Alvin e o Aficoman

 

Por Mike Indgin

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Antes mesmo de chegarmos à porta do minúsculo bangalô em Miami, já podíamos sentir o aroma do dill fresco borbulhando na canja. Aquilo fazia o coração de um menino de seis anos saltar de alegria. Minha noite favorita do ano finalmente tinha chegado: Pêssach na casa da Bubbe.

Minha mãe, meu pai, meu irmão Alvin e eu fomos os últimos a chegar. Ao redor da mesa do Sêder estavam Tio Sammy, Tia Mona e seus quatro meninos; Minnie, Bob e suas duas filhas; e Tia Blanche, que tinha saído na frente e tomava seu primeiro copo de vinho.

O Sêder transcorria como sempre, com Papai liderando o serviço, Blanche bebericando vinho antes da hora e Bubbe correndo para lá e para cá com mais ingredientes.

Quando chegou a hora de Papai lavar as mãos, Alvin deu um pulo e seqüestrou o Aficoman da mesa. Fui atrás do meu irmão de onze anos enquanto o Sêder continuava.

Quando Alvin teve certeza de que ninguém estava observando, esgueirou-se até a despensa atulhada. Em algum lugar da estante na parede do fundo, encontrou a antiga Enciclopédia Mundial e cerimoniosamente escondeu o Aficoman no Volume "A", entre o Afeganistão e o Alasca.

Voltamos para nos juntar ao grupo a tempo de ouvirmos as Quatro Perguntas e por fim ao banquete de Pêssach. Como de costume, empanturrei-me com matsá Charôsset e ovos a ponto de nem conseguir experimentar o famoso frango assado da Bubbe.

Finalmente chegou a hora das Graças Após as Refeições.

"Onde Alvin escondeu o Aficoman este ano?" Papai e Tio Sammy fizeram uma tentativa de encontrar a metade faltante da matsá debaixo das almofadas de cada cadeira.

"Tudo bem, você nos venceu, Alvin", disse Tio Sammy. "Quanto você quer?"

"Na verdade, não precisam me dar nada", declarou Alvin misteriosamente.

"Garoto esperto, está tentando arrumar mais dinheiro", disse Tia Blanche.

"Ah, sim?" perguntou Tio Sammy. "Vamos lhe dar uma dose do seu próprio remédio. Crianças, encontrem a matsá."

Os primos Finkel começaram a revirar a casa como se fossem macacos foragidos do zoológico. Após quinze minutos frenéticos, eles voltaram à sala. Kevin fez o relatório. "Desculpe, Papai, mas há muitos lugares para se esconder uma matsá numa casa."

Tio Sammy ergueu as mãos. "Tudo bem. Você receberá dez dólares logo depois de Pêssach. É o dobro do que conseguiu no ano passado."

"Não, obrigado. Se você quer terminar o Sêder, tem de achar o Aficoman."
"Estou velho demais para estas brincadeiras."

"Não é brincadeira. Todos sabemos que o Sêder não pode terminar até que todos partilhemos o Aficoman. Se você não consegue encontrá-lo, então creio que o Sêder não poderá terminar."

"Bem, tecnicamente, ele está certo", disse meu pai. "Por que ele está fazendo isso, não tenho a menor idéia."

Sammy deu de ombros. "A partir de agora, seus privilégios de esconder o Aficoman estão oficialmente revogados. Você venceu, Alvie. Depois de Pêssach, você receberá vinte dólares."

Os primos engoliram em seco.
Kevin era o mais aborrecido. "Isso é minha mesada por um ano inteiro.
Aquele negócio estava ficando sério. Afinal, estávamos em 1975.
Alvin ergueu a mão para acalmar os primos.

"Olhem, todos vocês. Vou explicar minhas intenções."
Até Bubbe pôs a cabeça para fora da cozinha para ouvir aquilo.
Alvin limpou a garganta. "Tenho pensado bastante. No outono, Kevin vai para a universidade. Mitchel e Warren irão logo depois. Sarah provavelmente se casará com aquele médico com que está saindo."

A mãe de Sarah, Mamie, sorriu perante aquela perspectiva.
"Logo todos nós tomaremos caminhos separados", continuou Alvin. "Esta reunião – esta tradição – será apenas uma lembrança. Então eu estava pensando: E se o Aficoman não fosse encontrado? Então seria o Sêder Eterno. Bubbe ficaria cozinhando seus quitutes deliciosos. Poderíamos ficar aqui para sempre. Uma grande família feliz."

"Eu vou matá-lo", disse Sammy.

Tia Blanche pelo menos pareceu aprovar a idéia. "Bem, se pudemos vagar no deserto durante quarenta anos…"

Sammy voltou-se a Papai em busca de ajuda. "Sêder Eterno? Ponha algum juízo na cabeça do menino, Nathan."
"Ele está brincando. Um Sêder Eterno. Essa é boa, Alvin."
"Não estou brincando, Papai."

A voz de Sammy ficou baixa e séria. "Está ficando tarde. Eu comi demais. Temos de ir embora. Vinte e cinco mangos. É minha oferta final."

"Vinte e cinco mangos?" O rosto do Primo Kevin estava ficando vermelho. Isso apenas serviu para deixar Alvin ainda mais categórico. "Tio Sammy, como pode colocar preço em algo inestimável? Esta simchá? Estes rostos sorridentes?"

Àquela altura, somente Blanche estava sorrindo. Ela estava dormindo em cima da travessa do Sêder.

"Gostei do que você está tentando fazer", disse Sammy. "Mostra que tem coração. Mas agora basta."

Com um gesto pomposo, ele pegou uma matsá que estava debaixo da coberta da matsá.
"Está vendo isso? Esta matsá era a mais próxima do Aficoman. Talvez Eliyáhu tenha se esgueirado durante o Sêder e transferido os poderes do Aficoman do Sêder para a matsá que estou segurando. Aqui e agora, decreto esta matsá 'Aficoman por associação.'"

Começou a partir a matsá e distribuí-la aos filhos.
Alvin ficou horrorizado. "Aficoman por associação? Por favor, Tio Sammy."
"Tudo bem, prove para mim que esta matsá não veio da mesma matsá maior da qual veio o Aficoman? Ou talvez este seja o Aficoman original que se deslocou para baixo durante o transporte?"

Papai sentou-se perto do seu filho.

"Não estou entendendo, Papai", suspirou Alvin. "Pensei que todos quisessem que esta noite durasse para sempre."
"Foi uma idéia nobre, Alvin. Mas pense um pouco; se este Sêder não terminasse, sentiríamos falta do Shabat. Isso sem falar em Chanucá e no seu bar mitsvá."
"Chanucá…", repetiu Alvin baixinho.

Papai pôs a mão no ombro de Alvin. "Às vezes queremos que o tempo fique parado – que as coisas permaneçam exatamente como estão. Mas sem a mudança das estações, a própria vida não poderia existir. Não haveria o nascer do sol. Não haveria a alvorada com suas promessas e mistérios."
Para um dermatologista, Papai podia ser bem filosófico.

"Quem sabe? No ano que vem poderíamos todos estar em Jerusalém, comendo quitutes que você jamais provou, celebrando com primos que jamais conheceu."
Alvin refletiu sobre isso por um instante, depois saiu da sala, voltando com o Aficoman desaparecido nas mãos. Quebrou um pedaço e passou-o ao pai. Eles recitaram juntos a bênção e cada um comeu um pedaço.

Alvin sorriu pela primeira vez naquela noite.

"No próximo ano em Jerusalém", disse ele ao pai.
"Sim, Alvin. No próximo ano em Jerusalém."

       
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