O Báal Shem Tov no Céu

 

Por Yitschak Buxbaum

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Rabi Yechiel Michal de Zlotchov foi um dos mais notáveis discípulos de Rabi Israel Báal Shem Tov, o fundador do chassidismo. Muitos anos depois do falecimento do Báal Shem Tov, o filho de Rabi Yechiel Michal, Yossef, ficou gravemente enfermo, e sua saúde deteriorou-se até que ele chegou à beira da morte. Foi então que Rabi Michal soube que os oponentes do Báal Shem Tov estavam planejando queimar o livro chassídico, Toledot Yaakov Yosef ("As Gerações de Yaakov Yosef") numa determinada cidade. Este livro, escrito por outro grande discípulo do Besht, Rabi Yaakov Yosef de Polnoye, era o primeiro e único livro, até aquela época, que continha os ensinamentos do Báal Shem Tov.


Rabi Yechiel Michal percebeu que esta era uma tentativa de suprimir o novo Movimento Chassídico, e que a situação era urgente. Ele decidiu viajar àquela cidade e tentar impedir aquela terrível profanação. Instruiu sua família que se (D'us não permita) seu filho morresse enquanto ele estivesse fora, eles deveriam retardar o enterro até que ele voltasse para casa. Pouco depois que ele partiu, Yossef entrou num coma profundo. Parecia ter parado de respirar e pensaram que ele estava morto, mas retardaram o enterro segundo as instruções recebidas.

Após três dias, porém, Yossef começou a transpirar. Abriu os olhos e contou essa história:
"Quando entrei em coma, senti minha alma deixar o corpo. Imediatamente, um anjo veio para levar-me a um palácio celestial. Como o anjo não tinha permissão de entrar naquele palácio, entrei sozinho e fiquei de pé à porta. Lá dentro, a corte celestial estava em sessão e vi dois anjos chegarem com um livro que continha o registro de todos os meus pecados. Era tão grande e pesado que era difícil para eles o carregarem. Enquanto eu observava, entrou um outro anjo com um livro fino contendo as minhas boas ações, mas estas não igualavam os pecados, que as superavam. Então foi trazido um terceiro livro, dos meus sofrimentos, e eles fizeram com que muitos dos meus pecados fossem apagados. Mesmo assim, com os pecados que restaram, a corte decidiu condenar-me a morrer da minha doença, e estavam a ponto de pronunciar a sentença e escrever o decreto.

"Naquele momento meu pai – que tinha feito uma ascensão da alma para protestar perante a corte celestial – chegou ao palácio, entrando com uma comoção e reclamando em voz alta daqueles que desejavam queimar o livro com os ensinamentos do Báal Shem Tov. Ele protestou vigorosamente, dizendo: 'Será um terrível chilul Hashem (profanação do Nome Divino) se o livro for queimado. Isso não pode ser permitido!'"

Neste momento, Rabi Yechiel notou seu filho parado perto da porta, e disse: "Yosef, por que está aqui?"

"Pai, não sei," disse ele. "Mas por favor, fale com o tribunal em meu favor."

"Certamente o farei," respondeu o pai.

Então, Rabi Yechiel Michal continuou a protestar sobre a queima do livro como antes, implorando ardentemente que isso não fosse permitido. Porém a corte respondeu: "Este assunto pertence a uma jurisdição mais alta" – porque no céu há tribunais mais e mais elevados, um acima do outro – uma corte de apelação, uma suprema corte, e assim por diante. Rabi Yechiel Michal então saiu para fazer uma apelação a uma corte superior e esqueceu-se completamente de seu filho Yossef.
Yossef estava perto da porta, preocupado ao extremo. Não muito depois disso, Rabi Yaakov Yossef de Polnoye também fez uma ascensão da alma e chegou ao palácio celestial onde a corte estava reunida. Ele entrou e também gritou e implorou enquanto chorava, reclamando sobre aqueles que tinham desejado queimar o seu livro.

Então, notou o filho do seu amigo de pé ali perto da porta, e disse: "Yossef, por que está aqui?"
"Não sei, Rabino," disse o rapaz. "Mas por favor, fale com a corte por mim."

"Certamente, direi alguma coisa em seu favor," disse Rabi Yaakov Yossef.

A corte então disse a ele que o assunto do livro seria levado a uma corte superior. Rabi Yaakov saiu imediatamente para apelar à corte mais alta e esqueceu-se por completo de Yossef. Este, enquanto isso, continuava ali de pé preocupado, porque não tinha ninguém para advogar em seu favor.

De repente, houve tamanho tumulto que todos os mundos estremeceram, e uma proclamação ecoou através dos céus: "Abram caminho, abram caminho, o sagrado Báal Shem Tov está entrando no palácio!" (O Besht, como já dissemos, já tinha falecido e estava no outro mundo.) Assim que o Báal Shem Tov entrou, viu o filho do seu discípulo ali sozinho perto da porta, e disse: "Yossef, por que está aqui?"

"Sagrado Rabi, eu não sei," disse Yossef. "Poderia, por favor, falar à corte para me ajudar?"
"Certamente o farei," disse o Báal Shem Tov, e então foi imediatamente falar com a corte sobre o rapaz, pedindo que encerrassem o caso e o deixassem ir em paz. Ele voltou-se então para Yossef e disse: "Pode sair agora e voltar para casa."

A essa altura, Yossef estava curioso sobre o que aconteceria no céu e quis ficar um pouco mais para ver o que o Báal Shem Tov faria ali. Porém dois anjos troncudos vieram imediatamente, seguraram-no sob os braços e o acompanharam até a saída. Levaram-no então cada vez mais para baixo, para baixo, até o mundo inferior, "até", disse ele, "que vi um corpo repulsivo jazendo ali no chão," pois sua família, pensando que estivesse morto, o tirara da cama e o colocara no chão com os pés apontando para a porta, segundo o costume.

Os anjos disseram: "Entre naquele corpo!" Queriam que ele voltasse ao seu corpo. Porém ele estava enojado pelo corpo e pelo sofrimento neste mundo, e recusou-se firmemente. Chorou e implorou, mas eles o forçaram a entrar contra a sua vontade. "Então," disse ele, "comecei a transpirar, abri os olhos e estou contando essa história a vocês."

Rabi Yechiel Michal de Zlotchov, o pai do rapaz, esqueceu-se do próprio filho em seu zelo para defender o livro que continha os ensinamentos do Báal Shem Tov. Rabi Yaakov Yossef de Polnoye, o autor do livro, esqueceu-se do filho de seu amigo ao defender o livro com os ensinamentos do Báal Shem Tov. Porém o sagrado Báal Shem Tov, cujos ensinamentos estavam no livro, não esqueceu um jovem judeu. Uma criança era mais importante para ele que um livro.

Algumas das pessoas mais sagradas não escrevem livros. O Báal Shem Tov concentrou-se em viver os ensinamentos, não os registrando. O legado do Báal Shem Tov não foi de livros, mas de pessoas. O que ele deixou para trás foram discípulos e seguidores em cujos corações ardia o amor a D'us, amor por Israel, e amor à Torá, com um fogo eterno. Ele nunca escreveu um livro, mas jamais esqueceu uma criança.

       
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