Um Tanya para o Professor Wheeler

 

por Dr. Aryeh Gotfryd

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Nos idos do verão de 1987, fui chamado uma manhã por Rabi David Schochet, Rabino Chefe da Comunidade Lubavitch em Toronto, com um pedido estranho:

"Você deve conseguir uma cópia do Reader’s Digest deste mês. Há um artigo sobre um físico, John Wheeler. Você precisa entrar em contato com ele."

"Mas o que devo dizer-lhe?"

"Partilhe com ele algum estudo de Chassidut (ensinamento chassídico), as Sete Leis de Nôach, este tipo de coisas."

Minha curiosidade fora aguçada. Rabi Schochet é um homem que vive e respira Torá de manhã à noite. Porém ele aparentemente não apenas lê Reader’s Digest, ele a está usando para aproximar-se de um cientista não-judeu. Mas depois que li o artigo, tudo começou a fazer sentido.

Wheeler é um dos maiores físicos do mundo. Na época, ele estava fazendo algumas profundas declarações religiosas em nome da ciência intransigente. "O homem é um insignificante grão de poeira ou um planeta insignificante numa galáxia insignificante em algum lugar na vastidão do espaço?" pergunta Wheeler. "Não! A necessidade de produzir vida está no centro de todo o maquinismo e projeto do universo… Sem um observador, não há leis da física… Por que o universo deveria existir, afinal? A explicação deve ser simples e tão bela que quando a virmos, diremos todos: ‘Como poderia ser de outra forma?…’ Ainda hoje é preciso um pensador… que possa abrir caminho com segurança por este mundo de mistério até visões despercebidas ou consideradas impossíveis. Não sei como fazê-lo. Não conheço ninguém que saiba. Posso apenas dizer que quando você vir alguém que saiba, valorize-o."

Então um cientista está relatando a descoberta de um plano sobrenatural, o centro da humanidade naquele plano, e a expectativa de que algum indivíduo logo nos levará a perceber o propósito da criação. E tudo isso é a conclusão racional de um físico que colaborou com Niels Bohr para fundar o alicerce para a energia atômica, cunhou a expressão "buraco negro", e serviu como mentor para diversos premiados Nobel.

Rascunhei uma carta para o Professor Wheeler e tratei de me informar para onde poderia enviá-la. Telefonei para Reader’s Digest. Eles não podiam me ajudar. Procurei o autor do artigo, John Boslough, mas não consegui encontrá-lo. Fui até a Universidade do Texas em Austin onde o Professor Wheeler trabalhava. Eles não o viam há meses. Tentei rastreá-lo pela Europa em diversas universidades, mas sem sorte. Após alguns dias de procura, desisti.

Decidi falar com vários outros físicos e pedir-lhes ajuda. Finalmente encontrei a secretária pessoal de Wheeler em Princeton. "Desculpe, senhor, mas ele estará muito ocupado nos próximos meses… Sim, entendo que sua mensagem é muito importante, mas ele está fazendo pesquisa para It From Bit e está atendendo apenas as ligações mais urgentes. Veja, ele passa seis meses por ano numa pequena ilha no Maine contemplando a criação de algo a partir do nada."

Bingo!
Empacotei um Tanya, o alicerce da Filosofia Chassídica contendo diversos capítulos que discutem o processo e a natureza da criação ex nihilo (a partir do nada). Incluí uma carta explicando um pouco sobre o Rebe, e como a Chassidut tem as respostas a suas perguntas sobre a origem, mecanismo e propósito da contínua criação de "algo a partir do nada".

Após enviar o pacote, telefonei para o secretário de Wheeler, pedindo-lhe educadamente que entregasse o pacote o mais rápido possível. Ela respondeu: "Dr. Gotfryd, precisa entender que recebo pelo menos uma dúzia de manuscritos por semana para o Professor Wheeler criticar e comentar, e cada um vem com o aviso: ‘Não respire até ler isto!’

Apesar disso, em poucas semanas recebi a ‘crítica" de Wheeler pelo correio:

"Para mim é uma preciosa lembrança da vida e ensinamentos do sétimo Lubavitcher Rebe ter como presente seu o Tanya, do primeiro Rebe. Agradeço especialmente pelas passagens assinaladas que estudarei com cuidado especial. Você já sabe de minha simpatia por estas questões em geral naquilo que falei ou escrevi sobre a criação, por exemplo, nas três páginas minhas anexadas, sobre uma reunião conjunta em que participei com a Royal Society e a American Philosophical Society."

O artigo que ele me enviou, chamado "Experimentos com Escolha Tardia", é digno de nota: ele enfatiza que o processo quântico elementar é um ato de criação, resultado da participação do observador. A partir daí resulta que sem o homem não há universo e nenhuma lei da física.
Wheeler descobre uma alusão original a esta noção no Midrash Rabah, uma compilação de tópicos talmúdicos sobre a Torá, que ele cita: "D’us repreende Avraham: ‘Você nem sequer existiria se não fosse por Mim!’ ‘Sim, D’us, isso eu sei’ – responde Avraham – ‘mas Tu não serias conhecido se não fosse por mim.’"

Dr. Wheeler comenta que "Em nosso tempo, os participantes no diálogo mudaram. Eles são o universo e o homem. O universo, nas palavras de alguns que poderiam aspirar a falar em nome dele, diz: ‘Sou uma máquina gigante. Forneço o espaço e o tempo para a sua existência. Não havia antes de eu existir, e não haverá depois que eu deixar de existir. Você é um pontinho de matéria sem importância localizada numa galáxia sem importância."

"Como devemos responder? Devemos dizer: ‘Sim, ó universo, sem você eu não teria conseguido vir a existir. Porém seu notável sistema é feito de fenômenos; e todo fenômeno se baseia num ato de observação. Você nem sequer poderia existir sem os atos elementares de registro como os meus.’"

Este, em poucas palavras, é o conceito judaico de que "o mundo foi criado para mim". A humanidade não foi criada como parte do universo. O universo foi criado para a humanidade. Um modelo assim requer a necessidade da contínua criação, do papel e propósito singulares da humanidade, e de uma consciência subjacente ao universo como um todo.

É realmente muito poético. Primeiro Avraham encontra D’us através da ciência. Depois, cerca de 3.700 anos mais tarde, a física quântica encontra D’us através da ciência. E agora John Wheeler descobre que Avraham estava certo o tempo todo.

Quanto à busca de Wheeler por um "pensador… que possa abrir caminho com segurança por este mundo de mistério até visões despercebidas ou consideradas impossíveis", eu fiz minha pequena parte introduzindo o Rebe e o Chassidismo Chabad a John Wheeler, com bons resultados. Somente nos resta seguir o conselho conclusivo de Wheeler: "Valorize-o!".


Dr. Aryeh Gotgryd nasceu em Toronto, Canadá, onde ainda mora. Escreveu sobre tópicos que vão da ecologia urbana à seleção de habitat de pássaros canoros. Atualmente dirige o Grupo Gotfryd de arquitetos paisagísticos e cientistas ambientais em Nova York.
       
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