Shabat, Kuguel e lição em altas finanças

 

por Steve Hyatt

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O Shabat no Chabad ao norte de Nevada, localizado no centro da "Maior Cidadezinha do Mundo", Reno, é sempre uma ocasião festiva e alegre. Desde o frango assado até o kugel de batatas de dar água na boca, Rebetsin Sarah Cunin agrada nossas papilas gustativas com muitas das melhores iguarias do Shabat.

Lembro-me de um Shabat em especial há alguns meses. Sexta-feira à noite fomos festejar com os deliciosos quitutes da Rebetsin. No dia seguinte, Rabi Mendel Cunin liderou nossa crescente congregação durante um animado serviço matinal de Shabat, após o qual todos se reuniram para compartilhar e apreciar juntos um maravilhoso kidush.

Entre suntuosos pedaços de bobka de chocolate e transbordantes colheradas de cholent fumegante (cozido que é mantido quente durante todo o Shabat), discutimos as verdadeiras alegrias do Shabat e as leis pertinentes à proibição de trabalhar neste dia especial. A maioria de nós estava confusa sobre a definição de trabalho, e o que pode ou não pode ser feito no Shabat.

Aprendemos que trabalho é definido como as tarefas associadas com a construção do santuário nos tempos antigos. Depois de uma acalorada discussão, todos passamos a entender melhor este conceito básico e tão importante. Divertindo-nos imensamente, continuamos a atirar perguntas ao Rabino, e com a agilidade de um campeão ele as respondia com graça e paciência.

Durante aquela tarde alguém perguntou ao Rabino se era permitido ter um negócio que permanecesse aberto no Shabat, mesmo que o proprietário judeu não trabalhasse, mas sim guardasse o Shabat. O Rabino deixou claro que um judeu deveria afastar-se desse tipo de empreendimento e além disso, não deveria extrair qualquer lucro financeiro de dinheiro ganho no Shabat.

Não prestei realmente muita atenção nessa parte da discussão porque não sou dono de um negócio e não faço coisa alguma para ganhar dinheiro no Shabat.

Encerramos aquela tarde com uma maravilhosa discussão sobre o conceito de coincidência. No fim, todos concordamos que não existe essa história de coincidência na vida, e que a mão de D’us pode ser vista em muitas maneiras diferentes, bastando a pessoa simplesmente abrir os olhos e o coração.

Mais tarde naquele dia, cheguei em casa e ouvi alguém deixando uma mensagem na secretária eletrônica. Era a corretora de imóveis, chamando do Oregon. Ela estava informando que após cinco meses de tentativas para vender minha casa, cinco meses durante os quais eu não recebera uma única oferta, finalmente tínhamos uma proposta legítima para o imóvel. Ela prosseguiu dizendo que a pessoa estava deixando o país para umas férias e que era imperativo fechar o negócio imediatamente.

Fiquei ali na porta, paralisado, com medo. Tínhamos nos mudado do Oregon para Reno em janeiro. Durante meses, eu rezava a cada dia para que "hoje" fosse o dia de alguém querer comprar nossa casa. Com o passar dos meses, fiquei cada vez menos esperançoso de que conseguíssemos vendê-la a um preço justo. Quanto mais o tempo passava, mais preocupado eu ficava.

E agora estava literalmente de pé na entrada de minha casa nova e a corretora dizia que tínhamos de responder imediatamente, ou poderíamos perder o único negócio existente. Uma voz em minha cabeça começou a gritar: "Pegue o telefone! Não estrague o negócio, pegue o telefone agora mesmo!"

Enquanto eu passava pela porta, a corretora desligou. Creio que fiquei ali parado olhando para o telefone durante uma hora. Parte de mim estava insistindo para chamá-la de volta, mas a outra parte ficava me lembrando que era Shabat, e que eu deveria esperar até o dia seguinte. Enquanto eu travava esta monumental batalha interior, as palavras de Rabi Cunin voltaram à minha mente.
"Em última análise, nada positivo jamais deriva de dinheiro ganho no Shabat. De alguma forma, termina por se perder ou para pagar algum compromisso negativo. Não importa como você encare isso, uma transação financeira conduzida no Shabat JAMAIS compensa a longo prazo."

Finalmente, respirei fundo e caminhei lentamente para outro aposento. Disse a mim mesmo que apesar do pânico em meu coração, era mais importante abraçar os próprios valores e fé, que deixá-los de lado quando eles pareciam ser de certa forma inconvenientes.

Passei o restante do dia lendo e relaxando. Após o término do Shabat, peguei calmamente o telefone e liguei para a corretora no Oregon. Ela me informou que depois de me telefonar, ela descobrira que realmente não poderíamos fazer negócio naquele dia pois o corretor da pessoa que queria comprar a casa estaria fora da cidade até segunda-feira. Ela desculpou-se por ter deixado uma mensagem tão urgente, mas pensara que tínhamos apenas um dia para consumar a venda.
Fingindo indiferença, eu disse a ela que isso não era um problema, e perguntei de que precisávamos para fechar o negócio. Discutimos a oferta, preparamos uma contra-oferta e combinamos conversar no dia seguinte. Dentro de 36 horas a partir de minha conversa com a corretora, o comprador e eu concordamos quanto ao preço e a venda foi consumada.

Enquanto eu depositava o fone lentamente no gancho, maravilhei-me pela série de eventos que tinha acabado de ocorrer. No decorrer dos anos desde que encontrei Chabad, descobri que a procura para tornar-me mais observante e mais espiritual é uma jornada gradual construída passo a passo. Às vezes a jornada é fácil, e em outras vezes as lições são difíceis. Mas uma coisa é certa; a jornada está sempre repleta de encanto e entusiasmo.

Nos últimos seis anos, posso relatar numerosas conversas sobre a alegria e os prazeres do Shabat. Mas foi apenas neste Shabat em especial, neste Beit Chabad específico, que me encontrei envolvido nessa singular discussão sobre o Shabat. Uma discussão que me impediu de comprometer meus valores e fazer algo de que me arrependeria depois. E se isso não bastasse, somente quando tive de me defrontar com isso e tomar a decisão certa, que finalmente vendi minha casa no Oregon.

Coincidência? Acho que não.

       
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