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Há
vinte e oito anos, compareci a um farbrenguen (reunião chassídica)
em Crown Heights, Brooklyn, e pude observar o Rebe pela primeira vez.
O ano que se seguiu foi realmente um ano de milagres, um deles a visita
de Eliyahu, o Profeta.
Na primeira noite de Pêssach minha família e eu, inundados
pelas maravilhas de nosso recém-descoberto chassidismo, e repletos
de inspiração, estávamos sentados ao redor da mesa
do sêder. Eu jamais testemunhara um sêder com tanto deleite
espiritual e tal ânsia pela redenção.
Ao final da refeição, a taça de Eliyahu estava cheia
e meu filho de seis anos, uma vela na mão, foi enviado para abrir
a porta da frente, uma estrutura antiga de madeira maciça, com
uma pesada tranca de ferro. A porta podia ser avistada claramente do lugar
onde eu estava sentado. Entretanto, antes que meu filho pudesse dar um
passo, a porta destrancou-se e abriu-se totalmente. Ninguém, pelo
menos ninguém visível, estava ali. Meu filho deixou cair
a vela e correu para a mãe. Hesitante, levantei-me e fui até
a porta aberta. A noite estava clara e havia apenas uma suave brisa.
Naquele Pêssach estava conosco a empregada de meus pais, uma católica
simples, devota e temente a D’us. Havia chegado uns dias antes e
ficara para ajudar com as crianças. Durante o sêder, ela
permaneceu em seu quarto, que ficava perto das escadas no segundo andar.
Quando ela desceu na manhã seguinte, contou-nos que durante a noite,
escutara a porta da frente abrir-se, e que fora súbita e inexplicavelmente
dominada por um intenso e estranho sentimento de temor.
Meu segundo encontro com Eliyahu ocorreu no Pêssach seguinte. Neste
ínterim, tínhamos mudado de Boston para Montreal. Com a
aproximação de Pêssach, empenhamo-nos na aparentemente
interminável azáfama de esfregar, casherizar, limpar e cozinhar;
o esforço era suavizado pela antecipação do sêder.
Além disso, tendo em vista a experiência do ano anterior,
não era absurdo esperar que Eliyahu em pessoa, uma vez mais, viesse
nos visitar.
Chegou a noite de Pêssach e o sêder foi conduzido com júbilo
e expectativa. No seu devido tempo, a taça de Eliyahu foi enchida
e enviei meu filho de (então) sete anos e seu irmão de quatro
abrirem a porta. Nosso lar em Montreal ocupava o segundo andar de um dúplex,
de modo que a porta da frente era no andar de baixo. Escutei as crianças
abrirem a porta, e então ouvi gritos de terror e o som de seus
passos subindo as escadas.
Irromperam na sala de jantar, os rostinhos brancos de medo, enquanto balbuciavam
e se agarravam a mim como se suas próprias vidas estivessem sendo
ameaçadas. Embora sua agitada algaravia fosse completamente ininteligível,
perguntei-me se Eliyahu desta vez não havia aparecido em forma
visível. Afinal, fazia bastante sentido. Quando Eliyahu chegara
no ano passado, eu ainda não era merecedor de contemplar sua presença.
Agora, entretanto, após um ano inteiro estudando o Tanya, e usando
o tefilin adicional "Rabeinu Tam" como é o costume chassídico,
e após ter estado com o Rebe várias vezes – talvez
eu tivesse atingido o grau de perfeição pessoal necessário
para uma completa revelação de Eliyahu.
Livrei-me de meus histéricos rebentos e desci as escadas para saudar
o profeta. O que vi, entretanto, foi outra coisa. Lá, na entrada,
estava não a figura angelical de Eliyahu, mas dois enormes cães
sentados no pórtico dianteiro. Agora eu entendia o delírio
das crianças. Meus filhos atravessavam a rua caso avistassem um
poodle miniatura na coleira e com o dono a duas quadras. À distância
de um quarteirão eles começavam a tremer e choramingar.
Estes dois cães eram realmente grotescos. Pareciam-se com aqueles
carnívoros pré-históricos cujos restos fossilizados
povoam nossos pesadelos.
Sentavam-se placidamente em meu pórtico, contemplando-me com vaga
curiosidade. Eu não tinha a menor idéia do que eles faziam
ali. Fechei a porta e desalentadamente subi as escadas. Como poderia explicar
à minha família que após seis viagens até
o Rebe, um ano de estudo do Tanya, e a colocação de tefilin
de Rabeinu Tam além do par costumeiro exigido, eu merecia receber
a visita, na noite de Pêssach, de um par de cães? Aconteceu,
entretanto, que não eram cães comuns.
Na manhã seguinte na sinagoga, fui abordado por um dos administradores
da yeshivá, que perguntou-me se eu poderia aceitar um hóspede
para o almoço. Um dos patrocinadores da yeshivá tinha um
filho que estudava Direito em uma escola americana, e enquanto estava
lá, fora atraído ao estudo de Torá e à observância
dos costumes judaicos. Ele estava agora em casa, visitando os pais em
Pêssach, e este administrador pensou que seria uma boa idéia
se eu falasse com ele. Concordei prontamente. Fomos apresentados, e após
as preces matinais, meus filhos, meu convidado e eu fomos para casa.
Quando lá chegamos, meu hóspede entusiasmou-se e gritou:
"Não acredito! Isso não pode ser real!" Perguntei-lhe
qual o motivo de tanta empolgação. Ele me disse que tinha
chegado a Montreal um dia antes de Pêssach. Com ele, estavam seus
dois cães de estimação. Pouco antes do sêder
na casa de seus pais, os cães escaparam e correram para a rua.
Quando a ausência deles foi notada, não estavam mais por
perto, e meu hóspede foi para as ruas à procura deles. Horas
depois, encontrou-os muito longe de casa, num bairro estranho, sentados
na porta da frente de alguém. Este alguém era eu.
A Providência tinha guiado aqueles monstros, seus "cãezinhos
de estimação," até minha casa. A experiência
deixou uma profunda impressão em todos nós, e eu, especialmente,
senti-me enaltecido. Se Eliyahu não viera exatamente em pessoa,
pelo menos tinha enviado seus cães.
Meu convidado e eu ficamos amigos e por sua vez, ele abraçou completamente
a Torá, casou-se, e criou uma maravilhosa família chassídica.
A terceira visita, que ocorreu no ano seguinte e tem se repetido desde
então, é algo menos dramático. Depois dos agradecimentos
após a refeição, a taça de Eliyahu é
enchida, e meus netos vão até a porta, velas na mão.
A porta é aberta, são recitados os versículos apropriados
e isso é tudo. Embora seja inadequado e incorreto referir-se a
isso como "comum", é uma visita deste tipo.
Na verdade, apesar da intuição, esta terceira visita é
a mais significativa de todas, mas é preciso saber como apreciá-la.
No ano anterior, enquanto eu passava Pêssach com meu filho mais
velho (aquele de seis e sete anos nos relatos anteriores), ele narrou
uma história sobre o Rebe de Kotsk, que coloca esta terceira visita
sob a correta perspectiva.
Certo ano, o Kotsker Rebe prometeu a seus chassidim que o Profeta Eliyahu
seria revelado em seu sêder. Na primeira noite de Pêssach,
a sala de jantar do Rebe estava apinhada com chassidim. O ar estava elétrico
de expectativa e entusiasmo. No decorrer do sêder, a taça
de Eliyahu foi enchida e a porta se abriu. O que aconteceu em seguida
deixou os chassidim sem fala. Nada. nada aconteceu. Não havia ninguém
lá.
Os chassidim estavam desolados. Afinal, o Rebe havia lhes prometido uma
revelação de Eliyahu. O Kotsker, a face irradiando sagrado
júbilo, percebeu o amargo desapontamento deles e perguntou qual
era o problema. Eles lhe contaram. "Tolos!" trovejou ele. "Acham
que o Profeta Eliyahu entra pela porta? Eliyahu entra pelo coração."
A verdadeira luz da redenção vem do interior. Os milagres
fornecem inspiração e fazem com que dirijamos nossa atenção
e esforços a verdades espirituais. O milagre supremo, porém,
não é a anulação da natureza, mas a transformação
do natural em Divino. Embora a redenção do Egito viesse
"sem" – foi orquestrada e produzida inteiramente pelo
Todo Poderoso. Nossos Sábios nos dizem que a futura e suprema redenção
será o resultado de nosso próprio esforço. De fato,
o propósito de nossa libertação do Egito foi dotar-nos
da oportunidade de refinar a nós e ao mundo ao nosso redor, a tal
ponto que a Vontade Divina que é a fonte oculta, e raiz de toda
nossa existência, manifeste-se abertamente.
É isso que conseguimos quando lutamos para sobrepujar a inércia
egoísta da vida mundana. Cada passo, seja pequeno, particular ou
interior, rumo à espiritualidade e bondade, é um passo rumo
à Redenção. O estudo de Torá, as boas ações,
e o refinamento de caráter com os quais nos ocupamos durante o
ano inteiro abrem a porta do coração para Eliyahu, o Profeta,
e tudo que ele representa.
Quando a taça de Eliyahu for servida neste Pêssach, e a porta
da frente for aberta, não se concentre na entrada. Se perscrutar
em seu coração, há uma grande chance de que você
possa contemplar o santo profeta sorrindo de volta para você.
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