Respeito aos pais

 

Contos da Guemará - Talmud Yerushalmi, Peá

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Até que ponto deve-se mostrar respeito aos pais?

Dama ben Netina

Esta pergunta foi feita a Rabi Elazar pelos tanaim.

E ele respondeu: "Por que perguntam a mim? Vão fazer esta pergunta ao gentio Dama ben Netina, de Ashkelon!"

Dama ben Netina era muito importante e respeitado, pois comandava os soldados do rei.

Certa vez, quando Dama estava reunido com os oficiais, sua mãe idosa e já senil os interrompeu abruptamente. "Por que não está em casa a esta hora?", disse ao filho zangada, e deu-lhe um tapa no rosto na frente de todos.

Dama suportou a humilhação em silêncio.

"Por que não me responde?", gritou ela, pensando que ele ainda era um menininho levado que se recusava a chegar em casa na hora. Estava tão irada que bateu o pé no chão com muita força e seu sapato desamarrou. Dama humildemente se abaixou e o amarrou de novo. E este não foi seu único ato de respeito para com os pais.

Certa vez o yashfe, uma das pedras preciosas do peitoral do Cohen Gadol, desapareceu. Era a pedra que representava a tribo de Beniamin.

Foram colocados avisos em todo o país: "Quem quer que tenha uma gema de yashfe deve se apresentar e vendê-la ao Bet Hamicdash".

Ninguém possuía uma gema assim, mas algumas pessoas se apresentaram e disseram que Dama ben Netina, de Ashkelon, tinha uma.

Imediatamente, os Sábios viajaram até Ashkelon e pediram a Dama que lhes vendesse a gema. Dama, que respeitava os judeus, estava disposto a vendê-la. E sugeriu o preço de cem dinares.
"Esperem um instante", disse, enquanto pego a chave do cofre."

Ele foi até o quarto em busca da chave que guardava em baixo do travesseiro. Mas lá encontrou o pai dormindo na cama, com a cabeça descansando justamente sobre aquele travesseiro.

"Se eu tirar a chave, com certeza irei acordar papari", pensou. "Não posso fazer isso!"

Então retornou e disse aos visitantes: "Sinto muito, mas hoje não posso vender-lhes a pedra".

Os Sábios imaginaram que isto era um expediente para aumentar o preço. Como estavam ansiosos para comprar a pedra, dobraram a oferta.

"Lhe daremos duzentos dinares. Isso é suficiente?"

"Esta é na verdade uma grande soma, mas não posso vendê-las a vocês."

Repetidas vezes eles aumentaram a oferta, mas Dama obstinadamente se recusou a pegar a chave.

"Nós lhe daremos então mil dinares. Isto não basta?"

"Mesmo se me oferecerem todos os tesouros do mundo, hoje não posso vendê-la a vocês!", disse determinado.

Ao perceberem que não havia como convencê-lo, os Sábios partiram. Não haviam ido muito longe quando ouviram Dama os chamando: "Sábios de Israel! Esperem um momento!". E ele correu os alcançando. Aproximou-se e falou: "Tão logo vocês deixaram a casa, meu pai acordou e pude pegara achave, que estava debaixo do travesseiro. Aqui está a pedra que vocês queriam."

Ele abriu um pequeno estojo de jóias. Dentro havia uma magnífica gema que brilhava à luz do sol, irradiando muitas cores: era o yashfe.

"Aqui está a pedra. Gostaria de receber os cem dinares, por favor", disse Dama.

"Mas estávamos dispostos a lhe dar mil dinares por ela! Não vamos voltar atrás em nossa palavra!", disseram os Sábios.

"Cem foi meu primeiro preço. Isto basta para mim. Também não vou voltar atrás em minha palavra!"
Os Sábios tentaram convencê-lo a receber os mil dinares, mas ele se recusou com firmeza, explicando: "Não aceitarei nada além do que combinamos no início. Vocês só ofereceram mais porque pensaram que eu não queria vender, mas isto não é verdade. Eu me recusei a vender porque não queria acordar meu pai. Por que deveria lucrar ao mostrar respeito pelo meu pai? É um ato meritório por si mesmo. Era meu dever, e não devo lucrar com isso."

Dama permaneceu inflexível. Mas D’us imediatamente o recompensou por sua boa ação. Naquela mesma noite uma vaca de seu rebanho deu à luz a um bezerro vermelho, que iria crescer e se tornar uma genuína pará adumá para o Bet Hamicdash. Os Cohanim quando souberam disso enviaram representantes a Dama para comprar-lhe o bezerro. Levaram consigo uma balança, colocaram o bezerro em um dos pratos da balança e despejaram ouro no outro prato. Dama recebeu o peso de seu bezerro em ouro.

Rabi Tarfon

Rabi Tarfon era um homem excepcional no que se referia ao cumprimento da mitsvá de kibud av vaem, respeito aos pais. Como sua mãe era muito idosa, ele a visitava todos os dias e sempre arrumava a casa para ela.

"Tarfon, meu filho", ela suplicava, "não fica bem para você fazer estas tarefas. Deixe-me chamar uma empregada. Você está acima destas coisas."

"Você acha que eu as considero indignas?", respondia o filho. "Pois está muito enganada. Vejo isso como a maior honra, ajudando e servindo você naquilo que for mais útil!"

Ficavam ambos discutindo assim até que a mãe percebeu que rabi Tarfon era realmente sincero e ficaria muito magoado se não tivesse permissão de ajudá-la nas tarefas domésticas.

Num Shabat, como de costume, ele foi visitá-la. Encontrou-a no meio da rua, como se estivesse grudada naquele lugar.

"Qual é o problema, mãe?", perguntou-lhe alarmado.

"Oh, não é nada", ela respondeu. "Eu estava passeando aqui for a quando a fivela do meu sapato rasgou. Tenho medo de andar descalça, pois posso machucar o pé!"

Como era Shabat, rabi Tarfon não podia pegar outro par de sapatos em sua casa pois não havia eruv. Ele refletiu um pouco, depois abaixou-se e colocou a palma de sua mão debaixo do pé dela.
"Tarfon, o que você está fazendo?", ela protestou.

"Minha querida mãe, não quero que você ande descalça. Por favor, pise na minha mão e deixe-me ajudá-la a voltar para casa."

E rabi Tarfon acompanhou sua mãe assim, agachando-se no chão a cada passo dela, até que a viu segura em casa.

Certa vez, quando rabi Tarfon ficou gravemente enfêrmo, seus amigos, os tanaim, foram visitá-lo.
"Por favor, rezem pelo meu filho para que ele se recupere e viva muitos anos mais", a mãe implorou a eles, aos prantos. "Ele é um grande tsadic, mostra tamanho respeito por mim que apenas este ato já seria suficiente para ter saúde por longos anos."

"Como ele respeita a senhora?", perguntaram eles.

Então ela contou-lhes de que forma rabi Tarfon ajudou-a a retornar para casa colocando sua mão debaixo de seus pés até que chegasse a seu destino. Contou-lhes outros episódios nos quais ele demonstrava kibud em.

"A senhora acha que rabi Tarfon cumpriu plenamente sua obrigação de filho, que ele realizou a mitsvá de kibud em da forma mais elevada?", perguntaram a ela. "Saiba então que, mesmo se ele demonstrasse um respeito um milhão de vezes maior, ainda assim ele não teria cumprido nem a metade dos requerimentos deste mandamento, pois este não tem limites!"

Ao falarem desta forma ríspida, a intenção deles não era incomodá-la, D’us não o permita, mas sim de algo mais profundo; quando uma pessoa já cumpriu seu propósito na vida, D’us leva sua alma de volta ao Céu. Os tanaim temiam que as bênçãos que a mãe de rabi Tarfon despejava sobre o filho pudessem prejudicá-lo. No Céu achariam que ele já havia alcançado a perfeição no cumprimento do kibud em e nada mais lhe restava fazer no que se referia a esta mitsvá, para a qual tinha sido posto no mundo. Por isso, os Sábios a silenciaram, dizendo que ele ainda tinha muito a realizar na terra, mesmo no que se referia ao respeito à sua mãe.

As palavras deles foram ouvidas no Céu e tiveram efeito, pois rabi Tarfon recobrou a saúde. Ele voltou ao beit midrash, onde retomou o estudo e o ensino da Torá. E, durante muitos anos ainda, continuou a respeitar sua mãe da melhor maneira que era capaz.

       
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