A Reunião

  Por Chana Lewis – que dedica este artigo ao irmão e irmã, Meir e Sima.
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Já faz doze anos que minha avó e o irmão dela se reencontraram após uma separação de sessenta e oito anos. As circunstâncias do seu longo afastamento são bastante conhecidas. Ambos sobreviveram ao Holocausto nazista, e tiveram muita dificuldade nas tentativas de localizar sobreviventes ao final da guerra. Portanto, quando eles finalmente se reuniram no verão de 1994, seu encontro emocionado estava repleto de lembranças de um passado distante e sessenta e oito anos de sangue, lágrimas e provações nas suas tentativas de criar vida nova em lados opostos do oceano.

Minha avó Sima e seu irmão Meir era jovens adultos na época em que Hitler subiu ao poder. Meir tinha acabado de se casar com uma jovem adorável de sua cidade, e se mudado para a Bélgica. Ele trabalhava como mineiro de carvão, emprego que, embora pesado, fornecia apenas uma renda modesta para sua pequena família. Minha avó também era recém-casada com Mordechai, vivendo na cidade polonesa de Szeratz, onde ela costurava enxovais para noivas e trabalhava como babá. Quando irrompeu a guerra, a comunicação entre Meir e o restante da família ficou impossível. A partir de então, todos os contatos cessaram.

Minha avó foi para a Rússia com o marido. Ali eles foram levados a um campo de trabalhos forçados em virtude de terem recusado a cidadania russa. Ela foi forçada a abater árvores congeladas com um machado cego, durante invernos gelados e verões sufocantes. A certa altura durante seu encarceramento, ela recebeu notícias da morte de sua família e da família do marido. Mordechai procurou vingar o assassinato de seus queridos parentes e alistou-se no exército russo para lutar contra os alemães que estavam avançando. Pouco depois ele foi morto perto de Varsóvia, que D'us vingue o seu sangue. Se ele tivesse sabido que sua esposa, Sima, estava grávida na época, imagino se ele a teria deixado.

Esther nasceu na Sibéria e passou os primeiros anos de vida num barracão, dormindo dentro de uma mala. Ao final da guerra, minha avó procurou notícias dos sobreviventes e não encontrou nenhum. Foi a um campo de refugiados na Alemanha, casou-se novamente e por fim foi para os Estados Unidos onde, mais uma vez, criou uma vida sobre os escombros de um passado destruído.

Meir estava retornando da Bélgica quando seu trem foi desviado para o infame campo de concentração em Auschwitz. Seu aparente destino indubitavelmente estava selado, mas Meir conseguiu saltar do trem em movimento e, sob uma rajada de balas, conseguiu escapar sem ferimentos. Como resultado de sua "fuga", Meir foi forçado a esconder-se durante mais de um ano. Pouco sabemos acerca desde período, exceto que ele visitou periodicamente sua esposa e filho em Liège, na Bélgica. Devido às tristes circunstâncias e com a sobrevivência por um fio, eles não reconheceram o homem mal nutrido e com aparência idosa que bateu à porta. Foi necessária muita insistência por parte dele para que pudessem ver naquele homem o marido e pai que conheciam e amavam.

Depois da guerra, Meir voltou à sua família. Não encontrou irmãos sobreviventes. Adotou a sobrinha órfã e criou o próprio filho, Chaim. A palavra Chaim significa vida. Em meio aos destroços ele, também, procurou dar um significado à sobrevivência. Gosto de pensar que ele a encontrou no filho, uma nova chama de vida renovada e uma oportunidade para a suprema vingança pelos 6 milhões de almas perdidas no Holocausto. Muito tempo depois da reunião, Chaim nos relatou que embora Meir não fosse religioso, uma vez ao ano – em Yom Kipur – ele contemplava a fotografia de sua família assassinada, e chorava.

Passaram-se sessenta e sete anos.

De alguma maneira, a semente estava plantada na mente de minha avó, e ela começou a acalentar a idéia de que seu irmão talvez tivesse sobrevivido à guerra. Não havia uma prova aparente do fato de ele estar vivo, mas este pensamento não dava descanso a ela, que estava obcecada com a possibilidade da sobrevivência de Meir. Minha família contactou a Cruz Vermelha, e esta nos informou que demoraria dois anos antes que qualquer informação estivesse disponível. Claramente, esta não era uma opção. Minha avó estava desesperada para encontrar o desfecho daquilo, qualquer que fosse a direção que a história a levasse.

Durante este período no limbo, meu pai relatou as circunstâncias de uma situação cada vez mais urgente a um colega de trabalho belga. Este sugeriu que meu pai entrasse em contato com um certo Rabino que morava na Bélgica e que poderia prestar alguma ajuda. Várias semanas após o primeiro contato com Rabino Kornfeld, recebemos um chamado dele. Minha mãe respondeu, e posso apenas imaginar o turbilhão de emoções que ela deve ter sentido quando ele disse: "Acabo de falar com seu tio, meia hora atrás."

Após confirmar que era 100% a pessoa certa, minha mãe telefonou para o tio e apresentou-se como a sobrinha que ele jamais conhecera. Minha mãe chama-se Chaya, que também significa vida.

Estava na hora de minha avó descobrir que a voz interior que a vinha incomodando estava correta e de fato, seu irmão estava vivo. Minha mãe conta que ela se sentia como a Serach bíblica, a filha de Levi. Serach foi designada para contar ao idoso avô, Yaakov, que seu amado filho Yossef estava vivo e bem no Egito, após muitos anos em que se supunha que estivesse morto. Foi como se uma notável parte da história estava se repetindo em outra geração.

Quando minha mãe contou à sua mãe que Meir estava vivo, minha avó irrompeu em lágrimas e risadas. Quem poderia acreditar que ela tinha um parente vivo? Alguém sobrevivera? Ela não estava sozinha? Mais uma vez, por uma sucessão de eventos parecidos com um milagre, havia irmão e irmã.

Meses depois, minha avó, mamãe e minha tia viajaram à Bélgica, onde foram cumprimentadas por Meir, o filho e a sobrinha dele. A semelhança entre Sima e Meir era irrefutável. Quando eles se sentaram no aeroporto e trocaram lembranças da infância, tentando pôr em dia 68 anos de história, ficou claro que não desejavam repisar os momentos tristes. Tinham se encontrado. Isso bastava. Creio que esta experiência era realmente única, e a verdadeira bênção de uma reunião assim jamais chegarei a compreender totalmente. Sinto-me feliz por ser uma peça da continuidade dessa história, e de levar o nome da mãe deles [de abençoada memória], Chana.

Um ano após Meir e Sima terem se reunido, Meir faleceu. Era um homem calmo que sofrera muito durante a vida, porém viveu com graça e sensibilidade incomparáveis, apesar das provações. Há muito que posso aprender com sua força.

Minha avó, Sima [que ela viva e esteja bem], continua a ser uma fonte de inspiração para mim e minha família, ainda um símbolo da verdadeira beleza e refinamento.

       
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