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Há
muitos anos, viveu um homem muito rico que possuía campos extensos
e vinhedos férteis, rebanhos de carneiros e manada de gado, e uma
mansão esplêndida. Ele tinha dez filhos talentosos, muito
trabalhadores e amigos leais.
O homem desfrutava de uma vida agradável e confortável,
mas uma preocupação não o abandonava nunca. O que
aconteceria depois de sua morte? Seus filhos discutiriam sobre sua herança?
Que horror seria se sua grande fortuna causasse inveja e disputa!
Um dia, o homem chamou seus filhos e disse-lhes: "Meus filhos! Um
homem sábio pensa sobre sua morte enquanto ainda goza saúde,
pois nenhum homem poderá viver para sempre. E eu tenho medo que
depois de minha morte, vocês começarão a invejar a
parte do outro na herança."
"Não permita D’us" - responderam os filhos em uníssono.
"Possa ser a vontade de D’us que nosso pai viva uma vida longa
por ainda muitos anos! E mesmo depois, seremos honestos, justos e bons
uns com os outros."
O
homem rico ficou satisfeito com as palavras ouvidas. Porém, era
um sábio homem, reconhecia que seria difícil para eles manterem
a promessa.
"Eu sei, meus filhos" - respondeu-lhes - "que vocês
têm boas intenções. Mas o homem nem sempre é
capaz de controlar seus maus impulsos. Ninguém poderá estar
certo de que sua fortuna durará para sempre. Portanto, decidi garantir
a cada um de vocês uma soma específica durante minha vida.
Eu tenho mil dinares no cofre. Darei a cada um de vocês cem dinares
de ouro. Com esta quantia cada um poderá se estabelecer em negócios
e ganhar o suficiente para o próprio sustento. Tudo o que sobrar
da minha fortuna será dividido igualmente entre vocês depois
que eu morrer."
"Pai, que você tenha uma longa vida," - responderam os
filhos. Depois todos voltaram às suas ocupações e
esqueceram-se da promessa feita ao seu pai.
Alguns anos se passaram e a fortuna do homem começou a diminuir.
Anos de seca danificaram seus campos e vinhedos, e doenças mataram
muitos de seus carneiros e cabeças de seu gado. Chegou um ponto
que, para pagar suas dívidas, o homem foi forçado a vender
quase toda sua propriedade. Somente os mil dinares que ele havia prometido
a seus filhos ficaram intactos, pois ele não quis voltar atrás
com a sua palavra. Só que, depois, não teve escolha.
Necessitou gastar alguns dos dinares de ouro, e daí restaram novecentos
e cinqüenta dinares. Em sua completa dor o homem adoeceu agonizantemente.
Uma vez mais, chamou seus filhos e, com suas últimas forças,
deu cem dinares para os seus primeiros nove filhos conforme havia prometido.
Os nove filhos mais velhos lhe agradeceram e partiram, e o homem doente
ficou com seu filho mais novo. O pai olhou para ele tristemente e disse:
"Meu filho, o que posso fazer? Eu nunca pensei que tivesse que gastar
parte do dinheiro que prometi a meus filhos. Mas aconteceram desgraças,
e eu fui forçado a fazer isto contra a minha vontade.
"Eu dei a seus irmãos exatamente aquilo que lhes havia prometido,
e agora só me restaram cinqüenta dinares. Desta quantia, preciso
deixar trinta dinares para pagar meus débitos restantes sobrando
somente vinte para você. Leve-os, e por favor, perdoe-me! Eu sei
que você é mais generoso do que seus irmãos."
O filho mais novo ficou muito aborrecido. Não só porque
lhe tivesse sido difícil ver seu velho pai em tal aflição,
mas também por ser difícil vencer seu próprio desapontamento.
"Pai, eu o perdôo!" - sussurrou angustiadamente. "Por
favor não se sinta mal! Mas o que farei com vinte dinares? Esta
soma de dinheiro mal dará para começar um negócio.
Em pouco tempo, serei forçado a gastar toda a quantia só
no sustento da minha família. E então o que acontecerá?"
"Não se preocupe" - consolou-o seu pai. "Eu tenho
dez amigos íntimos, os quais lhe deixo como parte da minha herança.
Tenho certeza que eles o auxiliarão na hora de necessidade. Acredite-me,
amigos são mais valiosos do que mil dinares."
O pai doente morreu. Depois dos sete dias de luto, cada filho seguiu seu
próprio caminho. Os nove irmãos mais velhos não perguntaram
como o mais novo viveria com somente vinte dinares. Eles investiram seu
próprio dinheiro em negócios, como o seu pai os havia aconselhado
e se mantinham confortavelmente.
Mas o filho mais novo não se deu tão bem. Exatamente como
havia temido, não teve dinheiro suficiente para começar
algum negócio, e foi forçado a gastar quase toda sua herança
para sustentar sua família. Rapidamente ficou somente com um dinar
de ouro.
Ele estava a beira do desespero. À quem poderia pedir ajuda? Então,
lembrou-se das palavras de seu pai. Ele tinha dez amigos íntimos
como parte de sua herança.
Mas como poderíam ajudá-lo? - pensou amargamente. "Deverei
ir até eles e pedir tsedacá? Naturalmente que não!
Eu nunca faria tal coisa!"
Contudo, decidiu que, de qualquer forma, deveria honrar o pedido de seu
pai e manter a amizade com os seus queridos amigos. Usando seu último
dinar, preparou uma farta refeição e convidou os dez amigos
do seu falecido pai.
Todos se deleitaram com o convite, e se divertiram muito na festa. Depois
da refeição, sentaram-se juntos e conversaram intimamente
entre eles. Relembraram quantas vezes haviam sido convidados na casa de
seu pai e como sempre ele havia se esforçado para agradá-los.
"De todos os filhos, somente este se lembrou das amizades íntimas
de seu pai e desejou continuá-las" - comentaram entre si.
"Certamente, foi difícil para ele gastar o dinheiro em tal
festa, pois obviamente não é rico. Afinal de contas, seu
pai tornou-se pobre no fim da sua vida e não deve ter-lhe deixado
muito. Venham, vamos recompensar a gentileza que o filho do nosso amigo
nos dedicou!"
Os amigos decidiram que cada um cederia uma vaca prestes a dar à
luz, em acréscimo à uma soma em dinheiro para que sustentasse
sua família.
Algum tempo depois, as vacas trouxeram à vida saudáveis
bezerros, os quais o filho vendeu com um bom lucro. Todos os seus planos
de negócios foram muito bem sucedidos, e ele tornou-se mais rico
do que seus irmãos - até mesmo mais rico do que seu pai
havia sido nos seus melhores tempos!
"Quão certo estava meu pai!" - disse o filho. "Verdadeiramente,
amigos valem mais do que qualquer fortuna!"
Ficou muito agradecido aos amigos do seu pai e, pelo resto de sua vida,
esteve sempre pronto para ajudá-los em retribuição,
se suas necessidades fossem grandes ou pequenas.Fonte: Sêfer Hamaasiyot
de Rabênu Nissim Gaon.
Fonte: Sêfer Hamaasiyot
de Rabênu Nissim Gaon |