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Mishná em Ética dos Pais (6:9) relata:
Disse Rabi Yossi ben Kisma:
Eu estava certa vez caminhando numa estrada, quando um homem aproximou-se
e me saudou: "Shalom", e eu respondi: "Shalom". Ele
disse: "Rabi, de onde é?" e eu lhe disse: "Sou de
uma cidade notável por seus sábios e eruditos." Ele
disse: "Rabi, se vier viver conosco em nossa cidade, eu lhe darei
um milhão de dinares, ouro, prata, pedras preciosas e pérolas."
Eu respondi: "Mesmo se você me desse toda a prata e ouro, pedras
preciosas e pérolas do mundo, eu habitaria apenas num local de
Torá…"
A moral óbvia dessa história é que a Torá
é um tesouro inestimável, do qual não devemos abrir
mão por nada neste mundo. Porém a rejeição
e a recusa de Rabi Yossi, de fazer contato com judeus que estão
buscando liderança de Torá, é muito preocupante.
Estará ele abdicando da responsabilidade de partilhar a Torá
com o próximo? Com todo o devido respeito à preocupação
de Rabi Yossi pelo seu próprio crescimento, ele parece ignorar
a mitsvá básica de Ahavat Yisrael – amar o próximo
judeu!
De
fato, esta atitude negativa contradiz tudo que aprendemos na Ética
dos Pais sobre nossa obrigação de ajudar os outros: "Aproxime
[outros] da Torá" (1:12); "Não guarde a Torá
para si mesmo" (2:5); "Estude Torá para ensinar"
(4:5). Seria justo desprezar nosso sagrado dever e obrigação
de ensinar aos outros, recolhendo-se ao conforto de uma torre de marfim
de Torá?
Alguns comentários justificam a recusa de Rabi Yossi enfatizando
e interpretando a palavra bimkomaynu – "[vem viver conosco]
em nosso local" – como também encerrando o significado
"em vez de nós". Os membros desta cidade tinham procurado
alguém para aliviá-los de suas próprias obrigações
judaicas, esperando que o rabino rezasse e cumprisse mitsvot por eles,
para que pudessem fazer o que mais lhes agradasse.
Porém esta explicação deixa algo a desejar. Rabi
Yossi não deveria ser desculpado pela ignorância das pessoas;
ele deveria ter tentado corrigir o erro delas e mudar sua perspectiva
equivocada? Se ele tivesse aceitado o cargo, ele poderia ter lhes ensinado
que o Judaísmo envolve pessoalmente cada judeu, não apenas
os religiosos.
Outros comentários defendem Rabi Yossi, explicando que ele ficou
frustrado e desencorajado pela aparente ênfase e obsessão
do homem pelo dinheiro. Porém a dúvida permanece. Por que
Rabi Yossi deixou passar uma chance de ouro como essa, de construir um
local de Torá? Se ele tivesse se mudado para lá, certamente
teria tido o suficiente para financiar um sonho: dinheiro para construir
um micvê, uma escola, uma yeshivá e uma comunidade de Torá
a seu gosto. Se Rabi Yossi tivesse indicado o endereço daquela
cidade ao Comitê, certamente muitos candidatos interessados teriam
aceitado este cargo.
As dificuldades para o entendimento meramente superficial desta Mishná
nos forçam a considerar uma nova interpretação –
que Rabi Yossi mudou-se para a cidade sem nome. É bem possível
que Rabi Yossi de fato tenha aceitado o convite do homem.
De fato, em nenhum lugar a Mishná afirma que Rabi Yossi respondeu
"Não! Eu não vou!" Ao contrário, nós
o ouvimos proclamar: "Mesmo se você me der todo o ouro e a
prata, pedras preciosas e pérolas deste mundo, eu morarei apenas
num local de Torá", seguido por citações de
Tehilim e Mishlê que declaram: "A Torá de Tua boca é
mais desejável para mim que milhares em ouro e prata!"
A insistência de Rabi Yossi para "morar num local de Torá"
não estava limitada ao seu antigo domicílio. Pelo contrário,
expressa sua determinação de ser o pioneiro na construção
de um local de Torá em sua nova residência.
Este cenário pode parecer estranho a princípio. Porém
um exame cuidadoso das referências históricas e talmúdicas
nos ajudam a rastrear Rabi Yossi até um local específico
que não era conhecido como uma fortaleza de Torá.
Rabi Yossi em Roma
O Talmud (Sanhedrin 98a) detalha uma discussão entre Rabi Yossi
ben Kisma e seus alunos sobre a futura Redenção, na qual
Rabi Yossi aponta para uma passagem específica como sendo um marco.
Rashi comenta que este diálogo ocorreu "em Roma".
O Maharsha levanta a questão óbvia: Como o recluso Rabi
Yossi, que se recusou a viver em qualquer parte exceto num "local
de Torá", viu-se numa cidade como Roma, a fonte da destruição
do Templo e a própria antítese da Torá? É
também surpreendente descobrirmos que importantes oficiais romanos
compareceram ao funeral de Rabi Yossi e o elogiaram (Talmud, Avodá
Zará 17a). Parece bastante improvável que funcionários
romanos tenham viajado até o local exclusivo de Torá de
Rabi Yossi para prestar homenagens a um rabino que rejeitava tudo aquilo
que não fizesse parte de seu enclave de Torá.
Contrário à nossa impressão inicial, fica aparente
que Rabi Yossi não ficou restrito a um enclave recluso de Torá,
mas também atuou como rabino e professor em "Roma".
Onde é "Roma"?
Uma pesquisa mais profunda demonstra que a residência de Rabi Yossi
não era em Roma, a capital do Império Romano, mas sim uma
cidade romana na Terra de Israel. O Talmud descreve um túnel que
conectava as casas de Rabi Yehudá, o Príncipe (editor da
Mishná) e o romano Antoninus (Marcus Aurélius?) que estudavam
Torá em conjunto.
Certamente, não há um túnel de 1500 quilômetros
ligando Roma a Jerusalém sob o Mediterrâneo! Isso convenceu
o Seder Hadorot que a "Roma" mencionada aqui não é
a Roma da Itália, mas sim uma cidade romana em Israel. Isso também
é apoiado pelo fato de que, enquanto o funeral de Rabi Yossi foi
freqüentado por altos funcionários romanos, seu túmulo
está localizado em Meron, a algumas centenas de metros do túmulo
de Rabi Shimon bar Yochai ao norte de Israel.
Cesaréia
Esta cidade romana talvez tenha sido Cesaréia – a base do
governo romano em Israel, que também possuía uma comunidade
judaica. Isso também pode estar relacionado ao "Rabino Yossi
de Cesaréia" (Sanhedrin 98a), um pregador que discutia maneiras
de aproximar as pessoas do Judaísmo. Talvez ele seja o Rabino Yossi
ben Kisma, que mudou para Cesaréia para estabelecer um "local
de Torá", onde o encontramos cercado por estudantes, preocupado
com o futuro judaico e a Redenção.
Podemos agora ver Rabi Yossi sob uma nova luz. Ele não despreza
o convite. Ao contrário, responde, citando passagens da Escritura
relevantes ao seu patrocinador. Esta era na verdade o discurso de Rabi
Yossi para a comunidade antes mesmo de colocar o pé ali. O tópico
do seu primeiro sermão é: "Mesmo se você me der
toda a prata e o ouro, pedras preciosas e pérolas do mundo, eu
habitarei somente num local de Torá…"
A Torá é o melhor investimento. Dinheiro não é
tudo!
A congregação desejava gastar bastante dinheiro com um rabino
de prestígio, cujo nome impressionasse o prefeito, a imprensa e
seus vizinhos não-judeus. Eles queriam comprar para si mesmos um
rabi amigável que os aceitasse como eles eram, sem fazer exigências
religiosas.
Ofereceram um belo salário. "Mas por favor, Rabino, uma yeshivá
aqui vai interferir com nosso estilo de vida…" Eles tentaram
explicar ao Rabino em perspectiva que "Quando em Roma, faça
como os romanos". Rabi Yossi recusou – não a oferta
deles, mas os termos daquela oferta. E as provas indicam que, no final,
eles o aceitaram, bem como aos seus termos.
Agora que já localizamos a "Roma" para a qual Rabi Yossi
se mudou, vamos explorar um pouco mais a geografia talmúdica para
entender melhor de onde Rabino Yossi estava vindo.
O Talmud (Yevamoth 96b) descreve uma discussão haláchica
muito intensa que ocorreu entre os rabinos em Tiberius, algo que infelizmente
fez com que um Rolo de Torá fosse rasgado.
Rabi Yossi ben Kisma estava ali. Ele ficou muito contrariado e comentou:
"Pergunto-me se esta casa de estudo não será transformada
numa Casa de Idolatria." O Talmud conclui: "E assim aconteceu."
Talvez seja por isso que Rabi Yossi ben Kisma acha necessário iniciar
sua narrativa dizendo: "Certa vez eu estava passando por ali…"
Por que é importante mencionar que ele estava passando? Por que
ele não pôde simplesmente dizer: "Certa vez um homem
aproximou-se de mim?"
Além disso, se Rabi Yossi insistia tanto em não deixar seu
local de Torá, por que ele estava caminhando em outro lugar, aventurando-se
tão longe da cidade a ponto de o homem lhe perguntar: "De
que lugar você veio?"
Sabemos agora que Rabi Yossi ben Kisma estava realmente na cidade de Tiberius
(mencionada como uma "cidade de rabinos e eruditos" –
Talmud, Meguilah 7 e Bava Basra 9). Sabemos também que ele ficou
muito aborrecido pela rivalidade entre os eruditos, e seus resultados
prejudiciais. Fica claro que Rabi Yossi deixou Tiberius sentindo-se desprezado
e com o coração partido. Ele estava portanto a caminho,
quando este homem o abordou. O homem percebeu que Rabino Yossi estava
procurando um novo local, e portanto convidou-o a ir para sua cidade.
Quando Rabi Yossi responde: "Venho de uma grande cidade de eruditos",
ele não estava dizendo isso com arrogância, mas sim com tristeza
e desilusão. Ele estava tentando se afastar da política
e inimizade da "grande cidade", algo que resultara nos Rolos
de Torá rasgados que ele deixara para trás.
Enfrentando o desafio
Rabi Yossi estava portanto pronto a sair e trabalhar para reconstruir
a Torá num novo ambiente. Em vez de relaxar no conforto de um centro
de Torá já existente, ele aventurou-se a trabalhar e esforçar-se
para estabelecer um novo "local de Torá".
Rabi Yossi enfrentou o desafio. Ele não estava nem um pouco impressionado
pela riqueza material de seus novos anfitriões; ele estava preocupado
com sua pobreza espiritual. Embora eles fossem bem intencionados, a continuidade
judaica não os preocupava. Rabi Yossi não temia declarar
seu objetivo de elevar a consciência judaica deles, e expressou
claramente os seus termos logo de início, dizendo aos futuros congregantes:
"Não importa o quanto vocês valorizem sua riqueza material,
a Torá é a preciosa herança de cada judeu, homem,
mulher e criança, e significa muito mais que qualquer outra coisa
neste mundo!"
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