Reb Yankle

 

Por Shemuel Marcus

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Nem sempre o homem vive todos os seus dias. A vida pode terminar algum tempo antes da morte. E para Reb Yankle, a vida terminou quando ele saiu do chêder. Desde então, a vida tem sido apenas um longo momento, onde as coisas simplesmente acontecem.

Quando ele tinha nove anos, sua mãe faleceu. Foi enviado para morar com uma tia. A família de Tia Rose era secular, e Yankle nunca mais ganhou Chanucá guelt. Três anos no Exército Vermelho. A Guerra. A morte prematura do único filho. A morte recente de sua mulher. Pensão mensal e sopa diária.

Yankle é o primeiro judeu que eu encontro na grande sinagoga em Cracóvia. No Shabat sento-me perto do resmungão, triste, velho Reb Yankle. D'us preza os pobres e os cegos, e quando eu balanço meus pés perto dos seus sapatos, sei o porquê.

Yankle nunca chora. Pelo menos não chamo aquilo que choro. Seus olhos se enchem de água, depois ele morde o lábio inferior.

Yidish. Adoro seu yidish. Ber, Chaimke, Hershel: ele conta os amigos de infância com os dedos. Depois morde seu lábio. Ele é o único que restou.

Política ou temas atuais, Yankle não está interessado. Enojado com tudo isso, resmunga ele. "Ahhh" e balança a mão.

O inverno leva embora todas as folhas; as poças se transformam em gelo. E no Shabat, o assento de Yankle está vazio. Yossi e eu decidimos visitá-lo em casa. Foi quando eu conheci um velho chamado Yankle.

Atulhado. O aposento único em que ele mora parece mais velho que ele. O pequeno quarto é como uma gaiola, trancando meu mundo lá fora. Yossi e eu nos sentamos na cama coberta com jornais; ele está sentado. O médico e o clima lhe disseram para ficar em casa, Reb Yankle precisa de um favor; precisa de pão.

Yossi e eu passamos bastante tempo na casa dele. O pão que levamos é sempre do tipo errado. Ele diz "Ahhh" e balança a mão. Não é aquilo que ele sonhou, mas vai servir. Ele não implora com as mãos; implora com os olhos. E é assim que você conhece Reb Yankle; olhando nos seus olhos.

Yankle gosta de repetir sempre as mesmas histórias de sua aldeia, como se nada mais tivesse acontecido. Sentamos com ele e falamos. Na maior parte do tempo, nos sentamos apenas porque ele quer que fiquemos ali. Suponho que todo rapaz de vinte anos deveria ter um velho amigo de oitenta e oito.

Hoje, Yankle começa a procurar loucamente alguma coisa. Yossi o ajuda a levantar o colchão. Ele empurra lixo para frente e para trás; a poeira está ficando insuportável. Yossi manda-o sentar-se e promete achar aquilo que termina por ser uma bolsa de veludo com um tefilin, E encontra.

Os olhos de Yankle querem tocá-lo. Seu braço esquerdo se move na minha direção. Ele quer colocá-lo. Ali de pé, imóvel, ele está se comunicando com o céu. Eles conversam durante algum tempo. De repente ele grita: "Pintele Yid!" apontando para o seu peito, como um general exibindo sua patente.

Yossi pegou o tefilin. Após nos abençoar com uma vida longa, o sábio volta à cama. Reb Yankle então fecha os olhos. O sol está se pondo lá fora.

Naturalmente, eu sempre tive medo de chegar ao seu apartamento e encontrá-lo morto. Afinal, ele falava sobre si mesmo como se já estivesse morto, e não tendo motivo para viver.
Comecei a suar.

E então, com um sorriso genuíno, todos os temores da vida caem por terra. Reb Yankle tinha encontrado aquilo que estava procurando. Pela primeira vez ele estava contente. Eu tinha testemunhado a ressurreição dos mortos.

       
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