O Homem na pilha de lixo

  Por Tuvia Bolton
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Houve certa vez um homem fabulosamente rico chamado Farbes. Porém ele era muito infeliz. Já tinha tentado de tudo para acabar com seu sofrimento; procurara médicos, mas eles disseram que ele era completamente saudável.

Tentou então aprender música, praticar esportes, passatempos, dança, foi viajar, e chegou a tentar meditação, mas nada parecia ajudar; continuava entediado e deprimido. Sem outra opção, foi procurar um sábio em busca de conselhos.

"O seu problema" – disse o sábio – "é que nunca doa para caridade. Vive totalmente para si mesmo – é por isso que se sente tão infeliz. Se deseja ser feliz, comece a ajudar outras pessoas."

Aqui estava uma idéia que ainda não lhe ocorrera! Faria caridade e finalmente ficaria livre da melancolia. Saiu da casa do sábio com uma nova esperança.

Porém, descobriu que isso não era assim tão simples. Doar dinheiro era um mundo inteiramente novo para ele, e não sabia por onde começar.
A maior parte das pessoas que pareciam pobres lhe davam uma sensação de que na verdade não o eram. Por outro lado, estava certo de que deveria haver muita gente realmente necessitada de dinheiro, mas que não aparentava isso.

Ele não poderia simplesmente dar dinheiro a qualquer um; se doasse a pessoas não merecedoras não teria feito caridade, afinal. Porém, precisava doar, ou terminaria por enlouquecer. Deveria haver uma maneira de descobrir quem era realmente necessitado.
De repente ele teve uma idéia; daria somente a pessoas que já tivessem perdido por completo a esperança. Esta, concluiu ele, era a verdadeira pobreza.

Começou então a visitar lugares onde se pode encontrar pessoas desafortunadas; hospitais, orfanatos, prisões, favelas, bares. Porém não foi bem-sucedido.

Todos com quem falava tinham alguma esperança na vida. Conheceu pessoas com problemas, doenças, dívidas, inimigos; encontrou desabrigados, mendigos, desempregados, indefesos, mas não conheceu ninguém sem esperança.
Ele estava ficando desesperado.

Então, certo dia, quando passava por uma ruazinha lateral, ouviu gemidos que vinham da direção de um lixão. Entusiasmado, encaminhou-se para lá. Sentado numa pilha de lixo estava um homem em farrapos, coberto de furúnculos e gemendo.
"O que aconteceu?" perguntou Farbes ansiosamente.

"Ai, não me pergunte" – disse o homem, balançando-se de um lado para outro e segurando a cabeça nas mãos. "Perdi tudo, tudo mesmo! Meu trabalho, meu dinheiro, minha casa, amigos, família, tudo! E agora surgiram estes furúnculos! Ai!"

"Diga-me" – perguntou o milionário ansioso – "você ainda tem esperança?"
"Esperança?" foi a resposta. "O que quer dizer com esperança?"

"Você sabe" – disse Farbes – "esperança de que as coisas vão melhorar."
"É claro que tenho esperança!" O pobre homem olhou para ele com os olhos arregalados e respondeu. "Enquanto eu estiver em cima da terra e a terra não estiver em cima de mim, tenho esperança. No cemitério não há mais esperança! Você está procurando por alguém desesperançado? Vá ao cemitério."

Agora Farbes estava realmente desesperado. Estaria condenado a uma vida de sofrimento? Não haveria uma maneira de doar seu dinheiro?

De repente ocorreu-lhe… Aceitaria o conselho do homem! Iria ao cemitério e ali colocaria seu dinheiro. Sabia que era um risco, e também não se tratava exatamente de fazer caridade. Mas pelo menos estaria doando! E com certeza o dinheiro não cairia em mãos erradas.
Naquela mesma noite, pegou um saco de dinheiro e uma pá, esgueirou-se até o cemitério local, escolheu um túmulo qualquer, cavou um buraco, atirou o dinheiro lá dentro, cobriu tudo e saiu tão furtivamente como entrara.

Assim que chegou em casa, sentiu-se melhor. Era como se uma pedra tivesse sido tirada de cima do seu coração. Não fazia sentido algum, mas que importa? Finalmente ele estava feliz. Tinha funcionado!

Passaram-se dois anos e Farbes quase se esquecera do incidente do cemitério. Mas então, seguindo ordens do destino, a roda da fortuna deu uma volta para pior. Os negócios começaram a ir mal. Ele tomou algumas decisões erradas; prejuízos pequenos se tornaram enormes. Teve um problema atrás do outro durante cinco anos, até que chegou a falência e uma necessidade desesperada de algum dinheiro sonante.

Farbes lembrou-se subitamente do dinheiro enterrado. Era sua última esperança. Naquela noite, mais uma vez saiu furtivamente com uma pá e uma sacola, encontrou o túmulo onde enterrara o dinheiro e começou a cavar tão rápido e em silêncio quanto possível. Um vento frio lhe gelava os ossos e assobiava entre as árvores – ele não via a hora de sair dali. Mais um instante e ele terminaria…

"Mãos para cima!" trovejou uma voz atrás dele. "Polícia"
Os joelhos de Farbes amoleceram e ele quase caiu, tamanho foi o medo. "Agora vire-se devagarinho" – disse a voz.

Ele voltou-se e deu de cara com um revólver enorme na mão de um policial. "Roubando os mortos, hein? A que ponto pode chegar um homem! Ora!" dizia o policial enquanto algemava Farbes.
Ele tentou explicar, mas tremia tanto que mal podia dizer: "Não… mas… eu…" Em questão de minutos, estava a caminho da delegacia.

Uma semana depois estava de frente ao juiz, alquebrado. Aquele que fora certa vez um empresário rico agora era apenas um criminoso sem tostão, mofando numa cela. O único consolo que tinha eram as palavras daquele homem na pilha de lixo, anos atrás: "Enquanto eu estiver sobre a terra e a terra não estiver em cima de mim, terei esperança."

No tribunal, o policial estava testemunhando.
"Meritíssimo, apanhei este homem em flagrante. Estava cavando num túmulo com uma pá, tentando roubar dos mortos. Chegou a levar uma sacola para colocar os dentes de ouro e outros valores."

"O que tem a dizer em seu favor, Farbes?" perguntou o juiz.
"Meritíssimo, não foi assim. Veja, há alguns anos eu enterrei dinheiro ali porque estava procurando alguém que não tivesse mais esperança. Ou seja, eu tive de fazer caridade porque um rabino me falou isso, e eu procurava alguém…" Farbes olhou para o juiz para ver se aquilo que estava dizendo fazia sentido para o magistrado.

"Sim, continue" – disse o juiz.
Farbes continuou: "Bem, eu encontrei este homem coberto de furúnculos num depósito de lixo, e ele me disse para ir até o cemitério. Portanto, lá fui eu, enterrei o dinheiro e agora precisei dele de volta."
"Acredita nisso, Meritíssimo?" perguntou o policial. "Desculpe-me, mas esta é a história mais louca e confusa que já ouvi!"
"Sim, acredito nele" – disse o juiz com firmeza. "Este homem está dizendo a verdade. Pode libertá-lo, ele é inocente."
"Como disse, Meritíssimo?" perguntou incrédulo o policial.
"Mandei libertá-lo. Imediatamente, por favor."

De volta à rua, um perplexo Farbes tentava recompor-se. Em meio à alegria pela liberdade inesperada, algo o estava incomodando na cachola. Aquele juiz, onde o tinha visto antes? Conhecia aquele rosto de algum lugar…


Sobre o autor:
Tuvia Bolton: Músico, professor e contador de histórias, Rabi Tuvia Bolton é co-diretor e conferencista na Yeshivá Ohr Temimim em Kfar Chabad, Israel.
       
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