Ocupem Wall Street, Por Favor!
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  Repensando o Capitalismo
 

Não se trata de solidariedade com os acampantes de Wall Street, Bay Street ou qualquer outra rua. Não é por causa dos manifestos, seus motivos, seus métodos, seja isso a coisa moderninha a fazer ou seja o Woodstock dessa geração. Trata-se apenas de uma coisa: há um problema com o capitalismo atualmente?

E eu creio que haja.

Mas antes de eu explicar o porquê, primeiro deixe-me dizer isto:

Do ponto de onde estou olhando agora mesmo, o capitalismo é bom. Muito bom.

Vejamos os fatos históricos: antes que o comércio, a indústria e as finanças começassem a progredir, as crianças tinham sorte se vivessem até os seis anos, a expectativa de vida estava entre 25-30 anos, todos exceto uma pequena minoria viviam no nível de subsistência ou abaixo dele, educação era para a elite, e a morte violenta, tortura e barbárie não era algo que você assistia na TV, mas testemunhava com frequência em primeira mão – fosse em nome da guerra, crime, justiça ou entretenimento.

O capitalismo tem sido uma – se não a – força importante no sentido de diminuir a guerra entre nações e criar tolerância entre os povos. Tem permitido que literalmente bilhões mais de pessoas compartilhem o planeta e – percentualmente – num padrão de vida muito melhor. Atualmente, graças ao capitalismo, a cada ano 70 milhões de pessoas deixam de viver na extrema pobreza para se tornarem consumidoras – e espera-se que as taxas de pobreza continuem a cair acentuadamente.1

Sem o capitalismo, a democracia jamais teria sido bem-sucedida, a medicina jamais poderia ter avançado, os esforços humanitários em todo o mundo seriam absurdos e eu jamais teria sido capaz de escrever este editorial e enviá-lo tão depressa a você. E vou mais além: o capitalismo não é apenas “O melhor que podemos”. O capitalismo é inerentemente bom. Porque o capitalismo, em sua essência, está dizendo: “assim como a terra pode produzir valor e partilhar aquele valor com outros, assim também o ser humano.” O capitalismo dá poder a cada um de nós. E nisso está o problema com o capitalismo atualmente. Porque estamos pegando a casca e deixando o fruto para trás.

O que deu errado?

Falando de maneira bem básica, jamais nos livramos da ideia que iguala negócios com cobiça demoníaca. E as pessoas agem de acordo com o papel que você dá a elas.

Existem aquelas profissões que a sociedade considera nobres, como médicos, juízes e professores. A sociedade os respeita por aquilo que fazem. E depois vêm os homens de negócio. A sociedade também os respeita – mas são respeitados por aquilo que fazem, ou por aquilo que conseguem? Respeitamos a ocupação deles, ou nós os vemos como se fizessem um trabalho sem valor – ganhar dinheiro com dinheiro?

Onde os negócios são respeitados? Dê uma olhada no Talmud.

No Talmud você encontrará os deveres espirituais e terrenos agrupados juntos em maneiras que faz a mente moderna entrar em parafuso:

Rava disse: “Quando uma alma fica perante a corte celestial, é indagado a ela: ‘Você comprou e vendeu honestamente? Você separou tempo para o estudo de Torá? Você tentou ser frutífero e multiplicar-se? Você esperou ansiosamente pela redenção de Mashiach? Você debateu questões de sabedoria? Você distinguiu uma coisa de outra?”2

Você viu isso? Casar, procriar e ganhar a vida honestamente são ocupações boas e maravilhosas – no mesmo nível que o estudo de Torá, adquirir sabedoria e manter a fé.

Por quê? Porque elas beneficiam o mundo. Como no termo talmúdico usado para ganhar o sustento, aquela expressão nobre e dignificante, “arrumar o mundo”3 – pois, como declara o Profeta, “D'us não criou o vazio; Ele formou um mundo para ser arrumado.”4

Maimônides resume a posição judaica com palavras fortes:

Aquele que chega à conclusão de que deveria envolver-se no estudo de Torá sem trabalhar e extrair seu sustento da caridade, profana o nome de D'us, desonra a Torá, extingue a luz da fé, atrai o mal sobre si mesmo, e perde o direito à vida no Mundo Vindouro, pois é proibido extrair beneficio das palavras da Torá neste mundo.

Nossos Sábios declararam: “Todo aquele que se beneficia das palavras da Torá perde sua vida no mundo.” Além disso, eles ordenaram e declararam: “Não faça delas uma coroa para se engrandecer, nem um machado para cortar lenha.” E também eles ordenaram e declararam: “Ama o trabalho e despreza os cargos rabínicos.” Toda a Torá que não é acompanhada por trabalho terminará sendo negada e levará ao pecado. Em última análise, uma pessoa assim irá roubar de outras.5

E portanto, as leis sobre ganhar um sustento honesto e assim tornar o mundo um local mais arrumado e civilizado também estão nos livros sagrados. A visão medieval agostiniana, por outro lado, via todos esses como maldições da serpente, o produto do pecado original – pois eram dirigidos pelos impulsos do homem para o mal.6

Assim, também, era a visão dos antigos romanos e gregos, que olhavam de esguelha para os artesãos, mercadores e outros que viviam do trabalho. E dessa maneira, enquanto o judeu via o trabalho como bom para a alma e para conseguir dinheiro em beneficio de todos os envolvidos, a sociedade que os cercava via isso como um pecado tolerável. Não apenas emprestar dinheiro, mas quase toda forma de negócio era chamada de “usura” – utilizar-se de outra pessoa para o próprio beneficio.7

A vida começou a mudar radicalmente quando a sociedade europeia adotou a atitude judaica – aquela que Weber prudentemente chamou de “ética protestante”. Os judeus, segundo escreveu Montesquieu, “montaram o palco para o renascimento do comércio europeu, e com ele o início do declínio do preconceito e o surgimento de um estilo de vida mais gentil, menos feroz.”8

Como Deveria Ser

E apesar disso, a antiga noção de que fazer negócios é coisa suja ainda permanece.

Se eu perguntasse a uma turma de estudantes de Medicina por que eles escolheram essa carreira, não ficaria surpreso de ouvir: “Creio que eu ficaria realizado por uma vida inteira curando as pessoas.” Não apenas em 1967, mas ainda hoje.

Se eu perguntasse a uma turma de estudantes de Direito por que eles escolheram a lei, não ficaria surpreso ao ouvir: “Fico revoltado pela injustiça que há no mundo.” Sim, eles estão aqui, abençoadas sejam as suas almas.

O que eu quero ouvir dos estudantes de comércio? Quero ouvir: “Estou indo para a área de comércio e finanças porque pretendo consertar o mundo.”

Porque eles podem – em maneiras que ninguém mais pode. O Capitalismo nos trouxe a esse mundo glorioso no qual (sim, há problemas, mas o fato é) sete bilhoes de vidas humanas podem partilhar juntas o planeta, e o capitalismo é a solução para todos os problemas que vêm junto com isso. Sim, precisamos de médicos, precisamos de ativistas sociais, precisamos de líderes políticos dedicados ao bem-estar de seu povo. Porém mais do que qualquer um desses, é nas mãos dos fabricantes, dos negociantes e dos financistas do mundo que está o futuro do nosso planeta.

Por quê? Porque o capitalismo exige consumidores, e os empobrecidos não podem se dar ao luxo de consumir. Porque o capitalismo exige uma força de trabalho educada, e aquela educação tem de começar na infância. Porque o capitalismo exige recursos renováveis, que práticas insustentáveis não podem fornecer. Porque o capitalismo, quando feito da melhor maneira, beneficia não apenas seus donos das ações, mas todos os participantes – o que significa cada um de nós compartilhando este planeta.

A forma mais elevada de caridade, escreve Maimônides, é quando você dá a uma pessoa uma sociedade ou encontra um emprego para ela “… para que a mão dela seja fortalecida e não precise mais pedir aos outros.”9

Quem faz isso? Os empreendedores, os financistas, as pessoas que fazem negócios. Elas são abençoadas com a capacidade de manter um ser humano sobre seus dois pés, e todos – bilhões de seres humanos – e dizer: “Sua vida está em suas mãos.”

Não posso pensar em nada que o mundo mais precise hoje do que uma geração de capitalistas idealistas, visionários, nobres.10

Voltando ao Jardim

Portanto os acampantes no Parque Zuccotti estão certos ou errados? Como ocorre na maioria dos casos, provavelmente ambos. Veja, a mudança que é necessária não é a mudança que a maioria imagina. Não é da morte do capitalismo que precisamos, mas sua redenção. Precisamos parar de igualar o mundo financeiro à ganância e começar a vê-lo como um nobre chamado. E, como consumidores, precisamos exigir isto das nossas indústrias.

Precisamos ensinar isto em nossas escolas – e não apenas nas escolas de negócios: as crianças na pré-escola têm de aprender que os bombeiros apagam incêndios, os médicos curam dodóis, e as pessoas fazem negócios para que possam compartilhar as coisas boas com os outros.

Precisamos dar a elas aquele papel, e aprender a esperá-lo da parte delas. Um dos acampantes, um carpinteiro de 53 anos chamado Thomas Fox, parece ter entendido bem isso, como ele explicou a um jornalista:

É um partido baseado na política Jeffersoniana unindo a juventude do mundo. A frase-chave é esta, que Thomas Jefferson escreveu a Madison: “A terra pertence ao usufruto dos vivos.” O que usufruto significa é administração. Significa que a geração mais velha tem o dever de deixar a terra e o sistema financeiro numa situação melhor do que a encontrou.

De certa maneira lembrando aquela linha em Gênesis, onde o Diretor deste universo nos coloca em Seu jardim “para servir e protegê-lo.” Em outras palavras, para tornar Seu mundo ainda melhor.

Em Woodstock nós cantamos que “temos de nos levar de volta ao jdardim.” Se os ocupantes de Wall Street têm ou não a mesma coisa em mente, o jardim está aqui agora, e esperando.



NOTAS
1. Goldman Sachs, Global Economic Paper nš 170, pág. 5.
2. Talmud Shabat 31 a.
3. Veja Sanhedrin 24 b; Maimônides, Mishneh Torá, sefer Mishpatim, Edut. 10:4, e o Kesef Mishanh ad loc: Uma pessoa que não está ocupada em “arrumar o mundo” provavelmente está ocupada em roubo e não merece confiança.
4. Isaiah 45:18.
5. Mishneh Torá, Sefer Madah, Hilchot Talmud Torá, 3:10.
6. Os Sábios judeus, por outro lado, citam o versículo de Salmos (128:2). “Se você come pelo trabalho das suas mãos, é digno de louvor, e é bom para você.” Disso entendemos que a recompensa por trabalhar pelo sustento excede até o mérito de “temor ao céu.” Aquele que teme o céu tem uma recompensa no Mundo Vindouro, mas aquele que come pelo trabalho das próprias mãos recebe uma recompensa também neste mundo (Talmud, Berachot 8 a). A maldição que resultou do pecado original acrescentou o elemento da labuta àquele trabalho, mas o trabalho em si não é uma maldição, porém parte do propósito original do ser humano na terra – como é mencionado ao final deste ensaio.
7. Sobre este tópico, veja Jerry Muller, Capitalismo e os Judeus, Princeton University Press.
8. Montesque, Espírito das Leis (1748), parte 4, livro 20, cap. 1.
9. Mishne Torá, Sefer Zeraim, Hilchot Matnot Aniyim, 10:7.
10. Se você acha que é o único a dizer isto, veja Michael Porter e Mark Kramer, “A Grande Ideia – Criando Valor Compartilhado”, sub-intitulado “Como reinventar o capitalismo e desencadear uma onda de inovação e crescimento” em Harvard Business Review, janeiro de 2011. Além disso, um livro oportuno de Joseph Bower, Herman Leonard e Lynn Paine, “Capitalismo em Risco: Repensando o Papel de Negócios”. Minha ideia de que os negócios devem ser vistos como “uma profissão nobre” é tirado diretamente de Cavico e Mujitaba. “O estado das escolas de negócios, educação para os negócios ética nos negócios” no Jonal da Ética Acadêmica e de Negócios, vol. 2, julho de 2009.
 

 

 
   
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