Uma piada feita no Céu

 

Por Yrachmiel Tilles

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Um jovem chassid solteiro, Meir, passava as Festas na corte do seu Rebe, Rabi DovBer, o Maguid de Mezeritch. Quando foi admitido ao estúdio do Rebe, ele queixou-se sobre a dificuldade que estava tendo para arrumar uma esposa. Devido à sua pobreza, ninguém queria lhe encontrar um par.

"Vá em paz" – disse o Rebe. "Aceite a primeira proposta de casamento que lhe seja sugerida."

A caminho de casa, o jovem passou a noite numa estalagem, onde encontrou um grupo de desocupados matando o tempo com bebidas e piadas tolas. Estando com frio, ele encontrou um assento num canto perto da lareira. Tentava passar despercebido, mas os engraçadinhos o avistaram, perguntando de onde era e no que trabalhava. Ele disse o nome de sua cidade, acrescentando que tinha acabado de fazer uma visita ao Maguid de Mezeritch.

"O que queria com o Rebe, e o que ele respondeu?" perguntaram eles.

"Pedi ao Rebe que rezasse para que o Todo Poderoso desse um jeito para eu encontrar minha parceira para casar, e ele disse que eu deveria concordar com a primeira proposta que me fosse feita."

Com isso, um homem do grupo deu um salto e exclamou: "Excelente! Tenho um par de primeira classe para você. Minha irmã é divorciada, e tem um dote de cem rublos de prata – e está aqui perto! Se você concordar, podemos dar um aperto de mãos e estamos resolvidos."

Ora, na verdade, aquele homem de maneira alguma era parente da jovem; ela era filha do rico estalajadeiro, que não estava em casa na hora.

Meir respondeu friamente: "Tudo bem, eu concordo."

O engraçadinho correu até a cozinha, explicou a piada à moça e pediu a ela que desempenhasse sua parte na brincadeira, dizendo que isso seria bom para os negócios, pois certamente muitas bebidas seriam pedidas para celebrar. Ela concordou inocentemente, e quando surgiu no salão principal, foi saudada com gritos e aplausos. O bando de desocupados então pediu vodca para agradar o jovem chassid por ocasião do seu súbito noivado, e todos se divertiram brindando e oferecendo bênçãos a ele, o tempo todo rindo por trás das costas do rapaz. Então um deles se levantou com uma sugestão adicional: "Por que não organizamos já a cerimônia do casamento? Então poderemos fazer uma festa realmente grandiosa!"

Um dos seus amigos objetou: "Mas ninguém do nosso grupo sabe como escrever o contrato de casamento e realizar a cerimônia."

Meir, ouvindo aquilo, disse que sabia fazer as duas coisas. Isso deu a eles ainda mais lenha para a fogueira. Pegaram uma toalha de mesa, colocando-a esticada sobre quatro cabos de vassoura sobre a cabeça dos dois jovens, para servir como chupá. O chassid escreveu o documento de ketubá; e então ele consagrou a risonha jovem como sua esposa legal segundo os ritos de Moshê e Israel. Os homens agora se divertiam tanto com a anedota que batiam no chapéu de Meir de todos os lados, zombando dele sem qualquer inibição, e até começaram a lhe dar uns tapas.
Vendo em que pé as coisas estavam para o seu lado, Meir tratou de escapulir e passou a noite no chalé de um dos aldeões não-judeus. Pela manhã ele aventurou-se até a porta da estalagem, mas teve medo de entrar temendo levar alguns tapas outra vez. Neste exato momento escutou um dos criados dizendo: "Olhe só quem está chegando! O 'pai da noiva' voltou"!

O rapaz aproximou-se do estalajadeiro e disse: "Como vai, meu sogro?"

O estalajadeiro ficou perplexo: "O que é isso? Do que está falando?"

Sua filha, que tinha saído para cumprimentá-lo, explicou: "Este rapaz nos presenteou com algum entretenimento; a noite passada tivemos uma cerimônia de noivado e casamento, só como diversão! Você gostará de saber quanta bebida e comida extra foi vendida!"

O pai não gostou daquilo que ouviu, e encheu a moça de perguntas para esclarecer exatamente o que tinha ocorrido, Quando ouviu as respostas, gritou furiosamente com Meir: "Palhaço! Que idéia foi essa de desposar minha filha? Aqueles idiotas talvez não entendam as implicações de uma ketubá e de uma cerimônia de casamento na frente de testemunhas, mas você é um chassid e estudante da yeshivá, e certamente deveria saber melhor. Não percebeu que estavam zombando de você?"

E, para assegurar que tinha sido bem compreendido, deu um tapa no rosto do jovem chassid.
Em seguida, porém, ele pensou melhor sobre o assunto e disse para si mesmo: "Como já estou encrencado com este vagabundo, preciso conversar educadamente com ele para conseguir sair dessa confusão. Se eu me enfurecer, ele não me dará atenção."

Então mudou de atitude, e pediu ao jovem para dar à filha uma carta de divórcio, prometendo entregar-lhe vinte rublos de prata pelo incômodo. Para sua surpresa, o rapaz, mesmo sendo visivelmente pobre, recusou de imediato. O homem elevou diversas vezes a oferta, mas não obteve sucesso.

"Pode parar de tentar comprar-me" – disse Meir finalmente. "Deixe-me contar o que está realmente acontecendo. Meu Rebe disse-me para concordar com a primeira proposta de casamento que surgisse, e foi o que eu fiz. Este bando talvez tenha tratado a coisa toda como piada, mas eu levei a sério. Aceitei a oferta segundo as instruções do Rebe, e certamente não desistirei dela sem uma ordem específica do Rebe. Se não concorda com o casamento, vamos juntos ao Rebe: deixe que ele decida."

O abalado estalajadeiro percebeu que não tinha outra opção exceto viajar a Mezeritch. Quando lá chegaram, ele expôs sua queixa ao Maguid: "Um dia, quando eu estava fora de casa, chegou este pobre, que acreditou num bando de engraçadinhos que lhe disseram ser irmãos de minha filha, e aceitou a proposta que eles lhe fizeram de casar-se com ela. Então eles montaram uma canópia nupcial, e ele comprometeu-se com ela na frente de testemunhas! Ofereci dinheiro a ele para que assinasse um guet (divórcio), mas ele não quer concordar sem a sua aprovação. Estou disposto agora a oferecer cem rublos de prata, desde que ele conceda o divórcio a minha filha."

"Deixe-me discutir o assunto com o jovem" – disse o Maguid.

Quando o estalajadeiro voltou algumas horas depois, o Maguid lhe disse: "Discuti o divórcio com o rapaz, e ele concorda – desde que você lhe dê mil rublos de prata. Mas e quanto à sua filha? Não está na hora de ela se casar? Permita-me fazer uma excelente proposta que tenho em mente para ela. Eu atesto pessoalmente que este jovem é um judeu instruído e devoto, vem de uma família excelente e refinada, e ele próprio tem um ótimo caráter…"

"Aceito de bom grado a sua recomendação, Rabi" – disse o estalajadeiro, que tinha o maior respeito pelo famoso líder chassídico.

"O noivo tem apenas um defeito" – continuou o Maguid. "Ele era pobre, e sua pobreza o deixou com aparência frágil e não atraente. Mas isso, agora, foi retificado. Veja, ele acaba de entrar na posse de mil rublos de prata, que está trazendo para o casamento. Dessa maneira, você não perderá nada e estará ganhando um excelente genro …"

"Veja" – concluiu Rabi DovBer – "não há necessidade de um divórcio e outro casamento. Eu lhe asseguro: é um casamento feito no céu. Que vocês voltem para casa, ambos, com o coração repleto de alegria."

O estalajadeiro aceitou o conselho do Rebe, foi para casa alegremente com seu genro, e o novo casal viveu a vida toda em harmonia.

       
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