O Transe do Rebe

 

por Tuvia Bolton

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Certo dia, uma mulher muito abalada apareceu na cidade de Lubavitch. Não era comum que mulheres andassem sozinhas há uma centena de anos, mas esta pobre senhora tinha feito uma árdua viagem de uma semana, porque alguém lhe dissera que o Rebe poderia ajudá-la.

"É aqui que mora o Rebe Shalom DovBer? Preciso vê-lo." Ela implorou a um dos secretários do Rebe. "Vim de muito longe, e seu Rebe é a minha única esperança. Por favor, preciso vê-lo! Somente ele pode me ajudar." Porém seus pedidos de nada valeram. O Rebe não estava atendendo.

"Se você escrever seu pedido num pedaço de papel, prometo que entregarei ao Rebe e ele o verá, mas não posso prometer mais do que isso. Sinto muito" – disse ele desculpando-se.

Sem outra opção, a pobre mulher encontrou um canto calmo para sentar-se e escreveu seu pedido. Ela era uma aguná, viúva de marido vivo. Seu marido tinha se afastado do Judaísmo há cerca de dois anos, e depois a deixara. Ela não possuía uma fonte de renda, tinha três filhos famintos para alimentar e não podia se casar novamente sem receber um divórcio oficial (guet ) do marido. Porém ela não tinha como encontrá-lo, e ninguém sabia sequer aonde começar. A mulher estava no fim de seus recursos; sem dinheiro, sem marido, sem experiência e agora sua última esperança, o Rebe, estava desvanecendo perante seus olhos.

"O Rebe provavelmente não prestará atenção à minha carta" – disse ela consigo mesma. Mas entregou a mensagem e esperou pelo melhor.

A resposta não se fez esperar. Menos de uma hora depois, o secretário do Rebe estava à sua frente, com boas notícias.

"O Rebe diz que a senhora deveria viajar para Varsóvia."

Ela ficou extasiada! Porém seu sorriso desapareceu ao perceber que a mensagem de resumia àquilo.

"Mas onde, em Varsóvia? O que devo fazer ali?"

"Isso foi tudo que o Rebe disse" – respondeu o secretário. "Sinto muito, não há mais nada."

Ela até escreveu outra carta pedindo mais detalhes, mas desta vez não houve resposta.
Quando os chassidim ouviram a história, fizeram uma coleta e compraram para ela uma passagem de trem com dinheiro suficiente para hospedagem e alimentação por um mês. Dois dias depois ali estava ela, de pé na estação de trens de Varsóvia, com sua velha maleta e nenhuma idéia onde procurar ou o que fazer em seguida.

As pessoas passavam apressadas por ela, ocasionalmente dando esbarrões, e uma vez quase foi derrubada, mas ficou firme ali naquele local. Ela tinha o endereço de um hotel num pedaço amassado de papel. Tirou-o do bolso, mas não queria mais andar, estava cansada, pensava mesmo em desistir. "As crianças estão em boas mãos" – pensou ela consigo mesma. Estava sozinha e confusa, e tinha vontade de chorar. Alguém mais esbarrou nela. "talvez eu simplesmente volte para casa." O pensamento ainda estava a um canto de sua mente, quando ouviu alguém dizer: "Desculpe-me."

Ela acordou do devaneio e viu à sua frente um judeu bem vestido com uma barba avermelhada. "Desculpe-me" – disse ele em yidish – "notei que a senhora está aí de pé há muito tempo, está se sentindo bem? Talvez eu possa ajudá-la? Está esperando por alguém?"

"Estou aqui porque o Rebe mandou" – e ela repetiu mecanicamente toda a sua história. "Diga-me" – disse o homem quando ela terminou – "qual é o nome de seu marido e como ele se parece?"

"Bem, ele…" Ela ainda estava um pouco abalada. "O nome era Finval, mas estou certa de que ele o trocou. E era robusto. Mancava um pouco ao andar, e tinha uma espessa barba negra, mas creio que raspou a barba, e tem uma espécie de cicatriz na testa. Já faz dois anos, quem sabe qual é a aparência dele agora…" Ela estava quase começando a chorar quando ele a interrompeu. "Creio que sei onde ele está. Por favor, siga-me. Não é longe daqui." Ele a acompanhou para fora da estação. Desceram uma rua movimentada, e ele deu-lhe indicações sobre como chegar a uma determinada taverna. "Creio que seu marido está sentado no fundo daquele bar, jogando cartas e apostando."

Parecia que tudo já fora dito e explicado. Ela não fez mais perguntas. Apenas assentiu para o estranho e começou a andar, seguindo suas indicações. Depois de uma hora, ela encontrou o local! Respirou fundo e entrou na caverna um tanto às escuras, arrastando a mala e sentindo-se terrivelmente deslocada. Abriu caminho por entre a fumaça e o barulho até o fundo do salão, e examinou as pessoas ali sentadas, esperando que seus olho se ajustassem ao escuro.

De repente um dos jogadores se voltou, olhou para ela e deu um grito horrorizado. "Sara! Como sabia que eu estava neste bar? Como chegou aqui?!" Ela podia ver mais claramente agora. O homem que estava falando se parecia com seu marido, mas era mais magro e não tinha barba, mas sim, era ele mesmo!

Quando ela explicou como o Rebe a tinha enviado e como um judeu tinha lhe explicado como chegar lá a partir da estação, ele começou a andar de um lado para outro como um possesso, passando os dedos pelo cabelo, agitando os braços e repetindo para si mesmo: "Não conheço nenhum judeu, não conheço nenhum Rebe! Como alguém poderia saber? Como?"

Ele ficou tão impressionado pelo milagre que começou a soluçar, e caiu de joelhos pedindo perdão a ela. Uma coisa leva a outra, e um mês depois, ele voltou constrangido para casa com ela e arrependeu-se completamente de sua atitude irresponsável.

No ano seguinte, ela viajou novamente a Lubavitch, mas dessa vez para agradecer ao Rebe. O secretário arranjou para que ela ficasse esperando à porta do Rebe, e quando este saísse, ela pudesse agradecer-lhe pessoalmente e entregar-lhe uma carta de gratidão.

Ela tomou seu lugar e ali ficou, segurando a carta e esperando, nervosa. Então chegou o grande momento, a porta se abriu e o Rebe apareceu. Ela olhou para ele e num segundo, caiu no chão desmaiada!

Quando ela voltou a si, um médico estava a seu lado. "Você estava tão nervosa que desmaiou" – explicou ele quando ela começou a sentar-se.

"Aquele era o Rebe?" perguntou ela. "Era ele?"

"Ora, certamente" – respondeu o doutor – "por que pergunta? Não sabia que aquele era o Rebe?"
"Porque" – disse ela – "aquele é o homem que eu vi em Varsóvia. Foi ele quem me ajudou na estação de trens em Varsóvia!"

Mais tarde o secretário do Rebe fez alguns cálculos. Lembrou-se que no mesmo dia em que a mulher alegava ter visto o Rebe na estação em Varsóvia, ele tinha entrado na sala do Rebe e o encontrara sentado imóvel por um longo tempo, alheio a tudo que o rodeava, como se estivesse "em algum outro lugar".Popular professor, músico e contador de histórias, Rabi Tuvia é co-diretor e conferencista veterano na Yeshivá Ohr Temimim em Kfar Chabad, Israel.

       
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