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Entramos numa sala pequena
apinhada de cadeiras, mesas, modems, computadores, um bebedouro, estantes
e bancos de trabalho. Por toda parte há fios. As paredes são
cobertas de painéis de madeira baratos, e um linóleo riscado
adorna o piso num padrão xadrez. Quase tudo está gasto e
manchado, um pouco encardido, exceto o vidro sobre o quadro com a foto
do Rebe que está pendurado numa parede.
Cada um encontra um assento. A sala está quente, o ar abafado.
Olho para o bebedouro. Seu nível vai cair rapidamente antes que
terminemos a conversa.
“A sala que temos aqui mede três metros por um metro e meio,”
informa Kazen, as palavras saindo numa sucessão alta e rápida.
“Mas está dividida em três segmentos. Uma é
para pessoas na Internet, mensagens que são enviadas semanalmente
para perguntas individuais e discussões. Há uma área
de desenvolvimento de computador, e temos então o escritório.”
“Quantas pessoas trabalham aqui?”
“Temos até cinco pessoas de uma vez.”
“Espero que vocês gostem uns dos outros”, ela brinca.
Os cinco são; Eli Weinsbacher, diretor de sistemas para o site;
dois programadores; e o Webmaster do site, ou programador chefe David,
filho de Kazen, que tem 14 anos. É muito jovem para um Webmaster,
mas não jovem demais. Cyberspace é um tipo de sala pioneira,
Bill Gates tinha dezenove anos quando fundou a Microsoft.
“Meu filho costumava me observar sentado ao computador, e sempre
queria saber o que estava acontecendo.” Kazen sorri ao se lembrar.
“Então aos onze anos e meio ele criou um pequeno programa
só por criar. Basicamente, ele criou nossas homepages.”
A sala onde os cinco se acotovelam é típica de outros lançadores
de sites religiosos. Não é preciso muito para criar um website.
Com poucas exceções, os sites espirituais na Net têm
um orçamento bem apertado. O pouco que há de dinheiro vai
para equipamento e custos operacionais. Não há necessidade
de um escritório luxuoso. As milhares de pessoas que acessam o
site Chabad-Lubavitch toda semana não veem esta sala, pois o Cyberspace
esconde tanto quanto revela.
O site que Kazen dirige é suave e colorido, no entanto a página
principal mostra uma foto do Rebe, com as legendas: “Chabad-Lubavitch
no Cyberspace” e “Judaísmo na Internet à velocidade
da luz”. A página é enfeitada com ícones em
vermelho, azul, verde, amarelo, roxo e dourado. Não há uma
mancha, arranhão ou defeito à vista. Chabad-Lubavitch no
Cyberspace é um local brilhante, impecável, refletindo o
bom humor que é característico dos seguidores deste ramo
do Judaísmo Chassídico.
Os Chassidim, ou Caminho dos Piedosos, surgiram sob a orientação
do grande místico judeu conhecido como o Baal Shem Tov na Europa
Oriental na metade do século dezoito. (O estilo de roupa usado
pelos de Lubavitch é um legado daquele tempo e lugar.) O Chassidismo
enfatiza o relacionamento do indivíduo com D'us e a devoção
para com o próximo. Chabad-Lubavitch por sua vez foi fundado pelo
primeiro Alter Rebe, Shneur Zalman, ao final do século dezoito.
Rabi Zalman enfatizava a importância do intelecto na prática
mística judaica, bem como o papel importante do tsadic, ou santo
iluminado, na vida religiosa da comunidade. A sucessão de Rebes
Lubavitch é dinástica, geralmente de pai para filho, embora
Rabi Schneerson fosse o genro do Rebe Anterior.
É difícil superestimar a influência dos rebes, e de
Rabi Schneerson em particular, sobre Chabad-Lubavitch. No decorrer de
sua liderança, que começou em 1950, o Rebe promoveu um enérgico
programa de divulgação para judeus não ortodoxos,
que fez uso de equipamento de alta tecnologia; rádio, televisão,
telefones, beepers, e finalmente, computadores. Segundo a estimativa de
Rabi Kazen, cerca de 15 mil Lubavitchers moram na comunidade de Crown
Heights no Brooklyn, e cerca de quinhentos mil estão espalhados
em todo o mundo. Os números eram muito menores antes de Rabi Schneerson
assumir a liderança do movimento, e a maioria dos seus seguidores
leva a divulgação muito a sério.
Chabad-Lubavitch no Cyberspace tem raízes veneráveis pelos
padrões online. Nos anos de 1980, redes eletrônicas como
Fionet conectaram os digerati, que participavam em boletins eletrônicos
como a Keshernet, uma BBS judaica, ou sistema de boletins, ao qual Kazen
se juntou na década. Em 1989, através da Keshernet, Kazen
recebia e-mail de Reform Jew no Texas, que contou a ele sobre uma mulher
judia que tinha se mostrado alarmada pelo dilúvio de e-mails que
ela tinha recebido de missionários cristãos. A mulher estava
ansiosa para ler escritos judaicos, mas havia um problema: ela era alérgica
a tinta. “Eu disse a mim mesmo”, relatou Kazen, com os olhos
brilhando pela maravilha daquilo tudo, “Um segundo! Aqui temos um
nicho que não foi preenchido!”
O rabino enviou um e-mail para a mulher com algum material judaico sobre
prece. “Então comecei a procurar e pedir a editores dentro
da organização para me fornecerem material. O texto básico
da filosofia Chabad, o Tanya, é um livro de cinco volumes que tem
lições diárias. Consegui este livro da tipografia,
tive de remover o hebraico, tive de mexer com os itálicos e outras
coisas. Aquilo deu um pouco de trabalho.”
Kazen tornou o Tanya e outros textos judaicos importantes disponíveis
online para quem os quisesse. Juntamente com outros membros da Keshernet,
ele então foi onde todos na comunidade iam para a palavra final:
Rabi Schneerson.
“Perguntei ao Rebe se valeria a pena entrar na Internet. Em 1990
a Internet estava começando a fazer algumas ondas, mas estávamos
apreensivos porque era o Ocidente Selvagem. E o Rebe disse para ir em
frente com aquilo – para ir totalmente.”
“Um amigo meu, Eli Winsbacher,” explica Kazen, “é
um gênio dos computadores. Conversei com ele a respeito e disse:
‘Precisamos desenvolver um site eletrônico Chabad. Um centro
judaico eletrônico.’ E ele disse: ‘Você está
louco.’
Kazen ri. “Sabe, muitas pessoas me disseram isso, mas eu finalmente
o convenci.”
Atacando de frente, os dois foram para Long Island para se encontrar com
funcionários da Dorsai Embassy, uma empresa sem fins lucrativos
que fornece serviços de computador para outros grupos sem fins
lucrativos. “Eles olharam para nós e disseram: ‘Sabe,
Rabino, vai levar tempo longe de casa, e tempo para estudar este negócio
e aprendê-lo. Está preparado?’ E dissemos: ‘Sim,
estamos preparados.’”
Kazen balança a cabeça. “Dois anos e meio –
toda noite, noite sim, noite também – passamos o tempo ali.
Eles nos deram nosso primeiro computador, e nos ensinaram como colocar
informação num gopher [um programa-menu que exibe recursos
da Internet como arquivos de texto]. Então tirei tudo do disco
rígido de 4—megabytes que eu tinha e coloquei no site gopher.
“Perguntamos ao Rebe se podíamos usar o nome Chabad. [Chabad
é um acrônimo para as palavras hebraicas, e significa “sabedoria”,
“entendimento” e “conhecimento”.] Ele disse que
sim. Ao final de 1993 entramos online como Chabad.org. Por fim mudamos
os computadores do porão de minha casa para este prédio,
e mudamos os servidores [computadores que fornecem processamento de dados
para outro computador, geralmente menor] de Dorsai para cá, conseguimos
T1 [uma linha de conexão telefônica avançada para
a Internet], estamos funcionando.”
Aquele funcionamento custa caro, mas Chabad-Lubavitch no Cyberspace recebe
poucos fundos. A maioria das despesas é paga do próprio
bolso de Kazen e Winsbacher. “Nós dois,” lembra Kazen,
“acabamos com nossas economias. O retorno aqui é espiritual.
Não há retorno financeiro aqui.” Como a maioria dos
site religiosos na Web, Chabad-Lubavitch tem poucos anúncios pagos.
O site vende alguns itens, como um kit para montar uma menorá,
participação num clube de fita-do-mês, e um vídeo
de culinária, “Um Sabor de Shabat (“Cholent, Babaganoosh?
Kugel? Estas são palavras em código que desvendam os mistérios
de uma Antiga Civilização?”). No início de
1997, apresentava anúncios de diversos “patrocinadores”,
incluindo uma corretora de ações sediada na Flórida.
“A ideia,” declara Kazen com um aceno de mão, “é
que o Judaísmo tem de ser grátis!”
O site de Kazen funciona basicamente como divulgação educacional.
Isso é verdadeiro sobre a maioria dos sites religiosos na internet.
Mas quando Daisy pergunta a ele quantos “Chabadniks” estão
conectados ao servidor, a resposta vem com uma surpresa.
“Do nosso próprio povo, uma pequena porcentagem – uma
porcentagem muito pequena.”
“Sério,” diz Daisy, “então isso não
é para os seus?”
“Nossa estrutura nunca foi para nosso próprio grupo. Pelo
contrário, foi criada estritamente para lidar com o mundo exterior.
Não sei se a pessoa Chabad média está querendo que
o filho use a Internet. É como colocá-lo no meio de uma
loja repleta de revistas. Então nunca entramos na comunidade para
tentar forçá-la. Minha perspectiva aqui é sair para
o mundo. Levar uma mensagem do Judaísmo para o judeu que não
sabe muito, ou para o não-judeu interessado em descobrir o que
o Judaísmo tem para oferecer.”
Chabad e outros ortodoxos não são os únicos judeus
promovendo o Judaísmo online. Há muitos grupos de Conservadores,
Reformistas, Reconstrucionistas e Humanistas que estabeleceram sites na
Web. Páginas dirigidas aos estudantes são muitas, particularmente
em sites conectados com Hilel, a organização global de campus
judaico. Provavelmente existem milhares de sites judaicos na Web.
Somente Chabad-Lubavitch em Cyberspace atinge muita gente – mais
de 2 milhões em 1995, segundo o Rabino. Suas páginas em
média têm “vinte a trinta e cinco mil acessos por semana.
E este é apenas o nosso site.” (Uma página da Web
recebe um acesso cada vez que alguém baixa um arquivo de texto,
visual ou áudio daquela página. Uma pessoa pode visitar
a Web uma vez, portanto, e contabilizar muitos acessos.)
E há numerosos outros sites Chabad-Lubavitch online, diz Kazen.
Isso parece natural para um movimento que tem centros em muitas cidades
dos Estados Unidos, Canadá e Europa, bem como em oito cidades no
Marrocos, um centro no Peru, Cazaquistão, Cingapura, Hong Kong
e Zaire, entre outros locais.
“Os sites estão conectados de alguma maneira?” pergunta
Daisy.
“Estão todos conectados,” diz Kazen, inclinando-se
com entusiasmo. “O material é todo baseado nos ensinamentos
do Rebe ou em Judaísmo em geral, mas há bastante sabor local.
Por exemplo, a área Baltimore-Washington está começando
a atingir as mulheres no Judaísmo. Há um sujeito em Marin
County que está colocando jogos e Judaísmo, com questões
como: O que tem o polo a ver com Judaísmo? Como se pode aprender
uma lição com isso? Temos outro sujeito na Califórnia
que está apresentando receitas casher de locais diferentes do mundo.”
Os visitantes online que fazem Kazen vibrar de alegria são os judeus
errantes que reagem ao site e retornam ao rebanho. Ele nos conta sobre
um despachante da polícia em Filadélfia que não somente
voltou ao Judaísmo por causa das atividades onlline de Chabad,
como agora passa os feriados na casa de Kazen.
“Tive um aluno no Novo México,” lembra Kazen, “que
é muito interessante. Ele escreveu-me porque queria saber se era
permitido fumar maconha na manhã de sábado em preparação
para a prece, assim ele poderia ficar mais esperto.” O rabino dá
risada dessa ideia.
“Escrevi para ele que, dentro do Judaísmo, o conceito é
que a prece em si mesma deixa você alto. E também, você
não fuma aos sábados. Ele terminou passando o verão
aqui, numa yeshiva, e está planejando fazer mais estudos no próximo
ano. Eu o conheci este ano, e ele disse que como respondi de maneira positiva
e não desconsiderei sua pergunta, tive um profundo efeito na vida
dele.”
Esse estudante contactou Kazen através de “Faça Uma
Pergunta”, uma página da Web no site, que oferece um campo
onde os curiosos podem digitar uma pergunta e então, clicando num
ícone, enviar um e-mail para o rabino. Kazen relata que passa em
média seis horas por dia lidando com essa ferramenta interativa.
“Ontem,” lembra ele, “recebi uma pergunta de uma mulher
que tinha comprado uma ânfora egípcia com duas alças
e queria saber se podia usá-la para lavar as mãos –
a ablução ritual antes de comer pão. Muito interessante.
Uma aluna da Universidade Brandeis que cortara o dedo com uma faca enquanto
descascava uma maçã queria saber o que fazer com a faca
– se era ou não casher, por causa do sangue.
“Essas perguntas chegam às onze da noite, à meia-noite,
e eles querem a resposta agora. Não querem ter de esperar até
quem sabe quando.”
Não é o próprio Kazen quem responde todas as perguntas.
Às vezes ele as passa para a frente. “Geralmente tento descobrir
de onde a pessoa é, quem é, se tem contato com um rabino
local ou representante Chabad, e a envio para lá,” diz ele.
“Acho que a parte boa da Net é que permite que as pessoas
se sentem sozinhas, leiam, estudem, questionem, e façam perguntas
e mais perguntas, até se sentirem confortáveis e não
se importarem mais se estão associadas com um estereótipo
específico. E foi aí que descobri estar o poder disso tudo.”
“Em outras palavras,” diz Daisy, “é um poder
anônimo quando você primeiro faz essas perguntas.”
“Um poder totalmente anônimo.”
“Isso deixa você à vontade para perguntar qualquer
coisa.”
“Qualquer coisa. Já tive pessoas de todas as esferas da vida,
que fazem perguntas sobre homossexualidade, transexualidade, bissexualidade.
Tive um psiquiatra da Austrália que perguntou-me como lidar com
pacientes que estão sendo testados por doenças genéticas
e que terão uma morte horrível ainda jovens. O cara não
é americano, não sabe como eu sou, nem sequer sabe que sou
real ou não.”
A maioria do material disponível em Chabad-Lubavitch no Cyberspace
– agrupado em áreas como “A Mulher Judia” e “Misticismo
Judaico”, lições interativas de Torá em hebraico
e inglês – é baseada em textos, (embora sejam clips
gráficos e que se pode baixar, incluindo clips de canções
Chabad como “Oh, Rebe”). Isso parece apropriado para o Povo
da Palavra. São alguns atrativos do Cyberspace, no entanto –
os visuais interativos, especialmente em 3-D – que podem atrair
visitantes a sites da Web assim como o néctar atrai as abelhas.
Kazen sabe disso.
“No decorrer dos anos, sempre tivemos um evento chamado Chanucá
ao Vivo na TV a cabo,” diz ele, “com links via satélite
no mundo inteiro. Resolvemos que este ano, vamos levar isso a outro nível.”
O que Kazen está mencionando é o “Festival de Luz!”
(um ambicioso programa online para a época de Chanucá de
1996 que iria, como informou a imprensa, “utilizar o poder e o alcance
da Internet para elevar o moral e o barômetro ético do nosso
planeta.)”
A utilização básica é através do “Database
Global Interativa de Boas Ações”, que se pretende
seja um site permanente no qual, diz Kazen, “as pessoas poderão
participar acendendo sua própria menorá, digitando um ato
de bondade ou algo positivo que fizeram. E ao ter um mapa do mundo inteiro,
à medida que cada pessoa digita algo de bom que fez, outra parte
do mundo será iluminada.” Essa base de dados, ele explica,
adere à “nossa perspectiva de que a Internet é um
cumprimento da profecia de Yeshayahu de espadas transformadas em arados.”
Os planos de Kazen para o Cyberspace são ambiciosos, mas ele é
cauteloso sobre aquilo que coloca online. Dentre os muitos documentos
conectados ao seu site, um está notavelmente ausente; o próprio
alicerce do Judaísmo, os primeiros cinco livros da Torá.
Quando lhe pergunto por que, ele fica sério e explica que embora
deixe disponíveis numerosos comentários bíblicos,
“a Torá em si não está ali. Para colocá-la
na Net, dizer que ‘aqui está uma autêntica versão
como é fornecida pelo movimento’ – esta é uma
responsabilidade muito, muito grande. Qualquer pessoa pode entrar numa
loja e comprar uma Bíblia do Rei James, não precisam de
mim para isso. Prefiro apresentar uma sinopse e fazer com que a pessoa
vá até a sinagoga e participe.”
“E quanto à possibilidade de colocar uma sinagoga na Web?”
pergunto. “Uma sinagoga pode ser duplicada online?” Esta parece
uma pergunta crucial. Para os religiosos se mudarem totalmente para o
Cyberspace, eles teriam de levar seus rituais e senso de comunidade com
eles.
“Isso pode ser duplicado,” responde Kazen, “mas apenas
até certo ponto. Há limitações. Por exemplo,
na vida judaica, o homem acima dos treze anos tem de colocar tefilin [caixas
de couro contendo Rolos de Torá com passagens] todos os dias da
semana. É um ato físico. Você está pegando
uma caixa de couro e colocando-a sobre o seu braço, e está
enrolando-a sobre seu braço e colocando-a sobre a cabeça
e está recitando uma prece específica. Sim, a prece pode
ser lida na Net. Porém o ato real precisa ser feito por uma pessoa
física. O conceito de Judaísmo em geral é usar o
material – o couro de vaca, o pelo da ovelha transformado em lã
– para que haja verdadeira participação em todos os
quatro diferentes níveis: o inanimado, a flora, a fauna e o ser
humano – todos em um aspecto.
“Posso fazer uma refeição virtual?” ele pergunta.
“Quanto tempo vai me tomar? Posso ler uma receita, mas ainda tenho
de sair e comprar os ovos, comprar o açúcar.”
Pergunto a Kazen se há outros aspectos do Judaísmo que não
podem ser transferidos ao Cyberspace.
“Bem, você não pode ter um minyan online. Não
pode ter um quorum de dez pessoas.”
Não entendo isso. Não consigo entender por que dez homens
judeus não conseguem se encontrar em tempo real numa sala de bate-papo
online e assim formar um minyan – o número mínimo,
segundo a tradição judaica, necessária para rezar
e fazer um culto comunitário.
“Isso é muito interessante. Por que não?” “Porque
o quorum de dez pessoas exige dez corpos físicos. Cada pessoa tem
uma centelha de Divindade dentro de si, que é a alma. É
preciso o quorum de dez pessoas, que refletem os dez níveis diferentes
da Divindade. Portanto você pode ter nove pessoas que poderiam não
ser religiosas, e uma pessoa que é religiosa. Seu comprometimento
religioso não importa, desde que sejam judeus.”
“E do sexo masculino,” diz Daisy.
“E do sexo masculino, acima de treze anos. Mas o conceito é
que se você tiver aquelas dez pessoas, está atraindo um nível
mais alto de Divindade que permitirá a você recitar a prece
Kadish.”
“Mas por que,” pergunto, “isso não pode ocorrer
numa sala virtual com dez homens?”
“Porque não há presença física, Nós
não vemos necessariamente a realidade espiritual daquilo que está
acontecendo na hora, mas certas coisas têm de ser feitas com pessoas
físicas, assim como o alimento tem de ser comido por pessoas físicas.”
“Então você não poderia ter um bar mitsvá,”
Daisy enfatiza.
“Certo. E não se esqueça, o relógio para ao
final de seis dias. Há um conceito em Judaísmo chamado Shabat.
Aquele dia na semana em que desligamos o mundo e passamos para uma ilha
totalmente diferente no tempo. Este é um aspecto que não
pode ser lidado na Net.”
Apesar disso, Kazen e outros de Chabad têm esperanças extraordinariamente
altas para a Internet. “A Moderna Tecnologia e Judaísmo,”
um ensaio postado no site baseado em palestras que Rabi Schneerson fez
no final dos anos 1960 e início dos anos 1980, faz esta ousada
declaração: “O avanço do entendimento científico
está cada vez mais revelando a unidade inerente no universo, como
é expressa nas forças da natureza. Estar consciente disso
pode servir como uma preparação e prólogo para a
Era de Mashiach, pois naquele tempo a unidade simples, absoluta do Criador
se tornará evidente.”
O Rebe está falando aqui especificamente do rádio e da televisão,
porém sem dúvida ele teria estendido esses pensamentos para
a comunicação via computadores.
Kazen confirma isso. “Este conceito de unidade inerente no mundo,”
diz ele, “é mostrado muito, muito fortemente através
da Net, talvez ainda mais que através do rádio e televisão.
Porque se houver um efeito entre eu e uma pessoa que está em Pequim,
ou entre eu e uma pessoa na Antártida, e for uma comunicação
instantânea, o que a lição está nos mostrando?”
“A tecnologia de rede de computadores então é uma
tecnologia sagrada,” eu pergunto, “pois está servindo
a um fim sagrado?”
O rosto de Kazen se ilumina como se eu tivesse dito a palavra mágica.
“Sim. A humanidade no passado era glorificada pela guerra. Todos
os monumentos que se vê estão glorificando a guerra. E a
profecia de Yeshayahu é que não haverá mais guerra,
que as espadas serão transformadas em arados. Então, como
o mundo chega a isso?
“Minha pergunta é, de uma certa maneira humorística,
TCI / IP (o protocolo de comunicações dominante na Internet]
outro nome para D'us? Porque na essência, isso está longe
de você encontrar uma unidade entre as pessoas. Em última
análise todos terão um pedaço da ação.
Portanto sim, em minha opinião isso é um meio rumo à
Era de Mashiach.”
Kazen respira fundo, e então dispara. “Vamos aprender com
a lição que tivemos há 50 anos. O país mais
avançado no setor tecnológico no mundo, ao não colocar
a Divindade dentro de si mesmo, criou uma nação que aniquilou
milhões de pessoas. Felizmente a Net, que é a nossa mais
moderna tecnologia, juntará a humanidade para um objetivo melhor,
e não será abusada. Há um conceito de bem e luz no
mundo, e esta é uma tecnologia que pode ser o meio para aquele
fim.”
Com essa nota inspiradora, concluímos nossa conversa formal e saímos
da sala, descendo aqueles quatro lances de escadas. Lá fora, Kazen
acende um cigarro e inala como um homem dando sua última baforada.
Descemos o quarteirão, para a entrada principal do 770, e passamos
por um corredor pequeno. À nossa direita, fileiras de homens jovens
debruçados sobre livros. Ao final da passagem, entramos numa sala
com bancas de telefones e uma enorme mesa com chaves. Este é o
ancestral da sala de Web de Kazen: o centro de comando da mídia
de onde os Lubavitchers em todo o mundo se ligavam aos discursos do Rebe
via linhas de telefone. Lembro como, quando o Rebe entrou na casa dos
noventa anos, os receptores de bip eram distribuídos a todos os
seus seguidores do sexo masculino para avisá-los sempre que ele
saía da sua sala particular para rezar.
Estas são, pensei, pessoas bastante plugadas.
Finalmente, Kazen nos leva escada acima para a biblioteca de Rabi Schneerson.
A sala murmura história sagrada. Em estojos de vidro, lembranças
do passado do Rebe – fotografias, documentos, Cartas, Biblias –
estão preservadas com muito cuidado. Numa pasta encontrei um passaporte
gasto pelo uso e idade, prova do legado da Diáspora, dos judeus
espalhados pelo globo. Olhando pelo vidro, ocorreu-me que numa maneira
virtual a Internet tornou possível a convergência no Cyberspace
de judeus em todo o mundo a estimularem o oposto da Diáspora tão
seguramente como fez a criação de Israel.
Passo minha mão pelo lado polido de um antigo relógio carrilhão
que assinala a lua segundo o Calendário Hebraico. A madeira parece
morna contra os meus dedos – tão diferente, eu penso, tão
mais generosa aos meus sentidos que o relógio Windows que marca
os minutos na tela do meu computador. Pouco depois, estendo a mão
para Kazen, me despedindo. A mão dele é ainda mais quente
que a madeira do carrilhão. Tocando sua mão, sei que estou
tocando uma centelha da realidade viva por trás do Cyberspace.
Rabi Yossef Yitschak Kazen z"l foi fundador e Diretor do site www.chabad.org,
lançado na época como "Chabad-Lubavitch no Cyberspace"
e considerado o pioneiro da educação judaica na internet.
Rabi Kazen nasceu em Cleveland, Ohio, em 1954, filho de Rabi Zalman e
Sra. Shula Kazen, fugitivos das prisões estalinistas e do Holocausto.
O lar dos Kazen sempre foi um centro de atividade judaica e Yossef Yitschac,
o mais jovem de sete irmãos, cresceu ajudando a reinstalar imigrantes
russos, preparando e entregando refeições para os pobres,
e oferecendo-se como voluntário para todo tipo de atividade comunitária.
Quando menino, Yossi Kazen deixou o lar para estudar em Nova York, perto
do Lubavitcher Rebe, Rabi Menachem Mendel Schneerson, de abençoada
memória, a quem amava sinceramente. Foi um dos primeiros voluntários
dos Tanques de Mitsvá, agora comuns, circuitos de telefone internacionais
Lubavitch e muitas outras idéias e programas originais, e tinha
muitos amigos. Mesmo antes da Web, Kazen foi um dos inovadores tecnológicos
de Lubavitch, e ajudou a desenvolver o sistemas por meio dos quais as
palestras do Rebe eram transmitidas via telefone para Chabad instalados
em todo o globo.
Porém muito mais ainda estava por vir.
Com o advento da tecnologia de comunicação através
do computador, Kazen reconheceu imediatamente seu potencial para atingir
uma audiência quase ilimitada, especialmente para pessoas que se
encontravam em regiões geograficamente restritas ao acesso de informações
e vivência judaica.
Em 1988, muito antes de a Internet se tornar popular, Kazen fez contato
com milhares de pessoas em Fidonet, uma rede de discussão online
que foi distribuída em diversos pontos do mundo inteiro. Esta tecnologia
era tão primitiva que às vezes demorava quatro dias para
as mensagens viajarem de uma parte a outra do mundo.
Mas Kazen era incansável em sua determinação. Desde
manhã cedo até tarde da noite Kazen podia ser visto trabalhando
– digitalizando e colocando milhares de documentos naquilo que se
tornaria a primeira biblioteca judaica virtual do mundo, possibilitando
a milhares de pessoas aprenderem sobre o Judaísmo pela primeira
vez.
Faleceu aos 44 anos no dia 12 de kislêv onde os tributos via internet
em reconhecimento ao seu trabalho, endereçado à equipe que
daria continuidade ao seu trabalho, não paravam de chegar de todas
as partes do mundo judaico.
A. Engler Anderson, Editor do Shamash – O Consórcio Judaico
da Internet baseado na Faculdade Hebraica de Boston, declarou que "Kazen
foi um pioneiro do uso da Internet para o estudo religioso e disseminação
de materiais religiosos. O título ‘visionário’
definitivamente se aplica a ele. Ele viu quando a maioria dos outros não
o fez."
Anderson enfatizou ainda que Kazen também criou a primeira e maior
congregação virtual. "Ele tinha pessoas de todas as
partes do mundo que o consideravam seu rabino." Anderson disse: "Ele
jamais automatizou suas respostas, preferindo responder meticulosamente
dezenas de milhares de e-mails por si mesmo."
O Seminário Judaico Michael Starr declarou que o site de Kazen
tornou-se padrão para o mundo judaico na Internet. "[Seu]
site foi aquele pelo qual todos os outros foram julgados."
Os esforços de Kazen ajudando a estabelecer um serviço de
Pêssach num barco na Antártida, fornecendo informação
para um funcionário da Defesa Judaica na Arábia Saudita,
e ensinando um ministro irlandês sobre Judaísmo, conquistaram-lhe
uma importante cobertura em jornais como The New York Times, CNN, USA
Today, Good Morning América e muitos outros que ficaram fascinados
pela visão deste homem em ajudar a educar via Internet.
Sua forma de fazer contato está imortalizada nas coleções
do Museu nacional Smithsonian de História Americana exibido pela
Internet. Muitos livros, incluindo o popular A Alma do Cyberspace, apresentam
suas idéias também sobre educação na Internet.
Em meados de 1998 Kazen foi diagnosticado com linfoma, mas recusou-se
a notificar seus milhares de admiradores na Internet. De fato, em meio
a dolorosos tratamentos no Cornell Medical Center no New York Hospital
ele costumava responder a e-mails em seu laptop.
Rabi Kazen foi enterrado no cemitério Old Montefiore no Queens,
próximo ao local de repouso do Rebe deixando esposa e seis filhos,
além de seus pais e irmãs com suas famílias, representantes
de Lubavitch ao redor do mundo.
Tudo começou como um hobby e uma missão, postando textos
judaicos e respondendo a perguntas em boletins – tudo a partir de
um minúsculo escritório. Rabino Yosef Yitschak Kazen, ou
YY, então levou seu sonho um passo adiante: na infância do
mundo do www, antes mesmo que o Google registrasse seu domínio,
ele construiu uma “sinagoga virtual” em 1994.
“Começou como um hobby e se transformou numa operação
de tempo integral,” declarou Kazen a Good Morning America em 1997.
Durante sua persistente busca de suas atividades na web, Kazen foi ridicularizado
por desperdiçar seu tempo. “Perguntei ao Rebe se valeria
a pena pensar em trabalhar com a Internet,” disse Kazen em 1997.
“E o Rebe disse para ir em frente – prosseguir totalmente
com aquilo.”
Hoje, na casa de Kazen no Brooklyn, NY, a atmosfera de respeito e amor
familiar é reluzente. Antigas pastas atulhadas de papéis
são abertas e a história revisitada. Rochel Kazen, esposa
de YY, descreve carinhosamente a missão de vida do marido.
“Ele costumava acordar no meio da noite, falando sobre aquilo que
pretendia fazer na Internet. Muitas dessas ideias estão se tornando
realidade atualmente.”
“Estou respondendo a todas as perguntas desses indivíduos,”
disse Kazen na Conferência de Emissários Chabad-Lubavitch
em 1995. “Agora vamos publicar os livros já impressos na
Internet.”
Informação Judaica na Web
Kazen iniciou a tediosa tarefa de escanear livros, transformando as imagens
digitais em texto, lendo-os e colocando-os na web. Em suas próprias
palavras, tratava-se de “fazer tanto por outras pessoas”.
Originalmente, Kazen estava postando alguns dos textos em boletins em
Fidonet. Depois, ele conheceu a equipe da Embaixada Dorsai, uma organização
sem fins lucrativos que estava ajudando outras organizações
a estabelecer uma presença na Internet.
Charles Rawls, co-fundador da Dorsai e importante consultor de Internet,
recorda: “Alguém no Banco Mizrahi disse-me um dia: ‘Charles,
você precisa conhecer essas pessoas, estão fazendo coisas
notáveis.’”
Quando Kazen conheceu Rawls, soube que teria de frequentar aulas, muitas
aulas. Kazen disse estar disposto a fazê-lo. Tudo isso enquanto
Kazen continuava seu trabalho regular na United Yeshivah Lubavitch. Mais
tarde, ele dedicaria seu tempo apenas a este novo empreendimento –
Chabad.org.
Aprendendo a Construir um Site na Internet
“Pegamos nosso carro e lá fomos nós para Long Island
assistir às aulas,” disse Kazen em 1995. “Eu disse
à minha esposa que estava saindo por uma hora, mas acabamos voltando
às quatro da manhã.”
Foi o entusiasmo e participação de sua esposa que lhe deram
a habilidade de continuar expandindo seu sonho na web. Nas palavras de
YY, “percebemos que tínhamos descoberto uma mina de ouro,
poder transmitir o Judaísmo numa maneira que ninguém no
mundo está fazendo.”
O esforço era liderado por Kazen juntamente com Elie Winsbacher
e Dovid Zirkind, todos trabalhando em Chabad.org – além dos
seus empregos e do tempo passado com a família.
O filho de Kazen, Michoel, ajudou em parte da programação.
“Meu pai encorajou meu interesse pelo computador, canalizando-o
para ajudar na divulgação do Judaísmo via Chabad.org.”
“Meu filho costumava me ver sentado na frente do computador, e sempre
queria saber o que estava se passando,” disse Kazen em 1997. “Cerca
de onze e meia ele criou um programa pequeno apenas por criar. Basicamente,
ele criou nossas homepages.”
Um Endereço na Web
Com a ajuda de Dorsai eles estabeleceram uma presença na Web em
1993. Chamaram de Chabad-Lubavitch no Cyberspace, com o slogan Divulgando
o Judaísmo à Velocidade da Luz.
Assim foi criada a primeira biblioteca virtual judaica do mundo, permitindo
que milhares de pessoas aprendessem sobre o Judaísmo pela primeira
vez. Em fevereiro de 1994, com a assistência de Dorsai, eles compraram
o domínio de nome Chabad.org e mudaram os servidores para um pequeno
escritório na Sede Mundial de Lubavitch.
“Os chassidim Lubavitch,” escreveu o New York Times em julho
de 1994, “que não hesitam em levar sua mensagem a judeus
em outras partes do mundo, também estabeleceram um posto eletrônico
na Internet.”
Com muito pouco encorajamento e fundos escassos, Kazen seguia em frente
com força total, não permitindo que ninguém arrefecesse
seu entusiasmo. “Ele não ficava frustrado com aqueles que
não viam o potencial da Internet,” diz sua esposa Rochel.
“Ele sentia que um dia eles chegariam a entender que aquilo que
ele estava fazendo era importante.”
Quando a ideia de criar um website surgiu e Kazen apresentou a ideia na
Sede Mundial de Lubavitch, “um dos secretários do Rebe me
disse,” declara Kazen: “Yossef, você conseguiu um emprego
no qual seu Beit Chabad ficará aberto 24 horas por dia e você
não pode ter um minyan…’”
Good Morning América chamou-o de “Cyber Rabino”, e
disse que Chabad.org é “Facilmente um dos sites religiosos
mais populares da atualidade.”
Um Sonho Continua Vivo
Kazen escreveu uma proposta daquilo que ele queria para o seu site: desde
jogos interativos até uma escola online onde crianças do
mundo inteiro pudessem estudar juntas. Isto estava além até
da mente daqueles que então levavam a Internet aos leigos. “Ele
era um visionário, além daquilo que eu esperava,”
disse Rawls, “para conseguir enxergar adiante daquela forma.”
No mundo atual é comum que toda organização tenha
um site; porém, nos anos 90, isso não era a norma. Em 1995
Kazen pediu aos Batei Chabad e outras instituições judaicas
para construírem websites a fim de educar judeus sobre o Judaísmo
em todas as comunidades.
“Não há necessidade de um escritório de luxo”,
escreveu Jeff Zaleski em 1997, em Na Alma do Cyberspace, referindo-se
ao pequeno espaço que era usado para manter o site Chabad.org.
“As milhares de pessoas que acessam o site Chabad.org toda semana
não verão esta sala, pois o Cyberspace esconde tanto quanto
revela.”
A certa altura, com urgente necessidade de fundos, Kazen e Winsbacher
usaram suas economias pessoais para adquirir computadores e servidores
para o site. “A ideia,” disse Kazen a Zaleski, “é
que o Judaísmo tem de ser livre.”
“Sua dedicação e devoção eram enormes,”
declara seu cunhado, Rabino Moshe Lubavitch, vice-diretor de Merkos L’Inyonei
Chinuch, o ramo educacional de Chabad-Lubavitch. “Ele entendia o
potencial da mídia eletrônica, muito antes que nós
soubéssemos disso.”
Atualmente uma equipe de mais de oitenta pessoas trabalha em Chabad.org,
o maior site de informação judaica na Internet.
“É um sonho que Rabino Kazen tinha,” diz Rawls. “O
sonho continua, é o maior tributo que se pode prestar ao homem
– que seu sonho continue vivo.”
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