Sammy e Bryna, de Gush Katif

 

Por Sara Yoheved Rigler

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"Quando ocorrer a desocupação, a perda mais esmagadora dos Hilburg não será sua linda casa no assentamento de Netzer Hazani, nem seus nove alqueires de estufas onde cultivam tomates-cereja orgânicos. O pedaço de terra que lhes será mais doloroso deixar é o túmulo de seu filho Yochanan, morto no Líbano enquanto servia no Exército Israelense, e enterrado no cemitério de Gush Katif.

Sammy e Bryna Hilburg eram recém-casados repletos de idealismo sionista quando saíram dos Estados Unidos em aliyá em 1972. Sammy trabalhou na Polícia de Fronteira.

Bryna era fonoaudióloga. Sete anos depois eles decidiram que não bastava viver na Terra de Israel, eles queriam construir o país. Foi uma época na sociedade israelense em que o termo "colono" significava "pioneiro", e não "usurpador".

Os Hilburg procuraram o governo, que lhes ofereceu uma escolha entre as Colinas de Golan e Gush Katif. "Nas Colinas de Golan, eles estavam dispostos a nos dar vacas e neve" – relembra a Sra. Hilburg. "Como eu não queria nenhuma das duas, fomos para as estufas e o cultivo de tomates."

Mudaram-se para o assentamento de Netzer Hazani em 1979, fundado apenas três anos antes. Na pomposa cerimônia, Yitzhak Rabin tinha proclamado:

"Hoje é um grande dia para o país e para os assentamentos, um dia que simboliza o fortalecimento de nosso controle na área que se tornou uma parte indivisível do país e sua segurança."

Quando os Hilburg estabeleceram a vida em Gush Katif, eles alguma vez chegaram a pensar na possibilidade de que poderiam ser desalojados algum dia?

"Não" – responde a Sra. Hilburg, hoje com 54 anos. "Naquele tempo ninguém falava em deixar a terra. Nós morávamos aqui, os árabes ali, e todo mundo estava contente. Nós costumávamos fazer as compras em Khan Yunis [uma grande cidade árabe ao sul da Faixa de Gaza]. Se precisássemos de uma demão de tinta nas paredes, íamos a Khan Yunis comprar a tinta. Se precisássemos de um quilo de maçãs, era lá que íamos comprar. Quando tínhamos casamentos ou bar mitsvot, convidávamos nossos empregados árabes, e quando eles tinham casamentos ou ocasiões festivas, nos convidavam. Nós, os judeus habitantes de Gaza, construímos uma classe média árabe aqui, que não existia antes."

Tudo isso mudou em 1986, com a primeira Intifada. A família árabe que trabalhava para os Hilburg ainda trabalha para eles, mas para os judeus, aventurar-se até uma cidade ou aldeia árabe lhes custaria a vida.

Durante os últimos dois anos, as comunidades de Gush Katif têm sido o alvo de 6.000 morteiros e foguetes vindos das áreas vizinhas da Autoridade Palestina. Milagrosamente, apenas alguns explodiram, sem causar ferimentos ou danos a propriedades. Dois morteiros caíram perto da casa dos Hilburg, mas Bryna diz que o medo não faz parte da sua vida. Isso é notável, considerando que dois dos seus cinco filhos restantes estão atualmente servindo no Exército Israelense.
Bryna Hilburg, com seu cabelo prateado, usando calça comprida preta e uma blusa cinza, fala num tom de voz calmo e pausado, como uma mulher que domina o funcionamento do seu coração ferido. Ela é um retrato da racionalidade e da maturidade prática. Agora, seis semanas antes da programada evacuação, ela já fez algum preparativo para partir? "Não" – responde ela com simplicidade. "Conversamos com um advogado. A maioria das pessoas aqui procurou advogados. Mas quanto a caminhonetes de mudança ou embalagens, ainda não tenho uma caixa sequer."

Sammy Hilburg tem 56 anos, e já não possui a energia e entusiasmo necessários para começar uma nova fazenda a partir do zero. Eles pensaram aonde poderiam ir? "Bem, estão falando em mandar as pessoas de Gush Katif para a área de Nitzanim [a região ao norte de Ashkelon]. Mas quanto a realmente ir lá e dizer: 'Eu quero este ou aquele trailer', ninguém que eu conheça já fez isso. Eles esqueceram um pequeno detalhe quando começaram a fazer todos estes preparativos para Nitzanim com 350 trailers onde vão colocar 1800 famílias. Esqueceram de planejar o esgoto. Não quero ir para um lugar onde nem sequer poderei dar descarga."

Ela está esperando um milagre que pare a desocupação? Ela suspira. "De certa forma, sim. Mas se eu quiser que um milagre aconteça, tenho de fazê-lo acontecer. Preciso protestar e dar entrevistas aos jornais e despertar a atenção do país.

Poderia esta mulher tão prática realmente conceber que 9.000 judeus poderiam continuar a viver cercados por um milhão e meio de árabes? "Por que não?" diz ela. "Os judeus vivem em toda parte, e sempre estão em minoria. Se os árabes desejam continuar vivendo em paz, não há motivo para isso não ocorrer.

"A mentalidade islâmica" – continua ela – "é tal que cada pedaço de terra que eles consideram sua propriedade é completamente sagrado para eles. Portanto, não vão parar com a Faixa de Gaza. E se eles conseguirem a Margem Ocidental, também não vão parar por ali. Vão querer Jerusalém, e quando conseguirem, poderão também tomar Tel Aviv e Haifa. Acho que é bobagem querer aplacá-los com presentes de terra, porque isso não pode dar certo. Você não dá uma coisa sem conseguir algo em troca. E pelo que posso ver, não estamos ganhando nada."

Sua posse mais preciosa

A casa dos Hilburg é uma residência típica de classe média, repleta de quadros, livros e lembranças pessoais. O plano de desocupação prevê que os soldados irão embalar os pertences dos moradores que se recusarem a empacotar suas próprias coisas, o que inevitavelmente levará a muita confusão e perdas. Como uma mulher que sabe o que uma verdadeira perda é, a Sra.
Hilburg não está preocupada com a possibilidade de perder seus objetos. "A maioria dos meus pertences não vale muito" – diz ela, dando de ombros. "Se eu tiver algumas coisas que realmente gosto, posso colocá-las numa mala, creio eu."

"O que você não quer perder?"

"Meu sustento. Minha casa. Minha vida como eu a entendo. Meus amigos. Um porto seguro para meus filhos. E" – ela faz uma pausa – "o túmulo do meu filho."

Os jornais, alguns dias antes, tinham relatado que as famílias cujos entes queridos, ao todo 48 pessoas, estão enterrados no cemitério de Gush Katif entraram com um processo na Suprema Corte insistindo para que as sepulturas não sejam mudadas sem permissão das famílias. Como é impensável que os túmulos sejam deixados para trás para ser vandalizados pelos palestinos, o que é exatamente que as famílias pretendem?

"Em primeiro lugar, o governo precisa vir aqui falar conosco e não, como foi planejado originalmente, vir para cavar os túmulos no meio da noite para enterrá-los de novo em algum local temporário, e depois dizer: "Vocês podem fazer o que quiserem com eles."

Os túmulos são um dos problemas mais pungentes da desocupação. Os judeus protegem os túmulos judaicos porque perturbar os restos mortais, acredita-se, inflige dor espiritual para a alma. Como os corpos em Israel não são enterrados em caixões, apenas envoltos em lençóis ou xales de orações (para facilitar o processo de "pó retornando ao pó", exumar os 48 túmulos de Gush Katif não será um processo simples de desenterrar um caixão e enterrá-lo novamente. Em vez disso, o processo envolverá a hedionda provação de desenterrar esqueletos sem poder precisar o limite definido entre os restos mortais e a terra em volta.

Até que ponto o preço de viver seus ideais tornou-se alto demais para Bryna Hilburg pagar? "No início de setembro de 1997, o Governo de Israel bateu à minha porta e disse: ‘Sentimos muito, seu filho está morto.’ Agora o governo está batendo na minha porta para dizer: ‘Desculpe, estamos lhe tirando a sua casa.’ O que eu tenho de deixar o governo de Israel fazer, na próxima vez que eles vierem bater à minha porta?"

       
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