Monoteísmo

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No verão de 1920 fui convocado para a Tcheka - o nome GPU ainda não era corrente na época - em Rostov-sobre-o-Don. A convocação foi levada a termo pela "Seção Judaica", que odiava o judaísmo, do partido comunista, o infame Yevsektzia (Isveztia).

O chamado foi ao modo típico da Tcheka. Eu ainda não concluíra as preces matinais (eu mesmo liderava as preces, pois isso foi dentro do ano de luto pela morte de meu santo pai), quando os três emissários do tribunal da morte entraram na sala - envergando uniformes em vermelho e preto, rifles na mão, os cintos repletos de balas e um par de revólveres pendente, e ainda um par de facas cossacas, com capacetes de bronze e as faces em chamas. Aproximaram-se de mim e disseram: "Está convocado a acompanhar-nos imediatamente aos escritórios da Tcheka."

Dois dos mensageiros eram da Yevsektzia, e o terceiro era um não-judeu. Os dois judeus queriam privar-me de meu talit e tefilin de imediato. Quando lhes disse que primeiro precisava terminar minhas preces - estávamos no suplemento Vehu Rachum de segunda-feira - e o estudo das mishnayot que vêm em seguida, lançaram uma torrente de impropérios e gritaram comigo para que tirasse imediatamente meu talit e os tefilin. (Por acaso, um deles era um refugiado da cidade de Shavel, que tinha me procurado pedindo ajuda. Eu lhe arranjara um emprego numa tabacaria, e mais tarde emprestara-lhe dinheiro para abrir seu próprio negócio. Pelos três anos que se seguiram - até a revolução - ele ganhara um bom dinheiro). Não fosse pela intervenção de seu colega não-judeu, eles teriam interrompido minhas preces à força.

Quando terminei de recitar o kadish final que se segue ao estudo das mishnayot, tirei o talit e os tefilin e segui com meus guardiães armados. Um caminhava à minha direita, outro à minha esquerda, e um terceiro atrás de mim - da maneira em que são levados aqueles acusados de traição contra o regime.

Ao chegarmos no tribunal da morte, levaram-se a um enorme aposento onde umas quinze pessoas sentavam-se a ambos os lados de uma longa mesa. À cabeceira da mesa sentavam-se outros dois, e sentei-me em frente a eles, ao pé da mesa. Meus três guardas sentaram-se atrás de mim, à esquerda, direita e centro.

Um daqueles sentado à cabeceira da mesa dirigiu-se a mim: "Somos os membros do Comitê do Partido para Investigar Religiões, agora ocupados em investigar a religião judaica. Temos várias perguntas. Já convocamos Rabino Berman e Rabino Goldenberg - perguntamos o que perguntamos, e eles responderam o que responderam. Agora chamamos Rabi Schneersohn para resolver alguns assuntos a respeito da Cabalá e Chassidismo."

Tudo isso foi dito no idioma russo.

Eu respondi em iídiche. "Já deixei claro em duas ocasiões anteriores em que fui chamado pela Tcheka que não me afastarei de meus princípios. Ainda está para nascer, e nunca há de nascer, o homem ou demônio que me afastará um só milímetro de meus princípios..."

Antes que eu terminasse minhas palavras, fui interrompido por um "membro do comitê", sentado à direita da mesa. Ele ergueu o revólver que jazia sobre a mesa - além das armas que todos portavam nos cinturões, havia um revólver sobre a mesa, à frente de cada um dos reunidos - e apontou-o para mim, dizendo: "Este brinquedo acaba com qualquer 'princípio'. O medo dele já fez muitas bocas se abrirem. Até os mudos tornam-se tagarelas perante isso."

"Está totalmente enganado" - repliquei. "Este brinquedo impressiona apenas os ateus covardes, que têm um único mundo e muitos deuses (ein velt un assach gueter) - todo hedonista tem muitos deuses. Mas quanto a nós, que temos um único D'us e acreditamos em dois mundos, o brinquedo que você está brandindo não somente não assusta, como não causa impressão alguma."

Das memórias do sexto Rebe de Lubavitch, Rabi Yossef Yitschac Schneersohn (1880 - 1950).

         
       
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