Tio John vai à Sinagoga

 

Por Steve Hyatt

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Quando me mudei para Reno, Nevada, fiquei encantado ao descobrir que a Sinagoga Chabad ficava apenas a três quilômetros de distância, e pela primeira vez na minha vida eu poderia caminhar até a sinagoga no Shabat.

Durante minha caminhada semanal no Shabat passo por diversos distritos rurais bastante pitorescos. Na metade da jornada, avisto uma enorme árvore, uma sempre-verde que provavelmente tem centenas de anos e dezenas de metros de altura. Durante os últimos quatro anos tenho observado algo estranho e, para mim, bastante místico. Todo Shabat, exatamente às 9:20 da manhã, um casal de gaviões Cauda Vermelha está majestosamente pousado no topo desta árvore imensa. Ambos olham para minha família, meus amigos e eu quando passamos, e então, sem exceção, eles voam na direção da sinagoga. Isso não acontece uma vez ou outra, ou várias vezes por mês. Acontece todas as vezes que passo debaixo da árvore no Shabat, às 9:20 h. Seja verão, inverno, primavera ou outono, sempre posso contar com meus "amigos" me esperando e depois voando enquanto passo por ali.

Quando contei às pessoas este interessante fenômeno, todos, incluindo minha família, ouviram educadamente e então disseram que eu estava exagerando. Até meu melhor amigo, Baruch Smith, olhou para mim um tanto incrédulo. Isso até que ele passou uma noite de Shabat em minha casa e na manhã seguinte caminhou comigo para a sinagoga. Agora, Baruch acredita. Como os gaviões estavam ali somente no Shabat, achei que tinha de haver uma explicação bíblica para a aparição deles. Deveriam ser meus anjos guardiães, ou anjos disfarçados. Pedi a todos uma explicação mas ninguém conseguiu equiparar minha experiência com uma explicação espiritual definitiva.

Com o passar dos anos, desisti de buscar uma explicação e apenas apreciava esta singular experiência do Shabat. Comecei até a acenar para meus "amigos", desejar-lhes "Bom Shabat" toda vez que ali passava. Quando meus pais se mudaram para Reno, e começamos a caminhar juntos até a sinagoga, eu "os apresentei" aos gaviões, e eles se maravilharam com sua aparição regular todo Shabat. Embora eu tivesse me resignado a pensar que não deveria haver uma explicação espiritual, ainda tinha uma incômoda necessidade de entender por que eles estavam sempre ali exatamente quando passávamos nas manhãs do Shabat. Mal sabia eu que a resposta tão esperada estava logo ali.

Há alguns meses, minha Tia Meredith e Tio John vieram de Boston para passar alguns dias conosco. Quando chegaram, soubemos que meus tios jamais tinham tido um jantar de Shabat na sexta-feira à noite, portanto minha esposa Linda e eu estávamos determinados a fazer de tudo para mostrar a eles o verdadeiro júbilo encontrado na mesa do Shabat. Não é segredo na família que Tio John adora sopa com kneidalach, bolinhas de matsá, portanto Mamãe preparou um caldeirão da sua receita super-secreta. Tio John não cabia em si quando Mamãe colocou a tigela fumegante na frente dele. O sorriso em seu rosto iluminava a sala inteira.

Sentados ao redor da mesa, minha tia, meu tio, e meus pais partilhavam histórias sobre o que fora crescer e trabalhar em nossa cidade natal, New London, em Connecticut. Rimos, choramos, e finalmente todos foram dormir com sorrisos no rosto, alegria no coração e estômagos lotados com a sopa de kneidalach de mamãe.

Na manhã seguinte, estávamos sentados ao redor da mesa do desjejum e contei ao meu tio sobre o fenômeno dos dois gaviões. Tio John, um observador de pássaros de primeira classe, ficou intrigado pela minha história e disse: "Rapaz, eu daria tudo para vê-los de perto." Com um sorriso nos lábios, eu respondi: Bem, por que não vai conosco à sinagoga e no caminho eu lhe mostro os gaviões?" Ora, qualquer que seja o motivo, Tio John jamais tinha entrado numa sinagoga no Shabat. Então ele estava um pouco relutante em começar agora. Educadamente, declinou da minha oferta.

Cerca de 30 minutos depois, quando Papai e eu estávamos prontos para sair, Tio John mudou de idéia e disse que, se a oferta ainda estivesse de pé, ele adoraria ir conosco. Como um ávido observador de pássaros ele realmente queria ver os gaviões e também estava curioso sobre o que meu pai e eu achávamos de tão agradável no Beit Chabad que ficava ao pé da cadeia de montanhas de Sierra Nevada.

Saímos de casa exatamente como sempre fazemos, às 9 da manhã. Ao longo do caminho encontramos alguns amigos e continuamos nossa caminhada montanha abaixo rumo à sinagoga. Exatamente às 9:20, para grande surpresa de meu tio, nossos amigos emplumados apareceram voando e pousaram na árvore. Todos paramos para contemplar aquela visão maravilhosa e refletir sobre como continuava a acontecer Shabat após Shabat. Após olharmos para nossos amigos de todos os ângulos, tivemos de puxar Tio John para continuar nossa jornada. E como se estivessem esperando pela deixa, os gaviões voaram na direção da sinagoga.

Quando lá chegamos, apresentei meu tio a todos e o Rabino Cunin começou a reza matinal. O serviço de duas horas passou voando e antes que o último " Shabat Shalom" fosse pronunciado, trouxemos mesas, fizemos o kidush e começamos a entoar canções e apreciar a maravilhosa comida da Rebetsin. Quando alguém colocou uma panela de cholent em frente ao meu tio, ele perguntou-me o que era. Disse a ele que era cholent, um prato básico de muitos almoços de Shabat. Ele provou cepticamente uma colherada, sorriu e comeu o restante com grande prazer, e depois pediu para repetir! Mais um tesouro do Shabat descoberto! Quando chegou a hora de ir embora, meu tio falou que entendia por que meu pai e eu éramos atraídos à sinagoga. Disse que as pessoas eram maravilhosas, o rabino agradável e receptivo, e o cholent era ímpar!

A caminho de casa nossos amigos emplumados voaram até uma árvore próxima como que nos desejando uma boa volta para casa, e depois voaram para longe. Meu tio de 80 anos, meu pai de 77 e eu caminhamos o último quilômetro de volta montanha acima com um passo firme e felizes. Não pude deixar de pensar que Reno realmente era um lugar especial. Um lugar onde no espaço de dezoito horas, um judeu de 80 anos podia se aquecer à luz das velas do Shabat, comer sopa de bolas de matsá, ir à sinagoga, comer cholent e ver gaviões de cauda vermelha de perto e pessoalmente; e tudo isso pela primeira vez.

Depois que meus tios partiram, finalmente entendi a missão dos gaviões. Eles tinham esperado pacientemente Shabat após Shabat, ano após ano, até Tio John aparecer. Estavam lá para seduzi-lo e guiá-lo em sua primeira caminhada à sinagoga. Eles não estavam me vigiando, estavam esperando por ele. Nunca tinham sido meus gaviões, sempre tinham sido os gaviões de Tio John. Se eu não tivesse uma história sobre este fenômeno inacreditável, Tio John talvez não ficasse intrigado o suficiente para fazer a caminhada de seis quilômetros, ida e volta, à sinagoga.

Se esta história não for suficientemente inacreditável, é interessante notar também que meu pai e eu temos passado pela imensa árvore sempre-verde em cinco manhãs de Shabat consecutivas desde que Tio John foi embora, e nunca mais vimos os gaviões. Coincidência? Não creio.

       
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