Shabat em Lvov

 

Por Chana Weisberg

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"Batya, o grupo está partindo de trem hoje à noite" – disse Rabi Pinchas à esposa. Ele falou num sussurro, embora não houvesse ninguém presente na privacidade do seu lar.

Na Rússia Soviética dos anos 1940, onde espiões, informantes da polícia secreta podiam estar escondidos em qualquer canto – onde se dizia que as paredes tinham ouvidos – a precaução e o sigilo era parte da vida deles. Nunca se era cuidadoso em demasia, ainda mais com o assunto tão delicado em questão.

Batya estava bem consciente do significado por trás das ênfase nas palavras do marido, e da potencial esperança que elas encerravam. Os Sudak estavam temporariamente alojados em Lvov, uma cidade próxima à fronteira da Polônia. Tinham escolhido aquele local para planejarem sua fuga da União Soviética. Recentemente tinham recebido documentos falsos que lhes permitiria passar de cidadãos poloneses e embarcar no trem que cruzava a fronteira para a liberdade.

O grupo a que Pinchas se referia eram famílias de chassidim de Lubavitch que, juntamente com ele, tinham planejado esta fuga às cegas. Se o grupo fosse apanhado e seus papéis examinados com atenção, isso significaria prisão imediata e provavelmente uma sentença de morte para cada um deles. Era um risco, porém, que eles sentiam ter de passar.

"Mas hoje é noite de sexta-feira, Pinchas" – protestou Batya.

"É pikuach nefesh (assunto de vida ou morte)" – respondeu Pinchas concisa mas decisivamente.

Batya estava bem consciente de que era permitido violar o Shabat se o caso envolvesse salvar uma vida. Ela sabia muito bem que esta situação seria classificada como ameaça de morte, e viajar portanto era aceitável.

"Sim, claro" – respondeu ela, a voz lhe faltando. "Mas como podemos? Afinal, tudo aquilo que já passamos para guardar a santidade do Shabat e cumprir as mitsvot, devemos profanar isso agora? A esta altura?" ela fez uma pausa, hesitante.

"É uma viagem perigosa. Podemos pagar com a nossa vida" – argumentou ela. "Como podemos fazê-la no dia sagrado do Shabat?

"Não!" concluiu Batya, agora com uma maior determinação na voz. "Não viajaremos esta noite."
"Perderemos o trem e a viagem junto com o grupo" – objetou Pinchas. "Talvez não haja outra oportunidade…"

"Não" – Batya foi categórica. "Não viajaremos. Vou até lá dizer a eles."

Antes que qualquer dúvida pudesse se infiltrar e fazer sua determinação arrefecer, Batya desceu rapidamente os degraus da casa, rumo à porta da frente. Na sua pressa, porém, falseou o pé no último degrau e caiu no chão, o tornozelo torcido. Gritou de dor e Pinchas a acudiu imediatamente. Ele a ajudou a sentar-se e levantar a perna. Dentro de instantes, o pé estava inchado do tamanho de um balão, e se tornara uma enorme massa disforme.

Assim a decisão foi tomada pelos Sudak. Com o tornozelo inchado, seria impossível para eles fazerem a viagem.

Os Sudak guardaram o Shabat como sempre faziam – com a máxima alegria. Não se permitiram sentir dúvida ou incerteza sobre o futuro, para não obscurecer a santidade do dia sagrado. Somente vários dias depois os Sudak souberam do destino dos outros com quem eles quase tinham viajado.

Naquela sexta-feira à noite, as famílias do grupo embarcaram no trem como combinado, levando os documentos falsos e todos os seus pertences. Os membros adultos do grupo suspiraram aliviados quando cruzaram a fronteira russo-polonesa. Porém o alívio teve curta duração. Um novo perigo estava à espera deles.
Um grupo de bandidos armados de repente atacou o trem. Os passageiros suplicaram para que os assaltantes lhes poupassem a vida. "Levem todo o dinheiro e nossos pertences" – imploraram eles – "mas deixem-nos viver!"

Os passageiros foram afortunados porque os bandidos agarraram seus objetos mas não os mataram. Muitas horas depois, o grupo finalmente chegou ao seu destino, Lodz, na Polônia. Estavam gratos por estarem vivos mas sem um centavo e sem os objetos pessoais.

De volta a Lvov, no encerramento do Shabat, os Sudak começaram a fazer novos planos para a fuga. Receberam notícias de que outro trem estava à disposição e partiria na noite da quinta-feira seguinte. O pé de Batya já estava completamente bom e os Sudak fizeram os preparativos necessários para embarcar no trem.

Batya e Pinchas, juntamente com seus três filhos, chegaram a Lvov sem novidades, gratos por terem escapado da União Soviética e terem completado com sucesso esta parte de sua jornada rumo à liberdade.

O pé machucado de Batya e o mérito do sagrado dia do Shabat os salvaram de uma terrível provação, e permitiu-lhes conservar seu dinheiro e seus pertences, pois isso seria vital para a sobrevivência num outro país. Batya e Pinchas não podiam deixar de pensar que "mais do que o povo judeu guarda o Shabat, o Shabat guarda o povo judeu".

Uma das crianças que não embarcaram no primeiro trem que partiu na sexta-feira era a minha mãe, Rebetsin Batsheva Schochet, a mais velha das três crianças Sudak. Anos depois, ela seria, juntamente com o marido, um dos primeiros emissários de Chabad enviados para revitalizar a comunidade judaica de Toronto. Como seus irmãos, os outros filhos de Batya e Pinchas, ela devotara sua vida àquilo que os pais tinham lutado tanto para preservar, ajudando outros a descobrir a beleza e a magia do Shabat e das tradições judaicas.

       
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