No lugar de seu irmão

  Por Yanki Tauber
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Um pensamento e três histórias

"Não julgue o seu próximo", é citado pelo grande sábio Hilel no segundo capítulo de Ética dos Pais, "até que tenha ficado em seu lugar."

Um pensamento que vem à mente quando contemplamos essa declaração é que uma pessoa jamais pode estar realmente no lugar da outra. Se for este o caso, então o que Hilel está realmente dizendo é: "não julgue o seu próximo, jamais."

Porém há a história sobre os famosos irmãos chassídicos, Rabi Elimelech e Rabi Zusia. Os dois costumavam viajar de cidade em cidade e de aldeia em aldeia na missão de aproximar de D'us o coração dos judeus. Vestidos como viajantes comuns ou pedintes, eles batiam à porta de uma casa judaica e pediam pousada por uma noite. Durante a madrugada, o dono da casa era acordado por sons de lamentos vindos do quarto dos irmãos.

Aproximando-se da porta para escutar, ele entreouvia os dois confessando as falhas e pecados cometidos durante o dia: um pouquinho de desonestidade aqui, uma palavra de malícia ali. "Oh, querido irmão Melech!" soluçava Rabi Zusia. "Mal abri um livro judaico hoje… O que é de um judeu sem uma palavra de Torá? Um deserto estéril!"

E o outro irmão: "Oh, Zusha! Acha que eu rezei hoje? Mal resmunguei as palavras! É assim que um judeu fala com seu querido Pai no Céu…" Com uma pontada no coração, o anfitrião à espreita relembrava suas pequenas desonestidades e maledicência, sua própria negligência à Torá e preces sem fervor, e resolvia ser um judeu melhor no dia seguinte.

Portanto, talvez seja isso que Hilel pretende nos dizer: Você não pode julgar o seu amigo, mas pode julgar a pessoa em cujo lugar você está – ou seja, você mesmo. Então, se deseja ajudar seu próximo a melhorar, critique-se de uma maneira que o faça pensar, também.


Conta-se a história de Rabi Dovber de Lubavitch. Certa vez, quando recebia pessoas em yechidut (audiência privada), Rabi Dovber subitamente interrompeu a yechidut, trancou a porta e recusou-se a ver qualquer pessoa durante muitas horas. Os chassidim do lado de fora da porta ouviam o Rebe chorando e rezando. Depois do incidente, o Rebe estava tão enfraquecido que ficou confinado ao leito durante vários dias. Mais tarde, um dos chassidim mais idosos ousou perguntar ao Rebe o que tinha acontecido. Rabi DovBer explicou: "Quando uma pessoa procura minha ajuda para curar seus males espirituais, devo primeiro encontrar a mesma falha – mesmo que esteja na forma mais sutil – dentro de meu próprio ser. Pois não é possível para mim ajudá-lo a menos que eu próprio já tenha passado pelo mesmo problema e pelo mesmo processo de auto-refinamento.

“Naquele dia, alguém me procurou com um problema. Fiquei horrorizado ao ver a que profundezas ele tinha caído. Por mais que eu tentasse, não consegui encontrar dentro de mim nada remotamente parecido com aquilo que ele me contou. Porém a Divina Providência tinha enviado este homem para mim, portanto eu sabia que em algum lugar, de alguma forma, havia algo em mim que podia relacionar-se com essa situação. O pensamento afetou-me até o âmago da alma, fazendo-me arrepender-me e retornar a D'us das profundezas do meu coração."

Em outras palavras, você também não pode julgar a si mesmo. Se tiver um problema, então você é o problema – precisa de alguém que esteja fora dele para ajudá-lo a resolver. Porém se a pessoa está fora de seu problema, então ele não pode realmente conhecê-lo, portanto não pode resolver, também. O que você precisa é de um Rebe – alguém que esteja além do seu problema, mas sabe que se você tem um problema, ele também o tem.

Mais uma história, esta sobre o neto de Rabi DovBer, Rabi Shmuel, o quarto Rebe de Lubavitch.

Rabi Shmuel estava recebendo pessoas em yechidut. Mal se passara uma hora, e o Rebe já estava exausto. Fez uma pausa e pediu uma muda de roupas.

O gabai (secretário do Rebe) saiu da sala carregando as roupas que o Rebe tinha tirado. Estavam ensopadas de suor. "Mestre do Universo!" murmurou o gabai. "Por que ele se exaure tanto? A cada hora precisa de uma muda de roupas. Por que o Rebe sua tanto?"

A porta do Rebe se abriu, e Rabi Shmuel apareceu. "Vá para casa", disse ele ao secretário. "Continuarei a pagar o seu salário, mas não desejo mais seus serviços. Você não possui o menor entendimento sobre o meu trabalho.

"Não entende? Nessa hora que passou vinte pessoas vieram me ver. Para entender o dilema de cada uma, preciso despir-me de minha personalidade e circunstâncias, vestindo as deles. Porém como eles vieram para consultar a mim e não a eles próprios, preciso vestir novamente minha própria personalidade para aconselhá-los.

"Você já tentou mudar de roupa quarenta vezes em uma hora?" concluiu o Rebe. "Se fizesse isso, também ficaria exausto e banhado em suor."
       
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