As três visitas de Eliyahu, Hanavi

  Por Yaakov Brawer
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Há vinte e oito anos, compareci a um farbrenguen (reunião chassídica) em Crown Heights, Brooklyn, e pude observar o Rebe pela primeira vez. O ano que se seguiu foi realmente um ano de milagres, um deles a visita de Eliyahu, o Profeta.

Na primeira noite de Pêssach minha família e eu, inundados pelas maravilhas de nosso recém-descoberto chassidismo, e repletos de inspiração, estávamos sentados ao redor da mesa do sêder. Eu jamais testemunhara um sêder com tanto deleite espiritual e tal ânsia pela redenção.
Ao final da refeição, a taça de Eliyahu estava cheia e meu filho de seis anos, uma vela na mão, foi enviado para abrir a porta da frente, uma estrutura antiga de madeira maciça, com uma pesada tranca de ferro. A porta podia ser avistada claramente do lugar onde eu estava sentado. Entretanto, antes que meu filho pudesse dar um passo, a porta destrancou-se e abriu-se totalmente. Ninguém, pelo menos ninguém visível, estava ali. Meu filho deixou cair a vela e correu para a mãe. Hesitante, levantei-me e fui até a porta aberta. A noite estava clara e havia apenas uma suave brisa.

Naquele Pêssach estava conosco a empregada de meus pais, uma católica simples, devota e temente a D’us. Havia chegado uns dias antes e ficara para ajudar com as crianças. Durante o sêder, ela permaneceu em seu quarto, que ficava perto das escadas no segundo andar. Quando ela desceu na manhã seguinte, contou-nos que durante a noite, escutara a porta da frente abrir-se, e que fora súbita e inexplicavelmente dominada por um intenso e estranho sentimento de temor.
Meu segundo encontro com Eliyahu ocorreu no Pêssach seguinte. Neste ínterim, tínhamos mudado de Boston para Montreal. Com a aproximação de Pêssach, empenhamo-nos na aparentemente interminável azáfama de esfregar, casherizar, limpar e cozinhar; o esforço era suavizado pela antecipação do sêder. Além disso, tendo em vista a experiência do ano anterior, não era absurdo esperar que Eliyahu em pessoa, uma vez mais, viesse nos visitar.

Chegou a noite de Pêssach e o sêder foi conduzido com júbilo e expectativa. No seu devido tempo, a taça de Eliyahu foi enchida e enviei meu filho de (então) sete anos e seu irmão de quatro abrirem a porta. Nosso lar em Montreal ocupava o segundo andar de um dúplex, de modo que a porta da frente era no andar de baixo. Escutei as crianças abrirem a porta, e então ouvi gritos de terror e o som de seus passos subindo as escadas.

Irromperam na sala de jantar, os rostinhos brancos de medo, enquanto balbuciavam e se agarravam a mim como se suas próprias vidas estivessem sendo ameaçadas. Embora sua agitada algaravia fosse completamente ininteligível, perguntei-me se Eliyahu desta vez não havia aparecido em forma visível. Afinal, fazia bastante sentido. Quando Eliyahu chegara no ano passado, eu ainda não era merecedor de contemplar sua presença. Agora, entretanto, após um ano inteiro estudando o Tanya, e usando o tefilin adicional "Rabeinu Tam" como é o costume chassídico, e após ter estado com o Rebe várias vezes – talvez eu tivesse atingido o grau de perfeição pessoal necessário para uma completa revelação de Eliyahu.

Livrei-me de meus histéricos rebentos e desci as escadas para saudar o profeta. O que vi, entretanto, foi outra coisa. Lá, na entrada, estava não a figura angelical de Eliyahu, mas dois enormes cães sentados no pórtico dianteiro. Agora eu entendia o delírio das crianças. Meus filhos atravessavam a rua caso avistassem um poodle miniatura na coleira e com o dono a duas quadras. À distância de um quarteirão eles começavam a tremer e choramingar. Estes dois cães eram realmente grotescos. Pareciam-se com aqueles carnívoros pré-históricos cujos restos fossilizados povoam nossos pesadelos.

Sentavam-se placidamente em meu pórtico, contemplando-me com vaga curiosidade. Eu não tinha a menor idéia do que eles faziam ali. Fechei a porta e desalentadamente subi as escadas. Como poderia explicar à minha família que após seis viagens até o Rebe, um ano de estudo do Tanya, e a colocação de tefilin de Rabeinu Tam além do par costumeiro exigido, eu merecia receber a visita, na noite de Pêssach, de um par de cães? Aconteceu, entretanto, que não eram cães comuns.
Na manhã seguinte na sinagoga, fui abordado por um dos administradores da yeshivá, que perguntou-me se eu poderia aceitar um hóspede para o almoço. Um dos patrocinadores da yeshivá tinha um filho que estudava Direito em uma escola americana, e enquanto estava lá, fora atraído ao estudo de Torá e à observância dos costumes judaicos. Ele estava agora em casa, visitando os pais em Pêssach, e este administrador pensou que seria uma boa idéia se eu falasse com ele. Concordei prontamente. Fomos apresentados, e após as preces matinais, meus filhos, meu convidado e eu fomos para casa.

Quando lá chegamos, meu hóspede entusiasmou-se e gritou: "Não acredito! Isso não pode ser real!" Perguntei-lhe qual o motivo de tanta empolgação. Ele me disse que tinha chegado a Montreal um dia antes de Pêssach. Com ele, estavam seus dois cães de estimação. Pouco antes do sêder na casa de seus pais, os cães escaparam e correram para a rua. Quando a ausência deles foi notada, não estavam mais por perto, e meu hóspede foi para as ruas à procura deles. Horas depois, encontrou-os muito longe de casa, num bairro estranho, sentados na porta da frente de alguém. Este alguém era eu.

A Providência tinha guiado aqueles monstros, seus "cãezinhos de estimação," até minha casa. A experiência deixou uma profunda impressão em todos nós, e eu, especialmente, senti-me enaltecido. Se Eliyahu não viera exatamente em pessoa, pelo menos tinha enviado seus cães.
Meu convidado e eu ficamos amigos e por sua vez, ele abraçou completamente a Torá, casou-se, e criou uma maravilhosa família chassídica.

A terceira visita, que ocorreu no ano seguinte e tem se repetido desde então, é algo menos dramático. Depois dos agradecimentos após a refeição, a taça de Eliyahu é enchida, e meus netos vão até a porta, velas na mão. A porta é aberta, são recitados os versículos apropriados e isso é tudo. Embora seja inadequado e incorreto referir-se a isso como "comum", é uma visita deste tipo.
Na verdade, apesar da intuição, esta terceira visita é a mais significativa de todas, mas é preciso saber como apreciá-la. No ano anterior, enquanto eu passava Pêssach com meu filho mais velho (aquele de seis e sete anos nos relatos anteriores), ele narrou uma história sobre o Rebe de Kotsk, que coloca esta terceira visita sob a correta perspectiva.

Certo ano, o Kotsker Rebe prometeu a seus chassidim que o Profeta Eliyahu seria revelado em seu sêder. Na primeira noite de Pêssach, a sala de jantar do Rebe estava apinhada com chassidim. O ar estava elétrico de expectativa e entusiasmo. No decorrer do sêder, a taça de Eliyahu foi enchida e a porta se abriu. O que aconteceu em seguida deixou os chassidim sem fala. Nada. nada aconteceu. Não havia ninguém lá.

Os chassidim estavam desolados. Afinal, o Rebe havia lhes prometido uma revelação de Eliyahu. O Kotsker, a face irradiando sagrado júbilo, percebeu o amargo desapontamento deles e perguntou qual era o problema. Eles lhe contaram. "Tolos!" trovejou ele. "Acham que o Profeta Eliyahu entra pela porta? Eliyahu entra pelo coração."

A verdadeira luz da redenção vem do interior. Os milagres fornecem inspiração e fazem com que dirijamos nossa atenção e esforços a verdades espirituais. O milagre supremo, porém, não é a anulação da natureza, mas a transformação do natural em Divino. Embora a redenção do Egito viesse "sem" – foi orquestrada e produzida inteiramente pelo Todo Poderoso. Nossos Sábios nos dizem que a futura e suprema redenção será o resultado de nosso próprio esforço. De fato, o propósito de nossa libertação do Egito foi dotar-nos da oportunidade de refinar a nós e ao mundo ao nosso redor, a tal ponto que a Vontade Divina que é a fonte oculta, e raiz de toda nossa existência, manifeste-se abertamente.

É isso que conseguimos quando lutamos para sobrepujar a inércia egoísta da vida mundana. Cada passo, seja pequeno, particular ou interior, rumo à espiritualidade e bondade, é um passo rumo à Redenção. O estudo de Torá, as boas ações, e o refinamento de caráter com os quais nos ocupamos durante o ano inteiro abrem a porta do coração para Eliyahu, o Profeta, e tudo que ele representa.

Quando a taça de Eliyahu for servida neste Pêssach, e a porta da frente for aberta, não se concentre na entrada. Se perscrutar em seu coração, há uma grande chance de que você possa contemplar o santo profeta sorrindo de volta para você.

       
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