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Eu
não chamaria aquele bar mitsvá de típico. Não
houve leitura da Torá pelo garoto bar mitsvá, nem Haftará.
Mesmo assim, foi especial, sagrado, e extraordinário. Foi de aquecer
o coração, e foi de partir o coração, inspirador
e impressionante. Foi o bar mitsvá de Chaim.
Chaim nasceu há treze anos, uma criança sadia de pais sadios.
Um ruivinho precoce, ele era um pacote de energia desde o dia em que nasceu.
Então, certo dia, sem mais nem menos, quando tinha um ano e meio,
Chaim contraiu um "vírus". (Engraçado, quando
eles não sabem o que é, chamam de "vírus".)
Chaim começou a tremer descontroladamente. Seguiram-se baterias
de testes, injeções de cortisona, visitas de especialistas
a especialistas’ apesar disso, as coisas foram de mal a pior. "Isso
desaparecerá com o tempo" – disse um entendido. "Assim
como veio, irá embora" – disse outro. "Tenha paciência"
– aconselhou o terceiro.
Isso foi há mais de uma década. Chaim ainda é afetado
pelo "vírus". Ainda é trêmulo, derrubando
coisas dez vezes por dia. As refeições são pequenos
pesadelos. Seu problema é um peso constante sobre os ombros de
seus pais, amorosos e dedicados; um fardo diuturno para seus irmãos
em casa. Todos eles aprenderam a ser mestres da paciência. Seus
níveis de tolerância são notáveis. De alguma
forma, eles conseguem aceitar o difícil comportamento de Chaim.
Chaim freqüenta uma escola especial. No verão, vai para um
notável acampamento, onde crianças com necessidades especiais
recebem cuidados e gozam férias com um grupo de anjos em forma
humana que desistem de suas próprias férias de verão
para serem conselheiros no agora famoso acampamento HASC.
O mais fácil para os pais de Chaim teria sido organizar uma festa
simples, pequena, de bar mitsvá para seu filho especial. Um kidush
discreto na sinagoga, uma festinha só para a família e amigos
seria aceitável sob as circunstâncias. Mas os pais de Chaim
são feitos de uma substância diferente. Tomaram a corajosa
decisão de dar a Chaim a mesma experiência que deram aos
dois filhos mais velhos nas suas celebrações de bar mitsvá
– um salão, buffet, banda, discursos.
O restante da família não estava tão certa de que
esta era a decisão acertada. Alguns estavam apreensivos. Chaim
conseguiria lidar com o estresse de ficar no centro dos acontecimentos?
Como ele se sairia? Teria um bom comportamento?
Mas a decisão estava tomada, e eles resolveram ir em frente.
À medida que o dia se aproximava, a tensão era palpável.
O irmão de Chaim chegou a Nova York vindo de Montreal, onde estudava
numa yeshivá. A família chegou de várias partes da
cidade, um tio – e até um assombroso amigo – chegaram
do exterior. Ninguém sabia o que esperar, mas sentiam que precisavam
estar lá.
As refeições do Shabat foram feitas em casa. A mãe
de Chaim sabia receber com perfeição. Os convidados à
mesa proferiram palavras de Torá. Palavras de sabedoria e muitas
bênçãos preencheram o ar. Chaim usava um chapéu
preto novo, do qual parecia estar muito orgulhoso. Na manhã do
Shabat na sinagoga, Chaim foi chamado à Torá. Com o pai
de pé ao seu lado, ele recitou as bênçãos sobre
a Torá, de maneira relativamente clara e articulada. A atmosfera
no almoço estava muito mais relaxada e feliz. Um obstáculo
fora superado.
Os conselheiros do acampamento que tinham vindo passar o Shabat com a
família se revezaram para falar durante o almoço. Cada qual
falou sobre o privilégio que era para eles fazer parte da vida
dessas crianças especiais, e como suas próprias vidas estavam
mais ricas com a experiência. Agradeceram a Chaim e seus amigos
por ensiná-los a não achar que a vida é algo que
lhes pertence por direito, a valorizar as bênçãos
que muitos de nós consideramos ser um direito de nascença.
Senti-me humilde; tão pequeno, tão comum. Aqui havia a verdadeira
grandeza. Estes eram heróis da vida real, pessoas comuns que se
destacavam da multidão. E tudo era feito sem qualquer traço
de constrangimento. Eles faziam com que tudo aquilo parecesse natural.
Chegou então a noite do domingo e a grande festa. Centenas de convidados
compareceram. Ver o rosto de Chaim reluzir a cada vez que chegava um de
seus colegas, que vieram em peso, era um estudo sobre a alegria. Então
veio a primeira dança. Chaim e seus amigos especiais dançaram
juntos. Chaim foi carregado sendo levados nos ombros dos conselheiros,
gritando de puro deleite, os rostos radiantes.
Foi o dia mais feliz da vida de Chaim?
Creio que sim.
Você alguma vez já dançou e chorou ao mesmo tempo?
Dançar e chorar, cantar e soluçar, um caleidoscópio
de emoções rodopiando em minha cabeça, confundindo
meu cérebro. Meu lenço estava ensopado, saturado de lágrimas
de alegria, lágrimas de tristeza. O cantor entoou uma canção
de Tehilim, "Hazorim b’dimah b’rinah yiktzoru" –
"Aquele que semear em lágrimas, colherá com cânticos
de júbilo" . Quando Chaim pronunciou um breve discurso de
Torá, parte do maamar tradicional pronunciado nos bar mitsvás
de Chabad, senti um tangível cumprimento daquele versículo.
Seus pais devem ter se esforçado muito para ajudá-lo a passar
por aquele marco tão importante.
Fui chamado a dizer algumas palavras. Depois das emoções
esmagadoras da noite, vieram-me à mente as palavras do Segundo
Salmo – "v’gilu b’re’adá" –
"rejubile-se em tremor". Eu simplesmente não poderia
fazer um discurso preparado. Deixei de lado minhas anotações
e recordei uma visita feita aos Estados Unidos por um grupo de soldados
israelenses há alguns anos. Alguns estavam paraplégicos,
outros mutilados, cada qual uma alma sagrada num corpo quebrado. Eles
tinham preferido desistir de uma noite na Broadway para fazer uma visita
ao Lubavitcher Rebe.
A enorme sinagoga no 770 da Eastern Parkway foi preparada, rampas para
cadeiras de roda instaladas e o Rebe desceu para falar com estes soldados,
que tinham dado tanto por seu povo.
O tema da palestra foi: quando uma pessoa é deficiente em alguma
faculdade, é compensada em outra. Pessoas sem visão têm
uma audição excepcionalmente acurada, etc. Quando os indivíduos
são fisicamente desafiados, disse o Rebe, D’us lhes dá
força extra no âmbito espiritual. Vocês não
deveriam ser chamados de "incapacitados", disse o Rebe para
eles, mas metzuyanim, "aqueles que excedem".
Chaim é um metzuyan, disse eu. Esta noite presenciamos a excelência.
Talvez ele não possa fazer o mesmo que você ou eu; talvez
ele não tenha as habilidades que eu e você consideramos rotineiras.
Mas Chaim excede em muitas coisas, incluindo o fato de nos tornar mais
conscientes, mais sensíveis e muito mais humildes.
Como rabino de uma grande congregação, sou chamado a discursar
com freqüência. No decorrer dos anos tive alguns discursos
muito difíceis de pronunciar. Mas nenhum foi tão difícil
quanto o discurso no bar mitsvá de Chaim. Chaim é filho
do meu irmão.
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