuou a yechidut. Porém, ninguém sabia
o que aborrecera tanto o Rebe e provocado sua prece ardente e o discurso
que se seguiu.
Rabi Pinchas de Shklov, que tinha acompanhado o Rebe na viagem, estava
entre os chassidim de destaque ainda no tempo do pai do Rebe, Rabi Shneur
Zalman de Liadi. Alguns dias depois, ele perguntou ao Rebe o que fora
aquilo tudo.
Uma grande tristeza abateu-se sobre o Rebe. Então, ele disse: "Quando
um chassid entra em yechidut, revela a mim as doenças ocultas em
sua alma, cada um a seu modo, e busca minha ajuda para curar seus problemas
espirituais. Para ajudá-lo, primeiro devo encontrar a mesma falha
– embora na forma mais sutil – dentro de mim mesmo, e esforçar-me
para corrigi-la. Pois não é possível levar alguém
a purificar e aperfeiçoar seu caráter, a menos que se tenha
vivido o mesmo problema e passado pelo mesmo processo de auto-refinamento.
"Naquele dia" – continuou o Rebe – "alguém
procurou-me com um problema. Fiquei horrorizado por saber a que profundezas
ele havia caído, D’us não o permita. Embora eu tentasse
arduamente, não consegui ver dentro de mim nada que se parecesse,
mesmo que remotamente, com aquilo que ele me relatara. Mas a Divina Providência
tinha enviado aquele homem a mim, portanto eu sabia que de alguma forma,
em algum lugar, havia algo em mim que poderia ter algo a ver com aquela
situação.
"Então ocorreu-me que deveria ser algo tão profundamente
encravado em mim que estava além de meu alcance consciente. O pensamento
abalou-me até o âmago de minha alma, e levou-me a me arrepender
e retornar a D’us das profundezas de meu coração."
Extraído de Igrot Maharayatz (cartas
de Rabi Yossef Yitschac Schneersohn de Lubavitch) vol. III pág. 379.
Notas Biográficas:
Rabi DovBer Schneuri de Lubavitch foi o filho e sucessor do fundador do
Chassidismo Chabad, Rabi Schneur Zalman de Liadi. Rabi DovBer nasceu em
Liozna, na Bielo Rússia, a 9 de Kislêv de 5532 (1773).
Ele assumiu a liderança de Chabad com o falecimento do pai em !812.
Em 1813, estabeleceu-se na cidade de Lubavitch, que serviria como sede do
movimento pelos próximos 102 anos. Rabi DovBer ficou famoso por seu
estilo ímpar de "alargar rios". Seus ensinamentos eram
os 'rios" intelectuais dos "mananciais" de seu pai, conferindo
amplitude e profundidade aos princípios estabelecidos por Rabi Shneur
Zalman. Em 1826, Rabi DovBer foi preso sob as falsas acusações
de deslealdade ao Czar, feitas pelos oponentes do chassidismo; após
várias semanas de investigação, ele foi libertado;
o dia de sua libertação, 10 de Kislêv, é celebrado
até hoje como um dia festivo chassídico. Rabi DovBer faleceu
menos de um ano depois, em 9 de Kislêv de 5588 (1827), o dia de seu
54º aniversário.
Rabi Pinchas de Shklov, também conhecido como "Reb Pinchas Relzeh
(Relzeh era sua sogra), estava entre os primeiros chassidim de Rabi Shneur
Zalman de Liadi, sendo também um seguidor de seu filho e sucessor,
Rabi DovBer de Lubavitch. Rabi Pinchas faleceu em Lubavitch, aproximadamente
em 1825.
Rabi Yossef Yitschac Schneersohn (1880-1950) foi o sexto Rebe de Chabad-Lubavitch,
e tetraneto de Rabi Dovber. |