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Entrei
na rua Bograchov. Um pouco adiante tive de passar pelo esqueleto de um
edifício em construção. A calçada estava quebrada,
pilhas de areia cobriam a área, pedaços de madeira e outros
destroços estavam espalhados aqui e ali. Uma mulher grande de cabelo
encaracolado descia a rua e se aproximava de mim.
Então aquilo aconteceu. De repente, senti um violento golpe na
cabeça. Caí no chão, bem na frente da mulher. Uma
pesada viga de madeira com seis metros de comprimento despencou da plataforma
a cinco andares de altura, atingiu-me e rolou para a rua como se atirada
por uma catapulta.
De imediato, eu me senti fora do corpo, flutuando e subindo alguns metros
acima da calçada, assistindo a cena toda. Não sei como deixei
o meu corpo, ou como cheguei lá em cima. Tudo aconteceu tão
depressa que fui apanhada de surpresa. Vi a mulher grande se curvando
sobre o meu corpo, tentando detectar algum sinal de vida no meu corpo
imóvel. Então ela começou a gritar por ajuda.
Este é o meu corpo, pensei, mas não estou dentro dele. Estou
olhando para ele do alto. Com que olhos estou vendo isso, e onde estão
meus ouvidos? Como eu podia escutar todo o barulho da rua?
Eu estava perplexa. Obviamente, eu existia, era real, estava consciente,
mas não dentro do meu corpo. Eu sempre pensara que "Eu"
e meu corpo éramos a mesma coisa. Não sabia que eu era um
ser que era algo mais que apenas um corpo físico.
Uma mudança gradual começou a ocorrer em meu status de "observadora".
Os eventos na rua começaram a desvanecer-se na escuridão,
e através daquelas trevas, eu percebia um vislumbre de claridade.
Quando a claridade chegou mais perto, ficou mais intensa, tornando-se
uma luz gloriosa, forte, irradiando um fluxo pleno de exaltada espiritualidade.
Em harmonia com este fluxo de iluminação, os eventos em
minha vida começaram a passar perante meus olhos, e eu me via tomando
parte neles. Minha vida inteira passou como um relâmpago, desde
o dia em que nasci até o momento em que caí no chão.
A magnífica corrente de luz estava acompanhada por um fluxo de
amor sublime, um tipo de amor que eu jamais sentira antes. Frente a este
amor poderoso, eu me senti incapaz de permanecer como uma entidade independente;
simplesmente me desvaneci. Não há palavras para descrever
o encantamento, a maravilha, o incomparável, a infinita bondade.
Eu as discerni em qualidades de compaixão, prazer espiritual, força,
felicidade e beleza, tudo numa profusão infinita.
Senti um poderoso vínculo com esta presença maravilhosa.
Era a vontade de um Ser mais elevado, de infinito poder. Senti um forte
anseio de me tornar parte deste maravilhoso fluxo eterno.
A atração do amor poderoso contido na luz benevolente era
quase irresistível. Senti minha força de vontade diminuir
e começar a desaparecer. Frente a este derramar de bondade e amor
eu estava perdendo minha vontade de ser um indivíduo separado.
Sentia-me como se uma mãe amorosa estivesse abraçando minha
individualidade e puxando meu "Eu" na direção
de um estado de felicidade perfeita, um estado de ser que prometia um
deleite sublime e eterno. Eu estava repleta com grande compaixão
pelos meus entes queridos que permaneceriam neste mundo, pelo meu corpo,
pela vida que eu tinha desperdiçado. Uma onda de pena me atravessou.
Eu senti que esta de força de compaixão me trouxe de volta
ao meu corpo. Dominada pela ternura, com uma sensação de
compaixão infinita, comecei a chorar. A mulher inclinou-se sobre
mim, e agarrando minha mão, tentava convencer-me para me levantar.
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