A mezuzá

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Certo dia, voltei ao meu dormitório entre duas aulas na Universidade da Califórnia (UCLA), para descobrir que minha mezuzá não estava mais no batente da porta. Embora preocupada, não tinha tempo para investigar, pois deveria estar presente na próxima aula, quando haveria uma oradora convidada de outro estado, e que sempre dava aulas sobre vários assuntos judaicos. Após a aula relatei-lhe meu problema, quando então ela contou esta história sobre uma estudante de sua cidade natal.

Recentemente, esta aluna tinha expressado o desejo de ter uma mezuzá nas suas portas. A professora gentilmente ajudou-a. Foi ao apartamento da estudante, localizado em um grande edifício onde a maior parte dos moradores era de não-judeus. A professora auxiliou a aluna a afixar mezuzot em cada uma das portas, incluindo, é claro, a porta da frente, que dava para o corredor comum do edifício.

Algum tempo depois, a professora visitou novamente a estudante, para uma reunião da classe. Mas quando ela se aproximou do apartamento, não viu a mezuzá. Ao entrar, notou que a mezuzá ainda estava lá, mas a moça a havia trocado de lugar. Em vez de estar no lado de fora da porta, havia recolocado a mezuzá no lado interno, de forma a ser visível apenas pelo lado de dentro do apartamento.

Respondendo à pergunta da professora, a aluna explicou que suas amigas judias a haviam criticado por colocar a mezuzá em local tão visível. Disseram-lhe que não era muito apropriado exibir um símbolo judaico à vista de todos que por ali passavam, e que isso não era necessário. Por que atrair atenção desta forma, e irritar seus vizinhos não-judeus?

A esta altura comecei a tartamudear, imaginando que talvez a professora estivesse tentando justificar minha mezuzá desaparecida, mas ela simplesmente sorriu para mim e continuou sua história.

A aluna estava completamente agitada. Aprendera que a pessoa deve colocar mezuzot nas suas portas, mas era importante o lado em que ficavam? Pensou que talvez não tivesse problema se mudasse a posição alguns centímetros.

Embora a aborrecesse que, nos dias de hoje, um judeu pudesse ser intimidado a não mostrar seu judaísmo em público, a professora não respondeu diretamente na hora. Como não queria parecer severa ou rigorosa, decidiu esperar pela ocasião apropriada para discutir o assunto com a aluna.

Enquanto conversávamos, os alunos da aula seguinte começaram a chegar no salão de palestras. Então a professora gentilmente concordou em continuar nossa conversa lá fora, na praça do campus.

Pouco tempo depois, continuou ela, a estudante contou-lhe entusiasticamente que tinha devolvido a mezuzá ao seu antigo lugar, a parte externa da porta.

Aparentemente uma encomenda tinha chegado para ela pelo correio, mas ela não estava em casa na hora da entrega. O carteiro deixou-lhe um bilhete, explicando que tinha deixado o pacote num apartamento do andar de cima, pois sabia que o morador era pessoa de confiança.

Subindo as escadas para recuperar seu pacote, percebeu que este era o apartamento de homem idoso que às vezes encontrava no corredor. O homem abriu a porta, e reconhecendo-a, convidou-a a entrar para que lhe entregasse seu pacote. Depois que ela o pegou, agradeceu-lhe pelo trabalho e estava saindo quando o homem disse: "Shalom."

"Oh, o senhor também é judeu," disse ela, pois sempre pensara que ele não o fosse. O comportamento do homem mudou imediatamente. Seus olhos nublaram-se com amargura e ira. Começou a murmurar para si mesmo: "Sim, um judeu. Uma maldição... uma praga em minha vida... Sou um judeu, um infeliz judeu..." Aos poucos, tornou-se mais coerente e contou à moça a história de sua vida.

Como muitos outros, perdera toda a família durante o Holocausto. Sua esposa e filhos foram mortos nas câmaras de gás nazistas. Ele era o único sobrevivente. Desde então sua vida tinha sido triste, uma amortecida sucessão de dias e anos de solidão e sofrimento. Desde a guerra, tinha tentado evitar qualquer coisa que lembrasse o judaísmo, chegando ao ponto de não revelar sua verdadeira identidade a outras pessoas.

A moça ficou de pé à porta, perguntando-se sobre o quê falar. Nada parecia apropriado. De repente, numa voz gentil, o homem perguntou: "Por que, querida jovem, você removeu a mezuzá de sua porta?"

Como se estivesse falando apenas para si mesmo, o ancião disse que quando a mezuzá ainda estava colocada na porta da moça, ele costumava se esgueirar escadas abaixo quando o corredor estava vazio. Ficava no canto perto da porta e beijava a mezuzá, e chorava. Disse que seu coração encontrava consolo e parte de sua dor era amenizada.

E fora por causa daquilo que a estudante tinha recolocado a mezuzá em seu lugar de direito.

Enquanto eu escutava ao desenrolar deste drama da mezuzá de uma outra moça, de um outro lugar, o dia passara da luz à penumbra. A professora calou-se, enquanto esperava que eu assimilasse sua história. A brisa noturna começou a soprar, mas eu estava relutante em deixá-la para voltar a meu triste dormitório. Não pude deixar de exclamar: "Isso é lindo, não, é mais que lindo; mas e quanto a mim?"

Ao acenar e virar-se para sair, ela riu. "Você deve confiar na Divina Providência também."

Ponderei por um momento, e após conferir minha carteira para achar meu cartão de crédito, decidi agir e sair para comprar uma nova mezuzá. Quando saía, uma aluna que mora em meu dormitório aproximou-se de mim. Eu mal a conhecia.

"Achou meu recado?" - perguntou ela. "Passei pelo seu quarto esta manhã e percebi que sua mezuzá estava solta, portanto decidi guardá-la para você."

         
       
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